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Escavações no centro de Belém resgatam tesouros arqueológicos da cidade

Equipe de arqueólogas encontra a história dos belenenses de outrora nas obras de drenagem do Comércio

Caio Oliveira

O filósofo e político romano Cícero disse que “a História é testemunha do passado, luz da verdade e mestre da vida”, e foi justamente a pesquisa e preservação histórica que permitiram que essa frase, dita por um pensador que viveu cem anos antes de Cristo, atravessasse os milênios e chegassem até nós.

É esse resgate do passado que a equipe de arqueólogas que trabalha nas escavações no Centro de Belém vem executando, tirando da terra aquilo que já foi o cotidiano de pessoas que viveram nessa terra muito antes dos atuais belenenses. 

As obras de drenagem e calçamento vêm sendo executadas atualmente pela Secretaria Municipal de Saneamento (Sesan) no trecho de esquina da rua Conselheiro João Alfredo com a avenida Portugal. Quem passa por ali, repara logo o canteiro de obras, mas o contêiner onde funciona um laboratório pode passar despercebido.

É naquele espaço que trabalham as arqueólogas Amanda Seabra, Taynara Nascimento e Gabriela Maurity. Por se tratar de um centro histórico e patrimônio tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o ponto da área comercial de Belém conta com essa curadoria que garante a preservação da história do local.

"Encontramos muita cerâmica, louça, vidro, e material construtivo. Essa é uma região que já foi muito modificada desde seu início, por se tratar inicialmente da área do Igarapé Piri, que na formação de Belém, separava a ‘Cidade’ da ‘Campina’", conta a coordenadora do acompanhamento arqueológico, Amanda Seabra. Segundo ela, as escavações mostram que os desafios que Belém enfrenta até hoje vêm de séculos atrás, como o já conhecido problema dos alagamentos.

"Essa região é aterrada desde o século 18, e desde aquele tempo, Belém vem lidando com a questão da água ao seu redor. Então, o que a gente encontra aqui quando vai abrindo as escavações são inúmeras tubulações antigas, datadas da virada do século 18 para o 19, e muitas são usadas até hoje para a água escorrer", disse a arqueóloga, ao traçar um paralelo com a Belém de ontem com a atual.

Vigilância garante proteção do patrimônio cultural

O acompanhamento arqueológico em meio a uma obra de saneamento no movimentado centro de compras de uma capital é trabalhoso e cuidadoso, envolvendo várias etapas. Após a escavação, onde as profissionais acompanham a abertura das canaletas, o material arqueológico que começa a aparecer a partir de um metro de profundidade é retirado, lavado e vai ao laboratório. Lá, é feito o restante da limpeza, a numeração e a análise e, por fim, um relatório sobre os achados e elaborado para o Iphan.

De acordo com o Iphan, Belém é conhecida pelo seu potencial arqueológico de sítios históricos datados a partir da chegada do colonizador europeu, registrados no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos do Instituto. A fiscalização dessas escavações ocorre com base na Constituição Federal, na qual se destaca a vigilância na proteção do Patrimônio Cultural. 

As arqueólogas contam que os mais de dois mil fragmentos encontrados até o momento serão levados para o Museu de Arte de Belém (MAB), já que por ser patrimônio da União, eles devem ser guardados em uma instituição de Guarda e Pesquisa. No MAB, os achados serão analisados, estudados e, se possível, usados em futuras exposições. A equipe conta que, além da pesquisa, é preciso divulgar essa produção científica e, para isso, foi criado o perfil no Instagram @arqueologiabelem, que compartilha com o público as descobertas feitas e fala sobre o trabalho arqueológico em geral.

"Pra mim o mais interessante de tudo foi o que encontramos nas primeiras semanas. Achamos a estrutura do antigo trilho do bondinho, e nesse trecho, conseguimos ver até os dormentes, que era a madeira que dava suporte aos trilhos. A gente recolheu essas peças e os parafusos", conta Taynara Nascimento, que compõe a equipe. Os bondes começaram a circular por Belém por volta de 1800, com tração animal, sendo que mais tarde, a partir de 1907, passaram a ser movidos por eletricidade.

Mas para que serve todo esse trabalho? Para Amanda Seabra, estudar o passado ajuda a entender melhor a cidade e a criar um conhecimento que pode ser usado em elaboração de políticas para o tempos atuais. "A partir de todos esses caquinhos, a gente consegue recuperar toda uma história antiga de Belém. No começo, aqui era um Igarapé, e agora, temos 40 centímetros de asfalto, cheio de prédios em cima. Com o estudo das camadas do solo, a gente consegue ver de que forma essa região foi modificada", diz a arqueóloga, que explica que, como ainda é atualmente, aquela região era habitada por trabalhadores que giravam as engrenagens do comércio da cidade, mas que foram negligenciados pelos registros históricos. 

"A gente quer recuperar o cotidiano de Belém, o hábito diário, que é muito difícil estar nos livros. O papel aceita qualquer verdade, e antigamente, quem é que tinha o poder de escrever essas histórias? Quem tinha o poder aquisitivo maior. Então, as demais pessoas eram esquecidas, apagadas, e a partir dessa cultura material, a gente consegue identificar e recuperar essas pessoas que são invisibilizadas na sociedade", encerra.

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