Curupira alerta para a preservação da vida na Amazônia

No dia dedicado a esse personagem das lendas amazônicas, vale a pena refletir sobre o que se faz contra os ecossistemas naturais da região, às vésperas da COP 30

Eduardo Rocha
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A mensagem do Curupira, personagem lendário e icônico da Amazônia, é de amor por tudo que existe na floresta. E como tudo está relacionado à floresta, trata-se de uma mensagem de amor à vida. Não a toa, ele acaba de ser definido como o mascote da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30), a ocorrer em novembro próximo, na Cidade de Belém. Neste Dia do Curupira, o Protetor das Florestas, esse pequeno ser indígena de cabelos vermelhos e pés virados para trás, para enganar seus perseguidores e destruidores das matas e rios, sopra no vento o alerta para que os ecossistemas naturais amazônicos não desapareçam.

Para marcar a data, o coletivo Sarau em Movimento promove nesta quinta-feira (17), às 15h, na Praça Benedicto Monteiro, no bairro do Guamá, o Festival Brincar em Movimento. O evento vai contar com Espaço Erê, palhaços em movimento, contação de história, pintura corporal, erês em movimento, cinema infantil e carimbó.

Professor aposentado de Literatura Brasileira, após ter sido nos anos 90 coordenador do Projeto Integração: Escola e Meio Ambiente, da Escola Estadual Honorato Filgueiras, da Ilha do Mosqueiro, Claudionor Wanzeller. 76 anos, é autor do livro "Mosqueiro: Lendas e Mistérios". Ele explica que "o Curupira é um espírito da floresta que luta pela preservação da fauna e da flora, assustando caçadores e os responsáveis pelo desmatamento". "A lenda do Curupira tem sua origem entre os indígenas da Amazônia. Foi criado pela Suprema Divindade como um protetor das matas para castigar os seus agressores e beneficiar aqueles que, como os indígenas, buscam a sua conservação".

image Claudionor Wanzeller: "Só preserva o meio ambiente quem o conhece" (Foto: Divulgação)

Segundo o professor Claudionor, "quem viu o Curupira retrata-o como um curumim, pequeno indígena de cabelos vermelhos como o fogo, pés voltados para trás, olhar terrível e espírito vingativo". Ele diz que a Lenda do Curupira, como qualquer outra, "surgiu do entrelaçamento da cultura, medo, mistério, história e identidade de um povo, no caso o indígena amazônico". E, como diz esse educador, uma lenda é muito importante para a sociedade ou para um simples grupo social, na medida em que representa a crença ou a identidade dos seus indivíduos.

"Só preserva o meio ambiente quem o conhece e sabe de sua importância para a existência da vida. E o conhecimento só acontece por meio da educação, que promove a leitura de mundo e desenvolve a conscientização e o senso crítico desde a infância", adverte Claudionor Wanzeller.

Ouvir o Curupira

Nesse sentido, é fundamental se aprender a ler o que diz a natureza todos os dias, como faz o Curupira. Assim, o artista, professor e pesquisador José Arnaud, 48 anos, autor do livro "O Defensor da Floresta" (2021) em que reconta a saga do Curupira, destaca que essa obra serviu de referência para trabalhos pedagógicos e atividades variadas e desdobramento em outras linguagens. "Recebi muitos vídeos de crianças, de Belém e outros municipais, fazendo a leitura do livro, em sala de aulas, mas também nas suas casas com suas mães. Ver a empolgação delas com a encantaria do Curupira é a maior recompensa para mim como autor", ressalta.

"Uma coisa importante para pensarmos hoje é que, para essa geração de crianças, conhecer os seres encantados da Amazônia é uma forma de conexão com sua ancestralidade. Os povos originários que nos formaram culturalmente trazem as encantarias para que nos lembremos da nossa estreita ligação com os seres dos rios e das florestas, e que esses seres são a manifestação da força da natureza", enfatiza José Arnaud.

Como explica esse autor: "Hoje, em reconhecimento dessa ancestralidade dos povos dos rios e das florestas, não tratamos mais o Curupira como uma lenda. O termo lenda nos remete a algo inventado, folclórico, quando na realidade esses seres fazem parte da cultura viva desses povos portanto são sua verdade. Por isso hoje chamamos o Curupira assim como outras manifestações, de encantados, encantarias ou narrativas ancestrais". Arnaud salienta que a arte traz novos olhares para questões da realidade, e, dessa forma, a literatura infantil é "um campo poderoso de formação". Por isso, a abordagem de questões ambientais por meio de narrativas envolventes aproxima leitores e leitoras de discussões relevantes à sociedade atual. 

image Curupira: mascote oficial da COP 30, em Belém (Foto: Reprodução)

"O Curupira faz parte da minha infância na região ribeirinha do município de Cametá, na vila do Juaba. Precisamente, ouvindo as histórias dos mais velhos que realmente iam para floresta caçar e por vezes relatavam serem encantados pelo Curupira, ficando perdidos na floresta. Eu sempre tive essa imagem de um protetor da floresta que tinha a esperteza de enganar os caçadores com seus pés para trás. Um ser mágico que permitia a caça por subsistência, mas impedia que pessoas más intencionadas prejudicassem os seres que vivem na mata", pontua José Arnaud, ao lado da estátua do Curupira no Bosque Rodrigues Alves, em Belém.

Na opinião dele, em certa medida os povos tradicionais, que vivem as margens dos rios ou das florestas, são todos curupiras, pois lutam e conservam a biodiversidade da Amazônia. "E, sim, todos nós devemos encarnar o Curupira para defender a Amazônia. Viver em harmonia com rios e a floresta é possível, em um cuidado recíproco. Temos que ser espertos como o Curupira para expulsar quem só quer usar e destruir os bens naturais, sem se preocupar em preservar", arremata Arnaud.

A mais antiga menção ao nome Curupira é de autoria do padre jesuíta José de Anchieta, em 1560, na "Carta de São Vicente": "É cousa sabida e pela bôca de todos corre que ha certos demonios, a que os Brasis chamam corupira, que acometem aos Indios muitas vezes no mato, dão-lhes de açoites, machucam-os e matam-os. São testemunhas disto os nossos Irmãos, que viram algumas vezes os mortos por eles. Por isso, costumam os Indios deixar em certo caminho, que por asperas brenhas vai ter ao interior das terras, no cume da mais alta montanha, quando por cá passam, penas de aves, abanadores, flechas e outras cousas semelhantes como uma especie de oblação, rogando fervorosamente aos curupiras que não lhes façam mal".

Guardião da natureza

O escritor Paulo Maués Corrêa, 48 anos, professor da Escola Estadual Augusto Meira, destaca que "quem conhece o cotidiano das comunidades ribeirinhas e interioranas da Amazônia sabe da importância do Curupira, que pode ser bom ou mau, dependendo de como o sujeito se comporta em relação à natureza: se ele entra na mata de modo respeitoso, simplesmente para retirar o sustento de sua família, o Curupira não lhe fará nada de ruim, podendo até mesmo ajudá-lo a conseguir caça, por meio de uma flecha mágica com que ele presenteia algumas pessoas; mas, se o sujeito entra para maltratar os animais e as árvores, o Curupira entra em ação, no mínimo, fazendo com que o transgressor se perca na mata". Na escola em que atua, entre outras ações, esse professor se vale das histórias amazônicas para promover a educação ambiental dos estudantes.
  image Todos devem agir como o Curupira na defesa da Amazônia, como defende Paulo Maués Corrêa (Foto: Divulgação)

"O Curupira ser o mascote da COP 30 foi a melhor escolha, por tudo que ele representa em relação à sua função de proteger as matas e os animais que nela habitam. Fica uma mensagem muito firme nessa escolha: o agressor pode sofrer um revés, ficando perdido ou sendo agredido pelo Curupira, que, ao contrário do que gente ignorante tem afirmado por aí, não anda para trás, apenas seus pés são virados para trás. O movimento dele é para a frente, mas não para a frente demarcada pelo progresso que destrói tudo, mas, sim, a frente de conscientização da importância de preservarmos a natureza para o bem de todos no planeta, inclusive, da humanidade", finaliza Paulo Maués.

 

 

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