Cúpula dos Povos reúne forças de movimentos sociais para influenciar debates climáticos na COP 30
O evento será realizado entre os dias 12 e 16 de novembro, em paralelo à programação da COP 30, reunindo movimentos sociais e a população para debater questões relacionadas às mudanças climáticas
Um dia antes do evento, trabalhadores estavam empenhados em terminar a montagem das estruturas para a Cúpula dos Povos, que começa nesta quarta-feira (12) e se estenderá até o próximo dia 16, na Universidade Federal do Pará. Uma barqueata, que reunirá mais de 200 embarcações, vindas de diversas cidades do interior do Estado, marcará o início da programação.
Às margens do rio Guamá, onde está sendo erguida um desses equipamentos, a reportagem conversou com Vera Paoloni, integrante da organização do evento.
Ela disse que a Cúpula dos Povos, que ocorre paralelamente à COP 30 em Belém, já conta com mais de 23 mil inscritos, número que supera significativamente a expectativa inicial, que variava entre 10 mil e 15 mil participantes. Segundo ela, a mobilização expressa a diversidade cultural e a força política dos movimentos sociais na Amazônia e em todo o país.
“Está uma explosão de gente, cultura, diversidade e a voz da resistência”, afirmou. Ao todo, mais de 1.200 organizações estão envolvidas. A CUT, presidida no Pará por Vera, integra o processo ao lado de movimentos como MST, MAB, MTST, Fetagri, além da CUT Brasil e outras centrais sindicais. Vera Paoloni disse que a Cúpula é uma continuidade de um processo de articulação intensificado desde os Diálogos Amazônicos de 2023, resultado de diversas plenárias, reuniões e encontros. Como orientação política, foram definidos seis eixos de convergência, que servirão como “bússola” para as discussões sobre cidades, territórios, negociações coletivas, mulheres, juventude. “Enfim, é toda a pauta que os movimentos sociais têm de reivindicação para cuidar do planeta, mas cuidar também das pessoas, dos direitos sociais e dos direitos trabalhistas”, afirmou.
“Nós não teremos justiça climática se não tiver democracia. E não tem democracia sem sindicalismo forte, sem movimentos sociais fortes”, disse. Para ela, a força coletiva dos movimentos é o que sustenta as pautas populares no país. Vera também lembrou o recente assassinato, no início de novembro, de três lideranças sociais no Brasil, entre elas duas mulheres quebradeiras de coco e um agricultor familiar. “Seja no feminismo, seja no sindicalismo, dizemos: parem de nos matar. Essa voz estará presente em Belém de 12 a 16 de novembro. E não encerra aí: segue para 2026, quando também lutaremos para que o fascismo nunca mais entre nas nossas vidas, seja via eleições ou políticas de retrocesso, como as reformas trabalhistas que tanto afetam a nossa vida e a classe trabalhadora”, afirmou.
Barqueata reunirá mais de 200 embarcações em ato histórico na orla de Belém
Dentro da programação da Cúpula dos Povos, Belém será palco nesta terça-feira de uma mobilização inédita pela água: a Barqueata. A atividade vai reunir mais de 200 embarcações em um grande ato pelo direito dos povos amazônicos e pela preservação dos rios. A iniciativa é organizada por movimentos sociais, entre eles o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), representado por Iury Paulino.
Segundo ele, será a primeira vez que um evento organizado pela sociedade civil, em diálogo com agendas oficiais da COP, realiza uma mobilização dessa dimensão sobre o rio. A saída está marcada para as 9h, em frente à Universidade, seguindo em comboio até a região da Vila da Barca, com retorno ao ponto de partida. “Será um dia histórico. É a primeira vez que, em eventos organizados pela sociedade civil, mesmo que seja relacionado aos eventos oficiais ou paralelos, autônomos, como a Cúpula dos Povos, que nós teremos uma barqueata, que é uma expressão dos povos da Amazônia numa mobilização do rio, mostrando a nossa diversidade. Mas a nossa resistência a partir dos rios”, disse.
Ele afirmou que mais de 200 embarcações já estão confirmadas. A partir das 9 horas, elas saem da frente da Universidade e vão em comboio até a Vila da Barca e retorna. É como se fosse um Círio dos povos, mas dos povos de vários países”, explicou Iury. “É uma iniciativa que vai acontecer pela primeira vez em Belém, na Amazônia e na COP 30 no Brasil”, afirmou.
As embarcações participantes representam três perfis principais: as de ribeirinhos e comunidades ligadas a movimentos sociais; embarcações de organizações presentes na Amazônia; e embarcações internacionais, como as do Greenpeace e flotilhas vindas especialmente para a COP. A mensagem central da Barqueata, segundo ele, é sobre a importância da preservação da Amazônia. “E que o Brasil e o mundo precisam conhecer a Amazônia e seus povos. Para muitas pessoas, parece que é uma coisa muito estranha a gente saber que, para parte das nossas comunidades, a rua delas é o rio. Nós queremos mostrar com a barqueata que há outras formas de vida e de se locomover e que o rio serve para nós de muitas formas”, completou.
"Populações tradicionais se mobilizam para influenciar o debate", diz reitor da UFPA
“As populações tradicionais e a comunidade acadêmica não se sentem plenamente representadas e, por isso, se mobilizam para influenciar o debate.” A afirmação do reitor da Universidade Federal do Pará (UFPA), Gilmar Pereira, resume o espírito da Cúpula dos Povos, evento independente e paralelo à Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30), que será realizado a partir desta quarta-feira (12) até domingo (16), no campus básico da universidade, em Belém.
A Cúpula é uma iniciativa popular que busca fortalecer o protagonismo da sociedade civil diante de eventos que reúnem líderes globais e chefes de Estado para debater questões climáticas. O primeiro movimento do tipo ocorreu em 1992, durante a Eco-92, também conhecida como Cúpula da Terra, realizada no Rio de Janeiro pela Organização das Nações Unidas (ONU). Desde então, a proposta tem inspirado novas edições em diferentes momentos e lugares. Em 2012, a “Cúpula dos Povos pela Justiça Social e Ambiental”, realizada paralelamente à Rio+20, serviu de base para a estruturação da atual “Cúpula dos Povos rumo à COP 30”. Outro marco importante aconteceu em 2014, durante a COP 20, em Lima, no Peru, quando movimentos sociais voltaram a se articular.
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Legenda (Igor Mota / O Liberal)
Mais recentemente, a partir da COP 28, em Dubai, essas organizações passaram a coordenar de forma contínua uma nova edição do evento, que será realizada paralelamente à COP 30. A iniciativa conta com o apoio da UFPA, que cedeu o campus para a realização das atividades. Segundo o reitor Gilmar Pereira, a universidade tem uma sólida tradição em promover grandes eventos que unem ciência e movimentos sociais. A instituição já está com as estruturas prontas para receber debates, oficinas e outras ações previstas na programação.
“A UFPA tem uma tradição de grandes eventos. Atuamos no Fórum Social Mundial com muita gente, fizemos um fórum com os governos dos países da Amazônia. Então a gente tem uma tradição grande de envolvimento e somos uma universidade que combina fortemente a ciência com os movimentos sociais. A Cúpula dos Povos reúne movimentos sociais do mundo inteiro que vão estar aqui na universidade, e vai ser muito legal. Nós estamos muito animados para recebê-los. A cidade universitária está cheia de tendas, estruturas e banheiros químicos, porque é um número de pessoas bastante significativo. O Mirante do Rio, que é esse prédio grande com 64 salas de aula, está sendo colocado a serviço da Cúpula. Eles vão utilizar o espaço, além dos auditórios, como o Benedito Nunes, e das tendas, porque há muitos espaços e muitas atividades”, afirmou.
Segundo o reitor, o objetivo da Cúpula e da universidade é contribuir para que as discussões da COP avancem o máximo possível e estejam alinhadas aos desejos da sociedade. “Há uma diferença importante entre a Cúpula dos Povos e a COP. Um cria as normas e o outro grupo tenta influenciar para que essas normas sejam as mais avançadas possíveis. Na Cúpula, os movimentos sociais e os cientistas, de um modo geral, querem que essas políticas desenhadas por esses líderes sejam as mais avançadas possíveis, e a gente tenta influenciar nesse sentido”, explicou.
“A COP sem os amazônidas não é uma COP completa. Se você observar as nossas atividades aqui, desde a formação inicial da universidade, a gente tem uma ligação muito forte com as populações tradicionais. Os cientistas de ponta que estudam o clima, a área da saúde e as engenharias estão sempre embrenhados nas ações com as nossas comunidades. E elas estão muito próximas. Se você parar aqui na frente, é maravilhoso ver isso: de um lado há uma área totalmente urbanizada e, do outro, está a Ilha do Combu, uma ilha preservada extraordinariamente, que as pessoas visitam para conhecer o que é a Amazônia e o que é a preservação da Amazônia”, completou.
Presente tanto na COP quanto na Cúpula, a UFPA participa dos dois lados do processo. Segundo o reitor, é fundamental a presença da universidade em ambos os eventos, especialmente na Cúpula, onde as articulações com movimentos sociais de diferentes partes do mundo começaram ainda no início do ano.
“No começo do ano, eu nomeei uma comissão de pesquisadores da universidade para cuidar da COP e, na área de internacionalização, temos um escritório que dialoga permanentemente com os representantes da Cúpula. Eles vão desenhando o evento, porque a Cúpula tem vontade própria. São eles que tomam as decisões sobre como realizar suas ações e atividades. A gente colabora e apoia cedendo os espaços e participando como debatedores quando somos convidados para a abertura dos eventos e diálogos. Temos muitos colegas, professores e alunos participando das atividades e engajados. Eles se articulam enquanto sujeitos nesse processo”, destacou.
Legado
O reitor ressaltou que o enfrentamento da crise climática exige integrar saberes acadêmicos e tradicionais. Para ele, o diálogo entre universidade, povos indígenas, quilombolas e movimentos sociais é essencial para construir soluções justas e sustentáveis, e deve ser um dos legados da Cúpula.
“A gente precisa ter como central que os saberes, todos eles, têm que ser colocados de forma horizontal e nunca vertical. O conhecimento da universidade é muito importante, mas os conhecimentos tradicionais, dos indígenas, dos quilombolas, das populações tradicionais, dos movimentos populares e do movimento sindical são tão importantes quanto. Cada um no seu lugar, interconectando-se. Acho que, se a gente conseguir, durante esse processo, fazer com que se entenda que não existe saber melhor que o outro, que todos são importantes, a gente com certeza terá dado uma grande contribuição para a humanidade e, sobretudo, para essa mudança que tanto desejamos em relação ao clima. Pensando no clima como um elemento que não pode ser visto sem que a gente pense em educação, saúde, direitos humanos, direitos das mulheres e direitos das pessoas LGBTQIA+. Se a gente não tiver essa leitura, o clima sozinho não faz sentido”, afirmou.
Além da Cúpula, Gilmar Pereira destacou a importância da COP como legado para a população do Pará e do mundo, expressando a expectativa de uma mudança de mentalidade em relação à natureza.
“Eu costumo dizer que a COP tem três momentos: o primeiro é o diálogo com comunidades e países que compreendem a conferência; o segundo ocorre durante os dias do evento, com a presença dos governantes; e o terceiro, o mais importante, vem depois da COP. Mais do que obras físicas, o verdadeiro legado está nas mudanças de mentalidade, na capacidade de nos apropriarmos desse conhecimento e repensarmos nossa relação com a Amazônia, a educação, a saúde e o meio ambiente”, concluiu.
Confira a programação completa da Cúpula dos Povos:
Quarta-feira (12):
- Credenciamento (08:00h – 18:00h);
- Cúpula das Infâncias (08:00h – 17:00h);
- Feira Popular (08:00h – 17:00h);
- Barqueata (09:00h – 12:00h);
- Concentração e acolhida das delegações (15:00h – 17:00h);
- Abertura da Cúpula dos Povos (19:00h – 21:00h);
- Show de Abertura (19:00h – 21:00h).
Quinta-feira (13):
- Credenciamento (08:00h – 18:00h);
- Cúpula das Infâncias (08:00h – 17:00h);
- Feira Popular (08:00h – 17:00h);
- Eixo 1 (08:30h – 12:00h);
- Eixo 2 (08:30h – 12:00h);
- Eixo 3 (08:30h – 12:00h);
- Atividades culturais, sessões informativas sobre as negociações e mobilizações (19:00h – 22:00h).
Sexta-feira (14):
- Cúpula das Infâncias (08:00h – 17:00h);
- Feira Popular (08:00h – 17:00h);
- Eixo 4 (08:30h – 12:00h);
- Eixo 5 (08:30h – 12:00h);
- Eixo 6 (08:30h – 12:00h);
- Assembleia dos Movimentos Sociais (14:00h – 16:00h);
- Atividades Enlaces dos Eixos de Convergência (14:00h – 16:00h);
- Seminário Saúde e Clima (14:00h – 16:00h);
- Apresentação das sínteses dos eixos e consolidação da Declaração dos Povos (14:00h – 16:00h);
- Atividades culturais, sessões informativas sobre as negociações e mobilizações (19:00h – 22:00h).
Sábado (15):
- Cúpula das Infâncias (08:00h – 17:00h);
- Feira Popular (08:00h – 17:00h);
- Marcha Unificada (08:30h – 11:00h);
- Coletiva de Imprensa (13:00h – 14:00h);
- Atividades Enlaces dos Eixos de Convergência (14:00h – 16:00h);
- Atividades culturais, sessões informativas sobre as negociações e mobilizações (19:00h – 22:00h).
Domingo (16):
- Cúpula das Infâncias (08:00h – 17:00h);
- Feira Popular (08:00h – 17:00h);
- Audiência pública com a presidência da COP 30 para apresentação da nossa agenda política (09:00h – 11:00h);
- Ato de Encerramento da Cúpula dos Povos (11:00h – 12:30h);
- Banquetaço na Praça da República (14:00h – 16:00h).
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