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Especialistas veem proposta de Lula como oportunidade para fortalecer a governança climática

Representantes da ONU e do Comitê da COP 30 destacam importância de incluir povos tradicionais, saúde pública e coerência na transição energética após discurso do presidente

Gabi Gutierrez
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O discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na abertura da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30), realizada nesta segunda-feira (10) em Belém, repercutiu entre representantes de entidades ligadas às Nações Unidas e do Comitê da conferência. Ao defender a ciência e criticar o negacionismo climático, Lula afirmou que “é momento de impor uma nova derrota aos negacionistas”, ressaltando que a mudança do clima “já não é ameaça do futuro, mas tragédia do presente”.

Para Danielly Freire, gerente de Clima do Pacto Global da ONU – Rede Brasil, a criação de um Conselho de Clima na ONU, proposta apresentada por Lula durante o discurso, conferiria “um status político permanente à agenda climática global”. No entanto, ela ressalta que a eficácia do órgão dependerá “de seu poder deliberativo real e da participação equitativa do setor privado e da sociedade civil”.

Segundo Danielly, a proposta se alinha à discussão em curso nas Nações Unidas sobre a reformulação do sistema multilateral e pode “trazer frescor ao sistema, promovendo a agilidade necessária nas tomadas de decisão e no estabelecimento de metas ambiciosas pelos países”. A especialista aponta que o financiamento climático deve ser o eixo central da COP, que precisa se consolidar como “a COP da Implementação”.

“Não basta prometer US$ 1,3 trilhão; é fundamental definir como esse capital será canalizado para projetos reais, garantindo desembolso ágil e acesso simplificado para países e populações já vulneráveis aos eventos climáticos extremos”, afirmou.

Ela destacou ainda o papel estratégico do setor empresarial na composição do fundo climático, por meio de títulos verdes (green bonds) e instrumentos de financiamento misto (blended finance).

Danielly também ressaltou a importância de a ação climática ser socialmente justa, considerando que “mais de 3,5 bilhões de pessoas vivem hoje em situação de vulnerabilidade devido à crise climática”, conforme dados do IPCC (2022). “A grande maioria dessas pessoas pertence a algum grupo minorizado, seja por questões de classe social, etnia, raça, deficiência ou região geográfica”, observou.

Para ela, a solução passa pelo reconhecimento do papel dos povos indígenas e comunidades tradicionais na proteção dos biomas. “Estes povos precisam ter voz e veto, além de participação nos lucros gerados pela bioeconomia”, defende.

A especialista também reforça que o Sistema Único de Saúde (SUS) deve ser um eixo central de adaptação diante do aumento de desastres e temperaturas extremas. “O sistema deve receber financiamento climático voltado à saúde pública, com foco em medidas preventivas e soluções inovadoras, como infraestrutura com áreas verdes”, explicou.

No eixo energético, Danielly destacou que o desafio não é encerrar o uso dos combustíveis fósseis, mas transformá-lo em instrumento de transição. “A exploração de petróleo e gás não cessará abruptamente, mas pode financiar a própria revolução energética do Brasil. É possível usar essa receita para investir em inovação e descarbonização, como já fazem países como Noruega e Canadá”, pontuou.

Segundo ela, o Pacto Global da ONU apoia empresas brasileiras na definição de metas baseadas na ciência, como no programa Climate Ambition Accelerator e no HUB de Biocombustíveis e Elétricos.

A gerente acredita que o Brasil tem condições de liderar a agenda global “de forma inclusiva e baseada na justiça climática”, especialmente por sediar uma conferência histórica como a de Belém.

Para Mariana Guimarães, integrante do Comitê da COP 30, o discurso de Lula é simbólico em um momento em que o multilateralismo — a cooperação entre países para alcançar objetivos comuns — está fragilizado. “Vivemos um contexto geopolítico muito sensível, onde o fluxo de decisões entre países e organizações está enfraquecido. Entre as prioridades da presidência da COP 30 estava justamente fortalecer essa cooperação global”, destacou.

Ela lembrou que o financiamento climático é uma das questões mais delicadas dentro do regime internacional. “Apesar de todos os países terem a responsabilidade de reduzir os efeitos da crise climática, aqueles com maior responsabilidade histórica deveriam arcar com os maiores custos. O problema é a relutância e morosidade desses países em cumprir o Acordo de Paris de forma justa, sem aumentar o endividamento das nações mais vulneráveis”, explicou.

Segundo Mariana, o contraste é ainda maior quando se observa o volume de recursos que essas mesmas potências destinam a guerras — que, além de provocar conflitos, “agravam a crise climática pela alta emissão de gases e destruição ambiental”.

Nesse cenário, a especialista avalia como positiva a fala de Lula sobre a superação da dependência dos combustíveis fósseis, mas faz um alerta: “Para liderar pelo exemplo, é preciso alinhar o discurso à prática.

No caso do Brasil, isso significa rever a insistência em abrir novos pontos de exploração em ambientes sensíveis, como na foz do Amazonas”.

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