MENU

BUSCA

Dia Internacional do Jazz: música, política e liberdade

Desde sua origem, o jazz já mostrava sua ligação com a política e a liberdade.

Relivaldo Pinho (especial para O Liberal)

Neste dia 30 de abril se comemora no mundo o Dia Internacional do Jazz. A data foi definida em 2011 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) para celebrar o gênero musical como símbolo de valores humanos, como a paz, o diálogo, a harmonia e a liberdade.

Em sua origem, o jazz já mostrava sua ligação com a política e a liberdade. Exatamente porque ele é herdeiro das influências musicais dos descendentes de africanos que serviram como mão de obra escrava nas plantações de algodão nos Estados Unidos, especialmente na cidade que é considerada seu berço, Nova Orleans.

A virada dos Séculos XIX e XX marca a consolidação do jazz e sua posterior integração definitiva na produção cultural industrial. 

Após a Primeira Guerra Mundial, com o surgimento dos EUA como potência econômica, o jazz seria tocado em outras cidades e capitais do país e seu sucesso o faria chegar à fervilhante Paris dos anos 20.

Mas o trajeto desse gênero musical, bastante ignorado hoje, teve ainda mais relações diretas com importantes acontecimentos históricos e com a luta pela liberdade, tanto dentro, como fora dos Estados Unidos.

Conhecemos de algum modo a relação entre o jazz e a luta dos direitos civis, mas são pouco conhecidas as histórias sobre o ritmo em países que, na primeira metade do Século XX, viviam sob regimes totalitários.

É o caso do jazz na União Soviética. Sim, senhoras e senhores, o gênero musical também grassou pelos arredores do Kemlin, em um movimento pendular entre a permissão e a proibição.

Após sua chegada, por volta dos anos 20, houve depois a tentativa de criar um jazz voltado para uma música popular proletária dentro da ideia de que a arte deveria servir à revolução.

Ele também foi utilizado no exército vermelho, que tocava e ouvia a música como forma de entretenimento nas frentes da Segunda Guerra.
 
Mas, tanto as tentativas de proletarização do jazz sucumbiram em um arremedo do estilo, como, a partir de 1946, com o fim da Guerra, a perseguição aos músicos independentes do regime se intensificou. 

A maioria desses músicos foi presa, acusada especialmente de manter relações próximas demais com a cultura do inimigo norte-americano. Como sempre, o inimigo sempre é o outro, ele é o bárbaro e é também o invasor.

Havia não só a ideia de que faltava arte popular e folclore nessa nova manifestação musical, mas também a ideia de que a penetração da cultura de fora, para uma União Soviética que queria se fechar a essas influências, era uma ameaça ao processo revolucionário.

De certo modo, essa atitude também refletia a ideia de Stalin de que a revolução deveria se consolidar em um só país, na URSS, ao contrário do que pensava seu opositor e sua vítima Leon Trotsky. 

Nesse rastro, o processo revolucionário progrediria até a eliminação completa da burguesia, ou de qualquer traço (arte) da burguesia e, leia-se, do capitalismo. 

Não esqueçamos que o jazz durante a história e, por muito tempo, continuou sendo acusado, por parte de seus detratores, de arte burguesa.

Se o processo revolucionário stalinista pensava em uma função para a arte, o regime nazista da Alemanha também pensava que aquilo que destoasse culturalmente e artisticamente da raça ariana (sic) deveria ser combatido e eliminado.

Um dos expoentes dessa visão foi a exposição “Entartete Musik” (Música degenerada) realizada em maio de 1938 em Düsserdolf. 

VEJA MAIS

Em um cartaz da exposição, Johnny apareceria em uma caricatura abjeta e com uma estrela judaica na lapela, a mesma utilizada para marcar os lugares judaicos e os milhões de judeus que foram assassinados nos campos de concentração.

Internamente, a caricatura, a distorção e a mentira eram realizadas sobre o povo judeu e, como tantos outros artistas e cientistas de origem judaica, o famoso compositor austríaco, Arnold Schoenberg (um dos alvos da exposição sobre a “música degenerada”), criador do dodecafonismo, teve que fugir para os Estados Unidos após a ascensão do nacional-socialismo em 1933.
 
Caricaturar o inimigo se tornou uma prática que foi adotada em todos os espectros artísticos e, no período da Segunda Guerra Mundial, além da imprensa e cartazes, a máquina de propaganda utilizaria de modo massivo o cinema. 

Mas, mesmo nesse ambiente no qual toda a arte devia ter um propósito, foi surpreendente que possam ter surgido maneiras do jazz se manifestar de alguma forma, seja para a diversão hipócrita dos guardas da SS, seja nos grupos de jovens que seguiam o estilo e deploravam o estilo da juventude hitlerista, como os swing kids, seja como alternativa para aplacar o sofrimento dos prisioneiros nos campos de concentração.

Como já se disse anteriormente, a história do estilo musical no mundo e, especialmente, nos Estados Unidos marcaria definitivamente a sua relação pela luta contra a supressão de direitos e pela convivência pacífica entre pessoas de diferentes origens. Mas essa longa história ficará para outra oportunidade.

Por enquanto, temos uma pequena visão de como o jazz esteve relacionado a períodos históricos totalitários e podemos ver as suas diferentes características.

Nunca será demais lembrar que seu dia, mesmo relembrando períodos históricos tão sombrios, deve nos remeter à ideia de  paz, diálogo, harmonia e liberdade.
 
Chega de história por hoje. Nessa véspera de feriado, relaxe e escute a versão de Louis Armstrong de “La vie en rose” e lembre de algo ou alguém que mereça ser lembrado, ou abrace a pessoa ao seu lado e lhe diga, “Feliz dia internacional do jazz”.

Fontes consultadas:

Jazz under the Nazis. https://holocaustmusic.ort.org/

Martin Lücke. Vilified, Venerated, Forbidden: Jazz in the Stalinist Era.

Marita Berg. Jazz e outros estilos musicais "degenerados" foram alvo dos nazistas.

Petrônio Domingues. De Nova Orleans ao Brasil: o jazz no Mundo Atlântico.

Tanja B. Spitzer . "Swing Heil": Swing Youth, Schlurfs, and others in Nazi Germany. 

(Relivaldo Pinho é escritor, professor e pesquisador)

Cultura