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Religiosidade é tema do livro 'Van Gogh - A Salvação Pela Pintura'

Lançamento de Rodrigo Naves faz uma abordagem fora do tradicional sobre o pintor holandês

Agência Estado

Tanto já se falou do pintor holandês Vincent Van Gogh (1853-1890) e tantas foram as biografias do artista que parece restar pouco a revelar sobre ele. Seus conhecidos problemas psicológicos (bipolaridade, esquizofrenia), suas alucinações, sua carência afetiva, sua dificuldade em formar uma comunidade artística harmoniosa, tudo foi explorado em livros e filmes.

No entanto, sempre resta algo de essencial para falar - e nesse ponto emerge um ensaio da fato fundamental para entender Van Gogh longe da abordagem tradicional, Van Gogh - A Salvação pela Pintura, do crítico e professor Rodrigo Naves. No livro, ele toca na formação religiosa do pintor e como ela interferiu em sua experiência artística, servindo de promessa de redenção para um desesperado.

Cruzamento híbrido entre estudo biográfico e ensaio crítico sobre sua obra, o livro de Naves associa a busca atormentada de Van Gogh pela salvação - consequência da sua formação calvinista - à produção exaustiva do pintor (mais de 900 telas, realizadas num curto espaço de tempo, algo memorável para alguém que, além de tudo, era dependente de álcool).

Sua tarefa de realizar um trabalho de Sísifo, infindável, para que a pintura se revelasse salvífica, é sua expiação. Sobre o livro, Naves concedeu ao Estadão uma entrevista por telefone, em que falou sobretudo da estreita relação entre a obra do pintor e essa busca obsessiva.

Contra a mitificação de Van Gogh - fruto principalmente dos filmes, de Sede de Viver (Lust for Life, 1956) a No Portal da Eternidade (Eternity's Gate, 2018) -, o livro de Rodrigo Naves busca em outras fontes elementos que comprovem o controle de Van Gogh sobre sua arte. O homem de teatro Antonin Artaud (autor de O Suicidado da Sociedade, sobre o pintor) surge entre elas, colocando por terra adjetivos como "iluminado" e "incompreendido".

Artaud disse que Van Gogh não morreu por causa de sua condição delirante, mas por ter feito de seu corpo o campo de batalha entre carne e espírito. Para não ser injusto, talvez a cinebiografia que tenha chegado mais perto disso foi Van Gogh (1991), do francês Maurice Pialat.

Pialat, inclusive, toca num ponto que outros biógrafos preferem evitar: a (provável) homossexualidade reprimida de Van Gogh, sugerindo que Gauguin teria abandonado o amigo após conter seu assédio na casa amarela em Arles, onde ambos viveram (no caso de Gauguin, entre outubro e dezembro de 1888). O pintor, inclusive, teria cortado a orelha esquerda não por causa de uma prostituta, mas pela rejeição do amigo.

Van Gogh e Gauguin tinham temperamentos incompatíveis como o de Van Gogh e da prostituta Sien, com quem morou, mas, ao menos, ambos os pintores viam a arte como salvação - Gauguin, a despeito de seu anticlericalismo declarado, aproximou-se da doutrina teosófica de Edouard Schuré (um bom número das telas de Gauguin ilustra sua fé em algo sobrenatural).

Gauguin, defende Naves, "procurava uma pintura que fosse símbolo". Já Van Gogh, conclui o crítico, "queria pintar o que via, despreocupado em encontrar alguma dimensão misteriosa entre o olhar e o mundo". E ele não encontra melhor tradução para o sentido da arte do holandês do que a frase de Nietzsche: "Lux mea cruz/Crux mea lux' (Luz minha cruz/Cruz minha luz).

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