'A Última Sessão de Freud' em Belém: público se encontra com os limites da autonomia do ser
Espetáculo reúne no Theatro da Paz os atores Odilon Wagner e Marcello Airoldi respectivamente como Freud, o pai da Psicanálise, e o escritor, poeta, crítico literário e cristão C. S. Lewis, autor de 'As Crônicas de Nárnia' em um debate estrutural sobre a existência ou não de Deus
O encontro entre o pai da Psicanálise, Sigmund Freud (1856-1939), nascido na cidade de Freiberg, na Morávia (hoje Tchéquia), e o escritor, professor e teólogo irlandês Clive Staples Lewis (1898-1963), pode de fato não ter ocorrido, mas o do público de Belém com a peça "A Última Sessão de Freud", de Mark St. Germain, vai transcorrer, de verdade, no centenário Theatro da Paz, no centro de Belém, neste final de semana. A peça será apresentada nesta sexta-feira (29), no sábado (30) e no domingo (31) - dada a grande procura, vai ter uma sessão extra às 16h, no sábado. Em cena, os atores Odilon Wagner e Marcello Airoldi vão dar vida a uma conversa pra lá de densa entre Freud e Lewis em plena II Guerra Mundial sobre um tema essencial para todo ser humano: a existência ou não de Deus. O espetáculo recebe elogios por onde é apresentado e não é para menos.
A peça remete os espectadores aos limites da autonomia do pensamento do ser humano, ou seja, o questionamento acerca de sentimentos, pensamentos e ações; consciente e inconsciente; desejos reprimidos; significados de bem e mal; razão e irracionalidade; justiça e injustiça e dor, sofrimento e fé. Em conversa com a Reportagem do Grupo Liberal, na terça-feira (26), o ator Odilon Wagner falou sobre o prazer e o desafio de interpretar Freud no teatro e temas elencados na peça. Odilon destaca que a peça existe há mais de 15 anos e antes da pandemia da Covid-19 ela apareceu para ele. E, de pronto, ficou apaixonado pela história e pelo personagem.
“O Freud é um dos personagens emblemáticos, icônicos do Planeta Terra. Ele é o personagem mais caricaturado do planeta. Então, representar um personagem assim é um desafio e um privilégio. Mas, aí, teve a pandemia e a gente começou a ensaiar no final dela, em dezembro de 2021, estávamos iniciando o processo de leitura. Começamos a trabalhar e estreamos em março de 2022. Portanto, nós estamos no nosso quarto ano consecutivo da peça. Já foram mais de 150 mil pessoas que assistiram ao espetáculo. Ultrapassamos as 350 apresentações . E pela primeira vez estamos chegando ao Norte, e a Belém, com esse espetáculo”, destaca o ator.
A trupe de “A Última Sessão de Freud”, com direção de Elias Andreato, encarou o desafio de circular pelo Brasil com um cenário grande: uma réplica do gabinete do Freud em Londres, na casa dele. Trata-se de um cenário enorme, todo em madeira, com a sua biblioteca, coleção de arte, e, como repassa Odilon Wagner, tem a até lareira acesa em cena e da pia sai água.
Acerca desse encontro fictício entre Freud, pai da Psicanálise e figura mundialmente conhecida, com o C.S. Lewis, autor de “Crônicas de Nárnia”, Odilon ressalta: "O Freud era ateu, um ateu militante. O Lewis, um ex-ateu que se converte ao Cristianismo e se transforma em um dos maiores defensores da fé cristã. Isso se passa no final da década de 30, a peça acontece em 1939, que é o ano do início da II Guerra Mundial. Então, o Freud, fugindo da Áustria, pela perseguição nazista, vai para Londres com toda a família. E ele já tinha ouvido falar nesse jovem promissor professor de Oxford, C.S. Lewis, e as suas crônicas e os temas sempre ligados à temática cristã. Mas, sabendo que Lewis era um ex-ateu, ele o chamou para conversar. C.S. Lews era um homem influente já na Inglaterra”, conta o intérprete de Freud.
E a peça começa exatamente na chegada do Lewis na casa de Freud, e, como diz Odilon, não é um tratado sobre a obra do psicanalista ou do crítico literário. "A conversa é o encontro de dois homens brilhantes, um encontro bem-humorado. A peça tem um humor fino, irônico, porque eles se analisam, eles se cutucam, provocam, mas sempre com respeito. E os temas que eles falam, por exemplo, são temas que qualquer ser na humanidade para pensar uma vez na vida. Tipo: Deus existe mesmo? Qual é o sentido da vida? O que a gente está fazendo aqui? Tem vida após a morte? Sexualidade. Temas que são comuns a todos nós!". detalha.
A peça, como frisa Odilon Wagner, tem uma linguagem extremamente acessível para o público em geral, o que facilita a conexão do que está no palco com a plateia. O texto de Mark St. Germain é baseado no livro “Deus em Questão”, escrito por Armand M.Nicholi Jr., professor clínico de Psiquiatria da Harvard Medical School.
Elogio ao diálogo
A conversa entre Sigmund Freud e C.S. Lews transcorre à sombra da II Guerra Mundial, e os atores de “A Última Sessão de Freud” ensaiavam no clima da pandemia da Covid-19, o que não deixa de ser algo interessante, capaz de reforçar o clima tenso do debate entre os protagonistas da peça acerca de dor, sofrimento e fé.
Odilon Wagner ressalta ser esse um questionamento que surge na peça o tempo todo. Freud coloca isso muito fortemente para Lewis, e o crítico literário cristão tem a resposta do ponto de vista religioso. O ator considera que a peça é "um elogio ao diálogo", sem vencedores, e que provoca reflexões a partir dos argumentos sensíveis de dois homens importantes para o pensamento da humanidade.
"O Freud, na peça, está com 83 anos, e é o último ano de vida dele. Ele morreu com 83 anos, em 1939. E ele tinha um câncer de garganta muito forte, provavelmente tem a ver o charuto que ele fumava, fumava muito. Mas quando o Lews começa a falar que o sofrimento é como se fosse um grito de Deus nos alertando, o Freud pergunta: ‘Quer dizer que o câncer é um grito de Deus?’ Para uma pessoa que tem uma realidade e não tem aquela crença, não faz nenhum sentido. Mas esse é talvez um dos maiores mistérios da humanidade, né?”, pontua Odilon.
O ator lembra que (em 2006) o papa Bento XVI, quando esteve em Auschwitz, local do Holocausto, onde judeus foram mortos em campos de concentração, chegou a dizer: ‘Onde Deus estava nessa hora?’ ”. Entre os argumentos em tela, como diz Odilon Wagner, figura o que diz que não se pode culpar Deus sobre nossos próprios erros.
"Na peça, a II Guerra Mundial vem pelo rádio, a BBC de Londres o tempo todo trazendo notícias, e aí eles ouvem, comentam, e aí muda o rumo da conversa, se envolvem. Portanto, eles estão conversando ali sobre o sexo dos anjos, Deus existe, Deus não existe, e tem uma guerra, do outro lado da janela, acontecendo; aviões que passam, sirenes que tocam. E quando a gente estava em janeiro, ensaiando, iniciou a Guerra da Ucrânia, além da pandemia. O público, então, se conecta muito com outra realidade e consegue fazer uma analogia, uma reflexão para o momento que a gente está vivendo hoje”, destaca Odilon.
Acerca do desafio e prazer de interpretar Sigmund Freud, Odilon Wagner conta que tem 55 anos de carreira artística e que a profissão de ator é maravilhosa. “Eu, aos 71 anos de idade, tenho a maior experiência dramática da minha vida toda, porque é um personagem potente, é uma história maravilhosa. O sucesso da peça, o impacto que ela traz é tão grande, as reflexões têm me permitido… Por exemplo, como trabalhos paralelos que a gente faz nas cidades, nós vamos estar em Belém e teremos reunião com os professores e alunos da Psicologia lá da UFPA na quinta-feira agora, dia 28, à tarde. E à noite, nós vamos estar lá na Estácio, com os alunos e professores também da Teologia, Psicologia, Filosofia. Essa peça traz tantas reflexões que a gente começou a trabalhar esses assuntos paralelos para ampliar mais essas reflexões. Para mim, a oportunidade foi maravilhosa”, diz.
Nesta sexta-feira (29), no Theatro da Paz, depois da sessão das 20h, haverá um debate com a participação de uma pessoa ligada à Psicanálise e outra à religião. No caso, o professor Ernani Chaves e Manoel Ribeiro de Moraes Júnior, filósofo, teólogo, formado em Ciências da Religião. Odilon Wagner observa que essas experiências dentro e fora do palco comprovam o quanto a amplitude do pensamento de Freud é atual. “Freud é pop total!”, assinala.
Serviço:
‘A Última Sessão de Freud’
Local: Theatro da Paz
Endereço: Avenida da Paz, Praça da República, S/N - Campina, Belém - PA, 66017-060 Cidade: Belém - PA
Temporada: 29, 30 e 31 de agosto, Sexta e Sábado, às 16h e 20h e Domingo às 18h.
Vendas online: www.freud.art.br e https://www.ticketfacil.com.br/tp-a-ultima-sessao-de-freud.html Valores: De R$30,00 a R$180,00
Formas de Pagamentos aceitas na bilheteria: todas
Classificação: 14 anos
Duração: 90 minutos
Capacidade: 1.100 lugares
Acessibilidade: Sim
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