Em "Servidão", diretor de "Pureza" aborda o trabalho escravo contemporâneo na Amazônia
Documentário estreia na semana do Dia Nacional do Combate ao Trabalho Escravo
O novo documentário do diretor Renato Barbieri, 'Servidão', estreou nesta quinta-feira (25), exclusivamente nos cinemas brasileiros. O longa documental, que tem como tema o trabalho escravo contemporâneo com foco na Amazônia brasileira, é lançado em uma importante semana para essa problemática, já que neste domingo (28) é o Dia Nacional do Combate ao Trabalho Escravo.
Com narração da artista Negra Li, 'Servidão' é um contundente registro sobre uma das maiores mazelas do Brasil. Para o longa-metragem, foram ouvidos trabalhadores rurais escravizados em frentes de desmatamento no Norte do Brasil e abolicionistas de diferentes vertentes. Segundo Barbieri, o documentário consegue captar a realidade dramática desses crimes, através das narrações e relatos. “Tem uma questão de consciência coletiva. Esses personagens me ajudaram a amarrar essa narrativa. Então, é uma história oral narrada por várias vozes que vão gerando uma consciência do que é a escravidão, o seu processo, métodos, as suas faces e como as pessoas viveram ou ouviram”, explica.
“No documentário temos relatos de pessoas que vivenciaram a escravidão na pele e de pessoas que viram outros serem escravizados também. A gente foi na Amazônia profunda, chegamos nos lugares onde as pessoas sofrem esses crimes”, comenta.
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A retratação da escravidão no Brasil é algo presente em outras obras do diretor Renato Barbier. Como em 'Pureza', seu longa-metragem mais recente, que é estrelado pela paraense Dira Paes. O filme é baseado na história real da ativista Pureza Lopes Loyola, que denunciou os tratamentos brutais aos trabalhadores em um garimpo na Amazônia.
De acordo com Barbieri, ‘Servidão’ deu subsídio a criação do ‘Pureza’, já que o documentário foi filmado uma ano antes do filme. “No ‘Pureza’ mostramos a cena do crime, como é que se dá o aliciamento e como a dona Pureza lutou, junto com outros abolicionistas, para virar aquele jogo. Enquanto no ‘Servidão’, trazemos a perspectiva histórica secular desse crime. Então, a gente mostra como a raiz da escravidão contemporânea está na escrvidão clássica. A escravidão contemporânea começa no dia seguinte da escravidão clássica”, diz.
“Se o 'Pureza' é um grito de amor de uma mãe atrás do seu filho, o ‘Servidão’ é um grito de horror que mostra como se processa a escravidão em função da mentalidade escravagista historicamente. O documentário passa no período de 1993 a 1995, com o foco principalmente na escravidão e a sua forma contemporânea”, complementa.
A produção da obra teve uma equipe e orçamento bem enxuta, com apenas 4 pessoas, facilitando na viagem pelas locações. O diretor acredita que essa é uma obra importante de ser assistida, principalmente no cinema. “Nós vamos estar levando ele para Belém, uma cidade que eu tenho o maior carinho. ‘Pureza’ tem um DNA paraense muito forte. O ‘Servidão’ também, já que filmamos em Santarém e Marabá. Infelizmente, o Pará entra nos índices mais altos de escravidão. Então, é importante que todos assistam”, conclui o cineasta.
O Dia Nacional do Combate ao Trabalho Escravo, 28 de janeiro, é uma forma de conscientizar a população a respeito dessa realidade, que ainda é muito latente no país. Segundo o relatório Índice Global de Escravidão 2023, elaborado pela ONG Walk Free, organização que atua em todo o planeta no combate ao trabalho escravo, o Brasil ocupa o 11º lugar no ranking mundial em práticas análogas à escravidão e tráfico de pessoas. A data em si faz referência a um episódio que aconteceu em 2004, quando três auditores fiscais do trabalho e um motorista foram assassinados durante averiguação sobre denúncias de trabalho escravo em fazendas de Unaí, em Minas Gerais.
Embora as condições de trabalho análogas à escravidão sejam consideradas crime previsto pelo Código Penal Brasileiro, o regime da servidão é praticado no Brasil desde sempre, há cinco séculos. A Lei Áurea aboliu a escravidão clássica, que dava direito de propriedade e comércio dos escravizados, mas não transformou as relações de trabalho, que perduram até os dias de hoje.