Daniel Munduruku: 'O Brasil busca sua identidade verdadeira'
Em entrevista exclusiva ao Grupo Liberal, o escritor indígena paraense celebra conquistas em 2025, comenta a mobilização dos povos originários do Brasil e prepara novos voos para 2026
Nos últimos anos, o escritor e ator indígena paraense Daniel Munduruku tornou-se um nome de referência nas artes brasileiras. Tanto que em 27 de outubro de 2025 ele conquistou seu terceiro Prêmio Jabuti, organizado e promovido pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), com a obra "Estações", que tem ilustrações da mineira Marilda Castanha. Esse feito confirma o talento desse autor que busca por meio da arte sensibilizar os cidadãos de todas as idades para a necessidade de uma convivência mais justa, harmoniosa e digna entre os povos que integram a sociedade brasileira. Os prêmios Jabiti conquistados por Daniel são: “Coisas de Índio” (versão infantil), em 2003, “Vozes Ancestrais”, em 2017, e "Estações", em 2025.
Consciente de seu papel na sociedade brasileira, esse professor e ativista indígena nascido em Belém conta à Reportagem do Grupo Liberal sobre como foi o ano dele em 2025 e revela seus planos para 2026, atento ao momento atual da mobilização dos povos indígenas do Brasil pela garantia de seus direitos. "Há uma revolução acontecendo nas entranhas da sociedade", assinala Daniel Munduruku, ao abordar a luta pela cidadania na sociedade brasileira. Ele observa que o país busca sua identidade verdadeira, o que envolve justamente o respeito a todos os povos que o habitam. Confira a entrevista a seguir:
- Gostaria que você fizesse uma avaliação sobre o alcance de sua literatura neste ano de 2025. Você acredita que foi um ano marcante na sua trajetória?
Daniel: Este ano realmente foi marcante para mim. Tive a oportunidade de participar de muitos eventos literários, acadêmicos, ambientais e educacionais por boa parte do Brasil. Tudo pareceu dar certo seja por conta de meu ingresso na Academia Paulista de Letras (APL), seja pela conquista do meu terceiro Prêmio Jabuti (CBL) e mais recentemente minha entrada na Academia de Letras do Brasil. Além disso, publiquei meu primeiro livro voltado para o público adulto o que abre um novo conjunto de leitores para a temática indígena. Sim, foi um ano maravilhoso!
- O Brasil passa por um período de maior visibilidade de artistas indígenas em diferentes áreas, além da literatura, como na música e no teatro. Já é possível dizer que há um novo momento da arte brasileira, com maior presença da população indígena?
Daniel: Este momento vem se consolidando ao longo de pelo menos 20 anos. Se voltarmos para o ano de 1988 quando conquistamos o direito a ter direitos, vamos perceber ali que nasce um novo movimento que começa a se organizar de maneira diferente. Eu chamo a isso de indígenas em movimento. Ou seja, é um movimento cultural que se articula pelas entrelinhas da sociedade. Se inicia com os cursos superiores para indígenas, pela produção de vídeos, literatura, música e artes plásticas. Mais recentemente pela conquista de espaço na política e nos meios de comunicação como as redes sociais e rádio e televisão. Enfim, os indígenas chegaram muito longe quando pensamos em apenas 37 anos de reconhecimento de nossa cidadania pelo estado brasileiro e o tanto de novas conquistas alcançadas e com grande impacto na cultura nacional. Algo novo está realmente acontecendo por conta da presença indígena na sociedade brasileira.
- Enquanto artista, sua produção abraça questões amplas e poéticas, como o passar do tempo. Como você entende a passagem do tempo na sua vida pessoal?
Daniel: Sou muito pé no chão. Tenho sempre feito uma autocrítica para avaliar os caminhos que tenho trilhado. Não me sinto mais ou menos que qualquer outro brasileiro, indígena ou não. Acho que estou cumprindo um papel de semeador e procuro não cair no conto do mérito pessoal porque isso seria aceitar a vitória do sistema sobre todo o trabalho que venho realizando ao longo do tempo. Procuro não deixar que a vaidade tome conta de um projeto que é muito mais coletivo que individual. Claro que tudo o que já realizei até agora não foi feito sem sacrifício, sem perdas ou sem fracassos. Os muitos esforços que fiz me obrigaram a estar menos presente na vida de minha comunidade indígena, mas entendo que isso aconteceu por um bem maior que tem influenciado muitas gerações de novos indígenas que vão dar continuidade ao trabalho que hoje faço, mas que amanhã será realizado por outros e melhores escritores que eu.
- Do ponto de vista histórico, para que sociedade você acredita que o Brasil está caminhando?
Daniel: Sempre digo que o Brasil é um adolescente em crise de identidade. Isso significa que estamos num processo de amadurecimento social e que esses debates políticos que hoje ocorrem onde a elite continua dando as ordens e patrocinando golpes para que não aconteça exatamente a transformação necessária, só demonstram que há uma revolução acontecendo nas entranhas da sociedade. Não vejo com desesperança este momento histórico. Ao contrário, sinto que a sociedade está percebendo que algo vai acontecer caso o adolescente Brasil passe pelo ritual da maioridade e consiga afirmar sua identidade verdadeira que tem a ver com a diversidade cultural, com a tolerância religiosa e com o respeito às tradições ancestrais sejam elas indígenas, africanas ou europeias. O Ser Brasil é a afirmação da diversidade e quando acontecer chegar na maioridade nosso país vai ser completamente novo, diferente e com os olhos voltados para o passado, mas projetando-os para o futuro.
- Você é um multiartista, com presença também no audiovisual. Você já pode adiantar quais são seus planos e projetos para 2026?
Daniel: Confesso que não tenho planos para o audiovisual necessariamente. Em 2026 completarei 30 anos do lançamento do meu primeiro livro e pretendo organizar uma grande caravana literária para mostrar meu trabalho e os caminhos da literatura indígena. Estou preparando uma exposição, atualização de alguns livros de catálogo, uma revista especial contando minha trajetória e me lançando como candidato a deputado federal por São Paulo. Acho que isso já dá a dimensão do tanto de trabalho que terei no ano que vem.
- Para finalizar: quais são os resultados da realização da COP 30 em Belém na sua opinião? O saldo é positivo?
Daniel: Eu acredito que tenha sido positiva a realização da COP 30. Críticas sempre existem porque está no nosso sangue buscar a perfeição das coisas. Sei bem como são os protocolos desse tipo de evento e que os resultados estarão sempre aquém do que gostaríamos ter provocado, mas alguma conquista também se extrai dele. Penso que foi bom para o estado do Pará como um todo essa visibilidade; foi positivo para a logística de Belém; foi razoavelmente bem a participação dos povos indígenas e sua presença dando o tom para o que foi discutido. Enfim, mudar o mundo isso não vai rolar, mas a gente fez o mundo dançar um carimbó.
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