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Dia Mundial da Língua Portuguesa celebra a identidade e comunicação de nove países do mundo

Na data especial, professores de língua portuguesa e literatura falam sobre história da língua e perspectivas para o futuro

Lucas Costa

O Brasil é um dos nove países que celebra nesta quarta-feira (5), um dos elementos mais importantes de sua cultura e história: a língua. O Dia Mundial da Língua Portuguesa, a quinta mais falada no mundo, é o dia de celebrar também toda a cultura e identidade que a envolve, desde o cinema, até a literatura e a música - expressões que atravessam cada um dos mais de 280 milhões de seus falantes.

Sendo o único país americano a ter o português como língua oficial, o Brasil, em sua extensão continental, também carrega as particularidades da língua. “A gente pode começar dizendo que existe um mar que distancia português de Portugal do português brasileiro”, destaca Bruno Gibson, professor de língua portuguesa do projeto O Liberal na Escola. Ele conta ainda que nas universidades, há uma discussão que defende o ensino de um “português brasileiro”, ou simplesmente “brasileiro”, considerando as influências diversas que a língua carrega no país.

“A língua praticada no Brasil sofreu influência da África, com o caso dos escravos; sofreu influência dos indígenas, e nós temos inúmeras formas e línguas diferentes no próprio Brasil. Da última vez vi que o Iphan tinha mais de 250 línguas catalogadas, indígenas. Então tudo isso influenciou na nossa forma de falar. A diferença do português brasileiro para os demais países é justamente essa influência indigena, africana e portuguesa”, explica Bruno.

Além das influências de línguas nativas, o português do Brasil também é marcado por uma série de variações linguísticas dentro do próprio país, geralmente relacionadas a territórios, como os sotaques. Estas variações podem implicar em diversas questões, desde a diferença na pronúncia de palavras, até mesmo a existência de regionalismos. As variações linguísticas no Brasil também podem acabar esbarrando em xenofobia, ligadas ao mito do “português correto”, já reconhecido como mito por profissionais. 

“É um mito, realmente não existe. E quem contribuiu para que nós tivéssemos essa visão foram vários autores. Tem um especial, o Marcos Bagno. Ele lança um livro chamado ‘Preconceito Linguístico', onde coloca essa fala de que ‘é mito que existe o portgues correto’. Quem veio ratificar esse pensamento foi o Enem, porque em uma de suas habilidades ele pede que o candidato entenda as variantes linguísticas que se encaixam fora da norma culta”, explica o professor.

Os exemplos sobre variação linguística vão além dos sotaques, passando por uma conversa entre amigos, por exemplo; ou as variantes profissionais como em situações de trabalho. Por conta disso, Bruno defende que não há um “português correto”, em vez disso, existe “uma forma para cada contexto”.

Língua e resistência

Se a história da língua portuguesa no Brasil começa como uma imposição, gerando um apagamento de línguas nativas; há outros momentos em que ela foi uma das principais ferramentas na luta contra sistemas opressores. Durante a ditadura militar no país, artistas tiveram as palavras como únicas armas para ampliar seus discursos, mas precisavam fazê-lo driblando a censura.

“No período que começa em 1964, no Brasil, temos um musical que vai trazer Chico Buarque, Zé Keti, Maria Bethânia, Nara Leão; e esses poetas e escritores que em plena ditadura resolveram se impor contra o regime autoritário. Eles não podiam, por conta da proibição, fazer críticas ao governo, não podiam deixar claro nas letras que tinham alguma crítica a ser feita. E quanto mais você impede que a arte aconteça, ela tende a surgir de outras formas, se manifestar de outras formas, e isso acontece ao longo da história”, relembra Adonay Oliveira, professor de literatura do Colégio Antônio Leite, de Castanhal.

“Surgiu Chico Buarque que vem com ‘Cálice’, fazendo um trocadilho do ‘cale-se’; a música ‘Tropicália’, do Gilberto Gil e Caetano Veloso. A música e a literatura acabam sendo fortes veículos de resistência. Tem a ‘geração do mimeógrafo’, que vai ser importante para essa formação crítica da literatura, com Paulo Leminski, Chacal e Ana Cristina Cesar. Eles também vão arranjar, através da literatura, uma forma de poder sobreviver e continuar escrevendo, e vão utilizar elementos da linguagem, como metáforas, alegorias e comparações, para que a mensagem continue sendo feita, mas em níveis cada vez mais profundos de entendimento”, explica o professor.

Para onde vamos

Ao longo do tempo a língua portuguesa também passou por uma série de modificações, seja por influências de outros idiomas, território, ou até mesmo a necessidade de tornar-se mais acessível. A língua acompanha as mudanças do mundo, e recentemente, uma destas propostas é a linguagem neutra, que exclui gêneros de algumas palavras, adaptadas às pessoas não-binárias principalmente.

Bruno Gibson diz que tal discussão tem ganhado força atualmente, e que outros professores de língua portuguesa vêm enxergando como uma nova variação linguística. 

“Em relação a representatividade que a linguagem neutra traz, ela vai ganhar força. Sobre a gramática normativa, a variação que rege nossa língua, e quero deixar grifo, que é importante que haja a norma culta, para que a gente consiga manter um padrão de linguagem; é possível que daqui a uns anos seja compreendida e trabalhada nas salas de aula, com certeza”, diz Bruno.

“É uma discussão importante, que eu acredito que veio e que vai permanecer. Há mídias já trabalhando essa perspectiva, e é bastante interessante. eu acredito nessa tendência, e quem sabe um dia, assim como trema caiu e o hífen saiu de algumas palavras, quem sabe a linguagem neutra não seja uma opção lá no futuro”, acredita.

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