MENU

BUSCA

Artistas paraenses avaliam cenário após danos a obras de artes em Brasília

'Depredar obras de arte na casa do povo é um atentado à própria cultura pública', diz o artista visual paraense PV Dias. Pinturas e esculturas foram destruídas pelos manifestantes

Emanuele Corrêa

Não só as estruturas do Palácio do Planalto, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal (STF) foram vandalizadas e armas foram roubadas na tarde de domingo (8), em Brasília (DF), mas, também, obras de arte foram danificadas. "As Mulatas" (1928), de Emiliano Di Cavalcanti, foi danificada a facadas; a escultura "A Justiça" (1961), de Alfredo Ceschiatti, e o painel do artista Athos Bulcão, entre outras, também sofreram danos. Diante da depredação da história artística brasileira, artistas e pesquisadores paraenses analisam os impactos dos atos classificados como "terroristas" dos apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro.

VEJA MAIS

Para o professor de Artes e historiador da Universidade Federal do Pará (UFPA), Afonso Medeiros, 62 anos, a vandalização do quadro "As Mulatas" acontece em um momento em que as obras modernistas brasileiras estão cada vez mais valorizadas no mercado internacional.

Valorização da arte e dos artistas

PV Dias acredita que a população precisa ter mais acesso à cultura e à arte e que elas são ferramentas de modificação de pensamentos e, por isso, que os governantes deveriam investir nos novos artistas. "A obra de arte apresenta novos universos, novas leituras de mundo, novas subjetividades. Os artistas interlocutores precisam ser valorizados. Seja com possibilidades de estudo, bolsas, incentivos públicos, garantia de um acervo público seguro, e outras ações similares. Assim nossa arte se potencializa e a pluralidade cultural do país ascende cada vez mais", pontuou.

O artista paraense destaca que se orgulha das suas obras que estão em acervos públicos. "Museu de Arte do Rio; Amazôniana, que é coleção da UFPA, e agora, recentemente o Museu Nacional de Belas Artes, terá uma série de trabalhos meus. Para mim, os espaços públicos têm o dever de terem em seu meio obras de arte que guardam e representam aspectos da cultura brasileira. Pois são representações, muitas vezes pictóricas, daquilo que foi concebido enquanto poética pelo seu povo. O palácio do planalto é um desses espaços públicos", arguiu.

"Nunca achei que caberia no colo da população brasileira a tarefa de fiscalizar acervo de arte em espaços tão seguros como esse. Com essa maré de ódio à arte, não há outra possibilidade se não essa. Com essa destruição, não quero que elas voltem para dentro de um acervo, quero que sejam restauradas e colocadas em seu lugar [Palácio, Congresso, STF], e também quero que voltem com mais outras dezenas de obras de arte, para que a casa do povo possa ser contemplada com mais potência artística cada dia mais, em contraponto a essa onda de ódio por aquilo que representa a pluralidade e a cultura, especialmente preta, brasileira", finalizou.

O professor Afonso Medeiros finaliza dizendo que que as cenas bárbaras do último domingo refletem o descaso institucional com a cultura e a educação. "Seja do ponto de vista museológico, seja de um ponto de vista arte/educacional. Sem a educação estética viabilizada através da arte nos museus e nas escolas, não há reconhecimento nem respeito ao patrimônio artístico-cultural, que caracteriza as identidades deste nosso imenso Brasil", concluiu.

Conheça algumas obras que foram danificadas

  • "Araguaia", vitral de Marianne Peretti, de 1977. Câmara dos Deputados.
  • "Mulatas", pintada em 1962 por Di Cavalcanti. No Planalto.
  • "A Justiça", escultura de Alfredo Ceschiatti, de 1961, foi pichada.
  • "Vênus apocalíptica", Marta Minujín, de 1983.
  • Painel do artista Athos Bulcão
  • Cadeira da Presidência do STF concebida pelo designer Jorge Zalszupin.

Saiba mais sobre a temática modernista

O professor de Artes e historiador da UFPA, Afonso Medeiros, traz os destaques:

Modernismos

Muitos desses modernismos surgiram do embate entre tradição e modernidade, seja ele de caráter formal, temático ou processual – é o caso do México, do Brasil e do Japão. No Brasil, tivemos uma intensa discussão acadêmica e expográfica sobre o legado modernista por ocasião dos 100 anos da Semana de Arte Moderna de 22, inclusive sobre pioneirismos em solo brasileiro. Ou seja, o modernismo nas artes e nas literaturas não deixa de ser o reflexo de uma sociedade urbana em intensa mutação, posta no fio da navalha entre conservadorismos e progressismos.

Artistas modernistas brasileiros

Di Cavalcanti, Cândido Portinari, Tarsila do Amaral e Anita Malfatti, artistas brasileiros mais populares e reconhecidos internacionalmente. Entretanto, essa popularidade torna-se uma cortina de fumaça que também oculta artistas negros, indígenas e mulheres que foram invisibilizados na historiografia oficial da arte. Nesse sentido, posso citar rapidamente as pesquisas recentes dos paraenses Aldrin Moura de Figueiredo e Renata Maués – dois dos muitos historiadores da arte brasileiros que estão debruçados sobre o legado modernista.

Três obras modernistas para conhecer

  1. "O Povo", da pintora Tarsila do Amaral.
  2. "Retirantes", do pintor Cândido Portinari.
  3. "Samba", do pintor Emiliano Di Cavalcanti
Cultura