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Primeira semana da COP 30 em Belém tem anúncios bilionários e pressão por transição justa

Especialistas destacam avanços, alertas e expectativas para a segunda metade da conferência global

Gabi Gutierrez

primeira metade da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30) em Belém, que discute o enfrentamento das mudanças climáticas, foi marcada por anúncios financeiros relevantes, debates sobre integridade da informação, avanços em adaptação e pressões crescentes por mecanismos efetivos de transição justa. O evento teve início na segunda-feira (10), e o Grupo Liberal acompanhou de perto as decisões e os acontecimentos da conferência climática. A primeira semana consolidou o tom político do evento e colocou em evidência o papel da Amazônia como eixo de decisão global. Especialistas fazem balanço da primeira semana e projetam os objetivos da segunda semana de debate e alinhamento.

Um dos movimentos mais significativos foi o lançamento da Tropical Forests Forever Facility (TFFF), fundo multilateral voltado para a conservação das florestas tropicais. O mecanismo foi apresentado na Cúpula de Líderes que antecedeu a conferência e já soma mais de US$ 5,5 bilhões anunciados por 53 países para financiar, por meio de pagamentos calculados via satélite, a manutenção das florestas tropicais. Pelo menos 20% do valor será destinado diretamente a povos indígenas e comunidades tradicionais. O TFFF se tornou uma das principais referências da semana ao lado do plano de mobilização financeira que integra o Roadmap de Baku a Belém, cuja meta é direcionar US$ 1,3 trilhão por ano até 2035 para apoiar a transição energética e a adaptação em países em desenvolvimento.

Compromissos para financiar resiliência

A segunda-feira (10), primeiro dia oficial das negociações, foi marcada pela rápida adoção da agenda da COP, indicando prioridade para a implementação. O encontro apresentou iniciativas tecnológicas como o AI Climate Institute, voltado a capacitar países em desenvolvimento no uso de inteligência artificial na ação climática, e o Green Digital Action Hub, que articula tecnologia digital à estratégia climática global. No eixo de adaptação, bancos multilaterais anunciaram novos compromissos para financiar resiliência, especialmente em nações vulneráveis, e foi detalhada a Parceria de Proteção Social Climática, que cria mecanismos para apoiar agricultores familiares e populações mais expostas aos impactos ambientais.

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Ao longo da quarta (12) e quinta-feira (13), ganharam força as discussões sobre justiça climática e integridade da informação. A presidência da COP formalizou um compromisso internacional para combater a desinformação no debate climático, movimento considerado estratégico diante do aumento de conteúdos distorcidos durante processos de negociação. Debates sobre transição justa avançaram em encontros paralelos, com destaque para propostas de compras públicas sustentáveis, que incluem critérios de baixo carbono, trabalho digno e cadeias produtivas mais limpas nas contratações governamentais. Também houve destaque à adaptação liderada por povos indígenas, com novas pressões por financiamento direto de projetos desenvolvidos por comunidades tradicionais.

A sociedade civil teve participação expressiva ao longo da semana. Organizações entregaram uma carta à presidência da conferência com propostas de financiamento para a proteção da Amazônia, cobrando mais transparência e maior acesso das populações locais aos recursos internacionais. No pavilhão da floresta, pesquisadores apontaram que o volume atual de financiamento global para conservação ainda está distante do necessário para garantir a preservação em escala. A discussão sobre transparência e governança ganhou relevância diante do fluxo de novos mecanismos financeiros anunciados na conferência.

Segunda semana é decisiva para compromisso dos países

Para a segunda semana, a expectativa é de que as negociações avancem sobre os textos finais das decisões, especialmente nas áreas de financiamento, adaptação e transição energética. Também deve ganhar centralidade o debate sobre combustíveis fósseis, com países vulneráveis pressionando por metas mais claras de redução e abandono de petróleo, gás e carvão. Outro ponto sensível será a regulamentação dos mercados de carbono, tema que segue sem consenso e que envolve regras que podem afetar diretamente países florestais como Brasil, Peru e Indonésia. A agenda também prevê discussão mais profunda sobre restauração ecológica e infraestrutura verde, com participação ampliada de governos subnacionais.

Na avaliação da diretora global de Política Climática da Conservação Internacional, Florencia Laloe, a primeira semana da COP 30 avançou de forma consistente do ponto de vista técnico. Para ela, o andamento das negociações foi “muito bom para uma COP”, especialmente porque a agenda oficial foi adotada “super rapidamente”, algo que ela classifica como raro em conferências desse porte. Laloe explica que esta fase inicial é dedicada a construir os textos-base que serão entregues aos ministros na segunda semana.

“Naturalmente, em todas as COPs, a primeira semana serve para acordar textos. Os ministros chegam na segunda semana para decidir”, afirma.

Laloe considera natural que os temas mais politicamente sensíveis, como financiamento, tenham sido deixados para a próxima fase. “As decisões de financiamento são muito políticas. Faz sentido que alguns acordos só ocorram quando eles estiverem aqui”, afirma. Para ela, esta semana, o destaque ficou com propostas divergentes sobre adoção imediata de indicadores globais, discussões sobre financiamento climático, mercado de carbono do Artigo 6.4, e as agendas integradas de clima, biodiversidade, oceanos e uso do solo.

"Temas centrais estão sendo empurrados"

Já a especialista em política climática Natalie Unterstell classifica a semana como movimentada, porém ainda sem direção política clara. Segundo ela, houve esforço para manter mesas de negociação funcionando e evitar paralisia, mas nenhuma “aterrissagem” política ocorreu até agora. “Predomina a sensação de que os temas centrais estão sendo empurrados para a segunda semana, quando os ministros assumem”, avalia. Ela destaca que o clima geral é de cautela, e que as decisões mais importantes estão previstas para sábado.

A leitura da presidente do Instituto Talanoa, Natalie Unterstell, é mais cautelosa. Para ela, a primeira semana foi marcada por “movimento, mas não por direção”, com um esforço significativo para manter as mesas funcionando e evitar travamentos, mas sem avanços políticos concretos.

“Nenhuma aterrissagem importante ocorreu até agora. O resultado é uma semana produtiva no sentido burocrático, porém muito aquém da realidade do planeta”, analisa.

Unterstell aponta três frentes que devem dominar a segunda semana: a pressão para que a adaptação ganhe prioridade real nos textos — já que ainda é tratada como secundária diante da mitigação —; a batalha em torno do financiamento, especialmente para fechar o rombo da adaptação; e a sinalização política sobre combustíveis fósseis, considerada decisiva para manter vivo o limite de 1,5°C. Ela afirma que sair da COP30 sem um caminho concreto para triplicar o financiamento coletivo de adaptação até 2030 enfraqueceria o processo.