Rita Lee: todo o astral da rainha do rock para saudar 2026
Ela completaria 78 anos nesta quarta (31). Rita sempre inovou na carreira como cantora e compositora e até em mudar a data de celebração de seu aniversário para ter uma festa só dela
A cantora e compositora Rita Lee completaria hoje (31) 78 anos de idade. Rita nasceu em São Paulo em 31 de dezembro de 1947 e faleceu também em São Paulo, no dia 8 de maio de 2023, ou seja, há dois anos. Criativa e inovadora, Rita Lee construiu uma obra das mais expressivas na música brasileira. Isso porque quando se trata de Rita Lee tem sempre uma surpresa atrás da outra. Basta dizer que ela própria resolveu mudar a data de celebração de seu aniversário de 31 de dezembro para 22 de maio. Nesta data, é homenageada Santa Rita de Cássia. O argumento da artista foi de que nunca teve uma festa para si no último dia do ano, quando as pessoas se reúnem para saudar a chegada do Ano Novo.
De verdade, não é tão decisivo quando Rita nasceu ou morreu. Importa mesmo é conhecer a contribuição artística dela. Rita Lee teve três fases na carreira: uma com o lendário grupo Os Mutantes", nos anos 1960; outra, nos anos 1970, com o grupo Tutti Frutti, e uma terceira, a carreira solo, com o marido Roberto de Carvalho, nos anos 1980.
Três músicas servem para mostrar o valor de Os Mutantes: "Balada do Louco"," Ando Meio Desligado" e "Panis et Circenses" (Caetano Veloso e Gilberto Gil). Com a banda Tutti Frutti, Rita se consolidou de vez como um artista à frente do seu tempo. Ela gravou em 1975 o álbum "Fruto Proibido", considerado por muita gente como o melhor disco de rock nacional. Nesse disco figuram clássicos como "Esse tal de Roque Enrow", "Ovelha Negra", "Dançar pra não dançar" e "Agora só falta você". De 1976, o disco "Entradas e Bandeiras" trouxe "Coisas da Vida" e "Corista de Rock", entre outras canções. Rita tinha a essência do rock (irreverência, questionamento das certezas, as nuances do amor e a guerra contra a violência).
Ela ironizou até a própria música brasileira, como se ve em "Arrombou a Festa": "Ai, ai, meu Deus, o que foi que aconteceu / Com a música popular brasileira? / Todos falam sério, todos eles levam a sério / Mas esse sério me parece brincadeira". A obra de Rita foi e é apreciada por outros nomes da música brasileira, como Elis Regina e João Gilberto.
Na carreira solo com o marido, o multi-instrumentista Roberto de Carvalho, Rita esbanjou talento. Quem ainda nunca ouviu não pode deixar de conferir músicas como "Mania de Você", "Lança Perfume", "Doce Vampiro", "Papai me empresta o carro", "Baila Comigo", "Caso Sério", "Nem Luxo Nem Lixo', "Banho de Espuma", "Mutante", "Flagra", "Cor-de-Rosa Choque" e tantos outros sucessos.
Fã desde sempre
A jornalista e produtora cultural Luciana Medeiros nasceu no mesmo dia do aniversário de Rita Lee: 31 de dezembro. Isso em 1969. "Sempre senti muito orgulho disso. É como se fosse também uma confirmação dessa afinidade que eu sempre tive com a obra e as atitudes dela. A Rita nasceu em 1947, eu em 1969, e dividir essa data sempre foi muito especial. Mas nascer em 31 de dezembro é também dividir o aniversário com o mundo inteiro. Nunca é fácil. Ainda assim, tinha esse gosto bom de saber que aquele dia também era dela", destaca Luciana.
Ela compreende a decisão de Rita de mudar a data de celebração do aniversário. "Entendo totalmente (risos). Quem nasce em 31 de dezembro raramente tem um dia só seu. As pessoas desejam 'Feliz Ano Novo!', esquecem que é seu aniversário, pois estão todas ocupadas e não conseguem te visitar, geralmente estão viajando, envolvidas em outras festas. É difícil reunir amigos, fazer comemoração. Se pra ela tava difícil imaginar pra mim, rss", diz Luciana. "Daí que a Rita, sábia, achou a solução pra ela. Batizada em homenagem a Santa Rita de Cássia, escolheu a data da santa para celebrar o aniversário dela: 22 de maio. Acho coerente e muito a cara dela que sempre escolheu viver à sua maneira", diz.
"Confesso que já pensei em mudar minha data também. Descobri que existe uma Santa Luciana, celebrada em 30 de junho, uma data linda, heim, no finalzinho do clima junino, que eu amo. Tô pensando…", revela.
Luciana Medeiros conta que sempre admirou muito Rita Lee, "porque ela sempre me pareceu verdadeira, fosse no posicionamento artístico, político ou pessoal". "A marca da Rita era a liberdade. Liberdade de ser mulher, artista, roqueira, irônica e debochada, e também adorável", salienta.
"O diferencial é justamente esse: ela nunca tentou caber em moldes. As músicas falam de amor, prazer, envelhecer, medo, coragem, cotidiano, tudo tratado com inteligência, humor e franqueza desconcertante, muitas vezes. A Rita ensina que dá pra ser profunda com humor e leveza", detalha Luciana.
De acordo com essa fã de longa data da artista, Rita Lee abriu caminhos, especialmente para as mulheres no rock. Ela inovou na sonoridade, na estética, na performance de palco. Foi pioneira ao falar de temas que eram considerados tabu para as mulheres: sexualidade, autonomia do desejo, maternidade, escolhas, como ressalta Luciana.
"As composições dela dialogam com a juventude, pelo menos dialogou muito com a minha geração. Nos anos 1980, naquele momento de abertura, tudo isso da Rita Lee caía como uma luva para a nossa boa rebeldia. Então, sim, considero a Rita Lee criativa, inovadora e uma das grandes artistas da música brasileira", reitera.
As canções "Ovelha Negra" e "Doce Vampiro", de Rita, são muito especiais para Luciana. "A primeira representa aquela sensação de não se encaixar, de querer seguir o próprio caminho. Todo jovem que foge às regras se identificava. A segunda marcou uma fase em que a gente se reunia para ouvir música e lembro que ouvi pela primeira vez essa música nuna roda de violão. Tem um disco precioso. O Entradas e Bandeiras, terceiro álbum dela gravado com a banda Tutti Frutti. Amo 'Coisas da Vida' e 'Bruxa Amarela'. Lembro que quando ela partiu pra outra dimensão, eu ouvia incansavelmente essas músicas, enquanto chorava sem me conter", diz.
Luciana adora o álbum "Saúde" e tem um carinho todo especial pelo "Build Up", o primeiro disco solo de Rita nos anos 1970, ainda nos Mutantes. "É um álbum bem diferente e genial, revela a ironia e a ousadia dela em inovar, com uma sonoridade fora da caixinha. "Viagem ao fundo de mim”, “Precisamos de Irmãos” e “Macarrão com linguiça e pimentão”, uma receita cantada. Dizem que a musica é uma crítica à ditadura militar, quando os jornais passaram a publicar receitas no lugar de notícias censuradas. "Nesse álbum tem ate uma versão “And I Love Him” para “And I love her”, dos Beatles".
Luciana Medeiros gosta de todas as fases da carreira de Rita Lee. "Todo mundo deve escutar o trabalho da Rita, porque é uma lição de liberdade. Não é? Ela mostra que é possível ser criativo e autêntico, ser crítico e ter leveza, ser político sem ser panfletário. Ouvir Rita Lee é uma escola de atitude, de senso crítico e de conexão profunda com a música brasileira. Recomendo". Neste 31 de dezembro de 2025, Luciana sabe bem como celebrar seu aniversário. "Ouvir Rita Lee nesse dia é ritual pra mim", completa.
Rock
Para o pesquisador musical Leo Bitar, "a Rita Lee tem uma importância enorme para o rock brasileiro". "A presença feminina no rock, ela é muito pequena, e sempre que acontece é de uma forma inacreditável, sempre de uma força enorme. A gente tem aí a Wanderleia, a Celly Campelo, grandes vozes do rock in roll. E a Rita Lee aparece na Tropicália junto com a banda Os Mutantes, que era uma banda de rock in roll que foi base para a Tropicália. O Gilberto Gil fez um disco com os Mutantes, o Caetano gravou com os Mutantes. É a banda que está no disco 'Tropicália', um disco primordial para a contracultura brasileira. Então, a Rita Lee foi uma grande figura que levantou a contracultura do País. Esteve nessas frente de quebrar preconceitos totais, da guitarra elétrica, de fazer a história da música brasileira naquela virada dos anos 1960 para os anos 1970", destaca Leo.
Depois que sai de Os Mutantes, Rita, como conta Leo, formou a banda Tutti Frutti". "O rock in roll bruto que ela fazia com a banda fez a cabeça da galera dos anos 1970 total", destaca o pesquisador. Ele ressalta que entre os fãs desses trabalhos de Rita e banda estão Ney Matogrosso, Caetano Veloso e outros. Já com Roberto de Carvalho, Rita ganhou as emissoras de rádio e se tornou uma grande estrela da música brasileira, numa pegada rock in roll e pop. "E sempre quebrando todos os preconceitos", salienta Leo Bitar. Abriu portas para muitas mulheres no universo do rock, e Rita também levou o rock in roll para a música brasileira. "Então, a Rita Lee inundou a música brasileira de rock in roll", diz Leo, pontuando que sempre vai valer a pena ouvir a obra dessa artista.
Na avaliação do músico Rui Paiva, da banda Álibi de Orfeu, "o rock da Rita Lee é uma das representações do rock brasileiro de uma época". "Era um período político difícil, porém nada é impossível quando se tem o rock and roll, uma ideia e uma guitarra. Foi o caso da Rita, antes, durante e depois do Tutti Frutti. Mas a Rita não era só uma intérprete, ela era uma artista. E mais, o sarcasmo e a identificação dos fãs com as letras era um fato. Fora os shows com produções impecáveis", ressalta Rui. Nada contra se celebrar a chegada de um novo ano ouvindo uma canção de Rita Lee desta quarta (31) para quinta (1º).
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