Artistas recomendam aos fiéis para ficar em casa neste Círio
Dona Onete, Fafá de Belém, Felipe Cordeiro e Toni Soares falam de devoção, música e isolamento social.
Reconhecido como como Patrimônio Cultural da Humanidade, pela Unesco, o Círio de Nazaré não vai ganhar as ruas de Belém pela primeira vez em 327 anos. Artistas como Dona Onete, Fafá de Belém, Felipe Cordeiro e Toni Soares revelam que irão passar o domingo de Círio em casa, mantendo o distanciamento social, e recomendam que a população paraense faça o mesmo.
“Fiquem em casa. É um Círio de reclusão, em que devemos nos proteger e proteger os outros”, diz Fafá. “Sei que é muito difícil e complicado, eu não consigo imaginar o Círio sem as ruas lotadas. Mas o Círio está dentro de nós e estaremos juntos através das transmissões da TV Círio (Youtube), da Varanda e das várias emissoras de televisão. A pandemia ainda está aí, o vírus ainda não foi combatido e não podemos colocar ninguém em risco”.
Para Dona Onete, este Círio será o da esperança. “Esse Círio vai ser muito diferente dos outros, será uma verdadeira confraternização familiar. Vamos ter a nossa reza dentro da nossa própria casa, vamos unir muito mais e rezar pelos que se foram e pedir à Nossa Senhora que proteja os que ficaram”, declara resiliente. “Estou muito esperançosa que vai melhorar alguma coisa pra gente. Nossa Senhora vai sempre na frente”.
Devoto da santa, Toni Soares cumpre isolamento social no Nordeste do Estado: “Faço parte do grupo de risco, vou ficar em Bragança, já estou acompanhando muita coisa de longe. É muito triste ver o Círio dessa maneira. Todos nós, paraenses, gostaríamos de estar na procissão, acompanhando o Círio. Será a primeira vez que não poderemos participar disso. Mas tem o outro lado da pandemia, que fez a gente redescobrir a religiosidade e ficar mais perto de Deus, de Nossa Senhora e de São Benedito”.
“Às vezes as pessoas parecem não entender que a questão do isolamento social, para além da situação sanitária, é uma questão ética”, afirma o guitarrista e cantor Felipe Cordeiro. “Quem se diz cristão e ama a Nazinha, quem pensa nos outros, quem tem racionalidade civilizatória não pode aglomerar e ponto”.
Produção musical e fé
Dona Onete resumiu numa canção o ambiente familiar do belenense no mês de outubro. Composta há quatro anos, “Rainha Soberana da Amazônia” descreve a euforia da quadra nazarena: “a gente sai para comprar isso e aquilo, espera os parentes, agasalha aquilo para esperar os convidados, e pensa a comida, pensa a roupa do Círio, onde vai rezar, se vai acompanhar a transladação ou o Círio. Então, foi assim q eu fiz a música. Nossa Senhora é a rainha soberana da Amazônia, que protege a nossa família e faz a fé ficar mais forte”, descreve.
Este ano, ela disse que vai passar o domingo com a família, rezando. “Vai ser uma comoção muito grande em nossas famílias, mas Nossa Senhora vai deixar muita força pra gente. O Pará graça a Deus está bem, mas a gente pode fazer o melhor, não esquecer da nossa máscara e, se os parentes estiverem todos bem, não estiverem contaminados, pode tirar um pouco (máscara) pra almoçar e depois continuar (se protegendo). Vamos ouvir o que os médicos dizem, que a Nossa Senhora está nos apoiando e logo isto tudo vai passar”.
Fafá este ano, adotou “Manto Azul”, da carioca Telma Tavares, para a sua programação de Círio. “Esta canção eu recebi da (sambista) Telma Tavares, em um sábado de manhã, depois dela ter pedido no dia anterior três amigos para o Covid”, conta. O single entoa a oração: “que o manto azul da Mãe nos traga a imunidade”. “Eu fiquei muito tocada. Recebi essa canção como uma bênção. Será a minha canção de Círio esse ano. Ela é uma grande compositora”. No último dia cinco de outubro, Fafá fez uma live alusiva ao Círio com Padre Fábio de Melo e o maestro João Carlos Martins, que foi transmitida de São Paulo via Youtube.
“Eu não sou de promessas, eu sou mais de agradecimento, desde criança. Hoje, eu entendo que, talvez inconscientemente, eu sempre agradeci porque eu intuía que os planos de Deus às vezes não são os nossos. Às vezes, a gente pede uma coisa que está fora dos planos Dele, que é um pedido do ego. Fundamentalmente, eu agradeço pela saúde da minha família e dos meus amigos e peço proteção a todos eles”, revela Fafá.
Há alguns anos, Toni fez a canção “Girândola” em parceria com o letrista Guaracy de Brito Júnior para homenagear o Círio. “Ele escreveu a partir do olhar das crianças sobre os elementos simbólicos do Círio. Os arranjos que fiz fugiram do hinário religioso e foi para o lado infantil. Usei a banjola, instrumento que eu inventei buscando novos timbres. Ele tem 12 cordas e toco com arco de rabeca, é percussivo e harmônico. Gravamos com um coral de crianças, na primeira versão. Para minha surpresa, a música ganhou várias versões de cantores e bandas, foram versões belíssimas, e vários clipes foram gravados”, recorda.
Já Felipe, pede que o público aproveite o Círio para refletir sobre o espírito comunitário e a responsabilidade social. “Não dá pra colocar minha vontade individual e minha inclinação espiritual acima do dever social e da racionalidade. Nós, paraenses, somos um povo empático, esperto e inteligente, vamos encontrar uma maneira diferente de celebrar o mês de outubro este ano, em casa com segurança.” Ele vai passar o Círio em São Paulo, onde mora, mas comendo pratos típicos e ouvindo músicas paraenses, pois, conforme ressalta, o Círio também é um momento de celebração da cultura local.
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