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Brasileiros se emocionam com Caetano Veloso em Lisboa

Show faz parte da turnê “Voz e Violão”, que ocorre na Europa

Anna Carla Ribeiro / Especial para O Liberal, de Lisboa (Portugal)


Surgiu no palco com os cabelos bem brancos, vestido com trajes de tonalidade esverdeada. Sobre os olhos, os tradicionais óculos de aro fino. Com poucos passos, deu-se a tão esperada histeria. Também, pudera. Não era só – como se fosse pouco – um show de Caetano Veloso. Era, para muitos, o primeiro concerto após longos meses de reclusão, fruto da pandemia da Covid-19. Mais do que isso. Naquele mesmo espaço, concentravam-se dezenas de brasileiros que também sofriam de uma saudade bem específica: a das próprias raízes. Principalmente para eles, os compatriotas situados do outro lado do oceano, a última quinta-feira (2) foi uma bela e inesquecível noite de verão na sala de espetáculos Coliseu dos Recreios, em Lisboa.

Naquele momento, Caetano Emanoel Viana Teles Veloso não parecia mais ser-humano. Diante de tantas representações não só da sua própria arte, tão brasileira quanto o seu sotaque baiano, mas também dos tempos difíceis que toda a humanidade passa, lembrava uma entidade a trazer sopros de boas novas. Em sintonia com os Orixás e apenas um violão, iniciou o show com “Milagres do Povo”.

Ao interagir com o público, mesmo diante das dificuldades, se mostrou esperançoso. “É uma beleza estar de novo em Lisboa. E a cantar de novo na frente de muita gente. Nós estamos reaprendendo a viver. Hoje, eu tenho as mãos trêmulas, que não seguram mais firme o violão. Mas procuro fazer o meu melhor”, contou Caetano. As mãos podem estar debilitadas pela idade – o que não vem a prejudicar a qualidade musical do show -  mas mesmo depois de cinco décadas de carreira, a voz de Caetano parece não sofrer as consequências do tempo. É o mesmo timbre do menino leonino que se lançava na Tropicália, na década de 1960.

Seguiu com os clássicos “Menino do Rio”, “Tigresa”, “Coração Vagabundo”, “Luz do Sol”, “Trilhos Urbanos”, “Cajuína”. Cantava sorrindo, algumas vezes com os olhos semicerrados, noutras a observar bem o ambiente, com certa feição de contentamento. Em “Força Estranha”, humildemente, confessou que temeu não cantar a letra toda. Talvez tenha sido uma forma de dizer que, sim, ele é humano. Só não parece. Logo recebeu a resposta. Uma fã gritou: “És perfeito”. Foi o suficiente para o resto do público concordar e lançar gritos de “Perfeito” ao cantor e compositor.

Já se via, antes do espetáculo, na entrada do Coliseu dos Recreios, algumas pessoas a levarem lencinhos de papel nas mãos. O choro num show de Caetano fora do Brasil é uma cena absolutamente corriqueira. Mesmo quem tem vergonha de chorar deve se sentir mais à vontade, pois se não todos, pelo menos a maioria, ora ou outra secava as lágrimas que molhavam as máscaras de proteção à Covid-19.

Foi em “Sampa” que o primeiro grande coro se fez na plateia, que se seguiu presente, principalmente nos clássicos “Desde que o samba é samba”, “Terra” e “Leãozinho”. Quando cantou “Reconvexo”, foi difícil para o público se manter sentado. Eram muitos os ombros que balançavam nas cadeiras, numa espécie de samba da cintura para cima.

Caetano, como sempre fez em vida, também não deixou de se posicionar politicamente. Ao ouvir um grito de “Fora Bolsonaro” de uma fã, deixou claro: “Fora Bolsonaro é importante. Nós temos que mudar muitas coisas. Mas você está certa. É um passo importante que precisa ser dado”. Ao cantar “Tonada de Luna llena”, a única música internacional do repertório do show, de origem venezuelana, também aproveitou para dizer “Essa, sim, é a verdadeira Venezuela”.

Quando deixou o palco pela primeira vez, além das tradicionais palmas e gritos de bis, fez-se um ruído bem específico de batidas de pés no largo piso, feito de madeira. O som reverberou por toda a sala. Foi possível sentir a vibração no chão. Quando retornou ao palco, Caetano brincou: “Esse barulhinho é legal, né?”. Antes de encerrar o show, presenteou o público com mais sucessos, entre eles “Qualquer Coisa”, “Odara” e “A Luz de Tieta”. Se despediu do palco dançando samba – a comprovação de que o gingado e malemolência do artista ainda está em dia.  

Se Caetano tem um quê de entidade, realmente não há provas. Mas se entidade não for, durante a turnê “Voz e Violão”, que faz na Europa, veste-se de anjo para trazer aos brasileiros que moram fora um pouco dos ventos que vêm debaixo da linha do Equador. Na saída, as feições eram de satisfação. Algo entre a saudade e a distância foi sanado, mesmo que por uma noite.