‘O nosso estado respira o brega’: artistas do Pará reagem à nomeação de Recife como Capital do Brega
Kim Marques, Chyco Salles, Diogo e DJ Dinho ressaltam a história e a força do brega paraense no debate sobre o reconhecimento oficial
A aprovação do Projeto de Lei 2.521/2021 pela Comissão de Educação e Cultura (CE) do Senado Federal provocou reação imediata de artistas paraenses ligados ao brega. O texto, de autoria do deputado federal Felipe Carreras (PSB-PE), concede a Recife (PE) o título de Capital Nacional do Brega e teve parecer favorável do senador Humberto Costa (PT-PE). A decisão é terminativa e, se não houver recurso para votação em Plenário, seguirá diretamente para a sanção do presidente da República.
Assista a entrevista completa:
O senador Beto Faro (PT-PA) já apresentou um recurso para que o projeto seja apreciado pelo Plenário do Senado. Ele afirmou, ainda, que há um acordo com o autor da proposta para que se estabeleça as duas cidades, Belém e Recife, como capitais nacionais do brega, dividindo oficialmente o reconhecimento do gênero.
No meio desse debate, os artistas paraenses não esconderam sua insatisfação. Para eles, é inegável a importância histórica e cultural do Pará na consolidação do brega no Brasil. Durante uma entrevista ao O Liberal, os cantores Kim Marques, Diogo, Chyco Salles e DJ Dinho, da aparelhagem Tupinambá, comentaram sobre o tema.
“Esse direito quem tem é o povo, para começar. É o povo que dita as regras. É o povo que gosta da música, é o povo que ama música. Então, eu falei um dia desse e repito de novo que não existe no planeta um povo que ame mais o brega do que o estado do Pará. Para o estado do Pará, o brega sempre foi música, dança, entretenimento direto, o povo se divertindo na sua casa, no seu churrasco. Nunca essa palavra ‘brega’ foi olhada com preconceito de roupa, de maneira de se vestir. Ela sempre foi olhada com muito carinho pelo povo paraense. Então, quem tem razão é o povo paraense, que ama a nossa música e que ama a nossa cultura”, defende Kim Marques.
Diogo, outro veterano do brega no estado, lembrou sua trajetória e como percebe a relação do Pará com o gênero: “Eu tô no brega já desde 1986, quando eu gravei o meu primeiro disco, e a aceitação foi rápida, inclusive para uma gravadora nacional. Então, o brega nacional, o brega de Belém do Pará… Eu sei porque, quando gravei Leviana, composição minha com o Tonny Brasil, esse disco estourou muito lá em Recife, porque lá em Recife tinha um camelódromo e o pessoal vinha de lá, os camelôs vinham comprar disco de brega em Belém. E daí muitos artistas de Belém do Pará fizeram muitos shows lá. Tem música que eu gravei na década de 90 falando que Belém é a capital do brega. Claro que Recife tem uma grande tradição no brega também, mas o brega, como o Brasil conhece, é o brega feito em Belém do Pará".
Para Chyco Salles, outro nome que integra a história do brega no estado, a questão ultrapassa o debate sobre quem começou e entra no campo do reconhecimento real da força cultural paraense. “A gente exporta música, a gente exporta ritmos há muito tempo. O nosso estado respira brega. Eu não quero que Recife também fique, mas, no mínimo, dividir o título nós merecidamente merece”, disse.
Dinho, do Tupinambá, reforçou a fala dos colegas, lembrando que vive o brega desde que nasceu, no ambiente das aparelhagens. “Posso dizer que eu nasci praticamente dentro do brega, dentro de uma aparelhagem. Então, desde criança conheço o brega, e o brega sempre foi oriundo aqui do nosso estado. As aparelhagens já tocando desde a época dos anos 60, 70, 80, até os dias de hoje, tocando esse brega aí, divulgando. E eu, ultimamente, estou saindo muito para fora do estado, tocar, fazer shows, e, quando eu chego lá, eu não toco outra coisa. Eu toco brega. O meu repertório, a matéria-prima do meu show é o brega. Aqui começou o brega, eu posso dizer e eu sou testemunha. Eu tive numa rodada de conversa com o saudoso Reginaldo Rossi, e ele falou que Recife não prestigiava tanto ele quanto Belém do Pará, porque, vira e mexe, ele estava por aqui fazendo shows, divulgando a música. Mas, quando o Reginaldo Rossi partiu, em 2013, que ele foi mais valorizado… Mas não cabe a nós comentarmos sobre isso. O que a gente está questionando é que Belém do Pará, realmente, o nosso estado do Pará, não só Belém, a capital, mas o estado todo, é o berço do nosso brega. A gente nunca teve preconceito, muito pelo contrário, sempre a gente valorizou”, declarou.
A discussão ganhou ainda mais fôlego após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionar, na última quinta-feira (22), a criação do Dia Nacional do Brega, que será comemorado em 14 de fevereiro, data de nascimento do pernambucano Reginaldo Rossi, o Rei do Brega. A data foi proposta pela deputada Lídice da Mata (BA) e contou com o apoio do deputado Pedro Campos (PE).
No Pará, o reconhecimento institucional do brega já é realidade desde 2021, quando o gênero foi declarado Patrimônio Cultural e Imaterial do estado. A lei, sancionada pelo governador Helder Barbalho, considera o brega como expressão relevante da cultura local, especialmente nas aparelhagens, nas festas populares e na produção musical paraense.
As diferenças entre o brega produzido no Pará e aquele originado em Pernambuco foram destacadas por Kim Marques. “É muito grande a diferença. A diferença é se você colocar o nosso brega paraense e colocar o de Recife. O brega paraense foi feito para dançar, o de Recife não. O tema das músicas paraense é falando em dança, colocando o ritmo em primeiro lugar. O de Recife não, é falando sobre chifre, sobre ser corno. Ele continua aquele mesmo brega dos anos 70, 60, escrachado”, afirma o cantor, que também cita a influência do Pará na expansão do gênero nacionalmente. “O nosso brega paraense foi esse brega que invadiu o Brasil através de Calypso, com letras românticas, com a dança, valorizando os bailarinos de um balcão”, afirmou.
O DJ Dinho, da aparelhagem Tupinambá, também critica as transformações do brega fora do Pará, citando especificamente a fusão do gênero com o funk. “Desculpa aí, mas, se eu não me engano, eles agora estão até colocando o funk, que é o brega funk. Isso que eles colocaram para lá, que, sei lá, não tem nada a ver. Nada contra o funk, que é um ritmo do Rio de Janeiro, mas o nosso brega aqui… Nós já tivemos várias evoluções, várias transformações, podemos dizer, várias vertentes, e o nosso brega continua vivo, tocando, como o Kim falou, a arte da dança”, comentou.
Dinho também reforça que o elemento da dança é central no brega produzido no Pará, o que, segundo ele, não ocorre da mesma forma em outros estados. “O paraense sabe dançar, o paraense sabe como, digamos assim, valorizar o brega. Hoje, se você vai numa praia, o carro tá tocando lá, a caixa de som… Não importa qual a vertente. O que importa é que está tocando lá o nosso brega”, finalizou.
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