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Especialistas analisam temas sensíveis da COP 30 e o papel do Brasil nas negociações climáticas

Os seguintes temas ficaram fora da agenda oficial: financiamento climático, comércio internacional, metas de ambição e relatórios de implementação

Eva Pires | Especial para O Liberal

Os quatro temas sensíveis que ficaram fora da agenda oficial da COP 30financiamento climático, comércio internacional, metas de ambição e relatórios de implementação — tornaram-se o primeiro teste político para a presidência brasileira da conferência. Para evitar uma disputa de pauta que travasse o início das negociações, o Brasil decidiu tratar os assuntos em consultas separadas. A estratégia, segundo o cientista político e geógrafo Ribamar Braun e o economista Rogério Studart, conselheiro do HUB de Economia e Clima do Instituto Clima e Sociedade (ICS), é arriscada, mas pode abrir espaço para avanços diplomáticos, desde que o país consiga equilibrar ambição e pragmatismo. As consultas iniciaram na segunda-feira (10) e a presidência da COP 30 tem até esta quarta-feira (12) para resolvê-las.

Para Braun, separar os temas foi uma decisão inteligente. “O Brasil evita o erro de impor pautas que dividiriam a plenária e ganha tempo para buscar consensos em grupos menores”, avaliou. Já Rogério Studart, destaca que, sem um avanço claro em financiamento climático, “qualquer meta de redução de emissões perde credibilidade, sobretudo para os países em desenvolvimento, que são os mais vulneráveis e menos responsáveis pela crise climática”.

A decisão de retirar os quatro temas da plenária principal foi vista por muitos observadores como uma tentativa de evitar impasses logo no início das negociações. Braun explica que a medida não diminui a importância das pautas, mas as torna complementares. “O Brasil quer que outros países apresentem suas prioridades, e então entra como mediador, propondo soluções. É um gesto de diplomacia que busca ampliar o alcance dos acordos”.

Segundo ele, o financiamento climático é o eixo central dessa discussão. O país, por abrigar a Amazônia e ser líder ambiental na América Latina, é um dos principais destinos de recursos internacionais voltados à preservação. Mas também precisa assumir responsabilidades.
Braun lembra ainda que a separação dos temas ajuda o Brasil a lidar com interesses internos, especialmente do agronegócio e da indústria petrolífera. “Ao discutir comércio internacional em separado, o governo evita um confronto direto com o setor agroexportador, que ainda depende de práticas com forte impacto ambiental. E no caso da transição energética, o país tenta conciliar a exploração da margem equatorial com a necessidade de ampliar fontes limpas, como solar, eólica e hidrelétrica”.

A lacuna de ambição e os relatórios de implementação

Para o cientista político, as lacunas nas metas climáticas refletem um processo histórico. “Desde a Eco-92, muitos países não cumpriram os compromissos assumidos. O Brasil, por exemplo, teve metas ambiciosas em biocombustíveis, mas acabou ampliando a extração de petróleo. Agora precisa provar que é capaz de equilibrar crescimento econômico e transição energética”.

Ele destacou que os relatórios de implementação ainda representam um ponto fraco da política ambiental brasileira, marcada por dificuldades em monitorar resultados e pela falta de investimento em pessoal, fiscalização e transparência. De acordo com ele, outros países têm consciência dessas fragilidades e cobram coerência do Brasil. A estratégia de debater as metas em separado, acrescentou, é uma forma de evitar constrangimentos e buscar respostas mais consistentes.

Financiamento climático: o ponto mais sensível

Para Rogério Studart, o impasse sobre financiamento é o principal entrave das negociações. “Os países em desenvolvimento são os que menos contribuíram para a crise climática e, ao mesmo tempo, os que mais sofrem seus efeitos. É uma questão de justiça climática. Há muito dinheiro circulando no mundo em nome do clima, mas quase nada chega aos países que mais precisam”, afirma.
Ele lembra que a promessa de 100 bilhões de dólares anuais em apoio financeiro nunca se concretizou, e que mesmo as metas mais recentes, de 300 bilhões, estão longe da realidade.

Segundo o economista, a falta de recursos compromete o crescimento econômico e a estabilidade global. Ele destacou que, sem investimento em infraestrutura resiliente, o custo social e financeiro se torna enorme. As tragédias climáticas, como as enchentes no Sul do Brasil, ilustram o preço da inação: governos perdem arrecadação, empresas quebram e vidas são perdidas. O custo de não agir, reforçou, é muito maior que o investimento necessário.

Ele alerta que até setores tradicionais, como o de seguros, já enfrentam impactos diretos e o aumento de desastres naturais está elevando custos e afastando investidores. “Quem se prepara, investe em infraestrutura verde e reduz riscos climáticos, vai atrair mais capital e comércio. Quem não fizer isso, vai perder espaço”, alertou.

Um debate antigo com novas urgências

Comparando com COPs anteriores, Studart diz que os avanços são lentos, mas reais. “Conseguimos evitar um cenário de catástrofe total. Sem as ações climáticas das últimas décadas, a temperatura global já teria subido 4 °C. Mas ainda estamos perto do limite. Falta transformar promessas em ação e isso depende, em grande parte, de decisões políticas e financeiras”, ponderou.

Braun concorda que o Brasil tem se saído bem no papel de anfitrião e mediador. “É uma das maiores COPs já realizadas, e o país demonstra maturidade diplomática. Ao conduzir debates de forma democrática e abrir espaço para o diálogo, o Brasil reforça sua imagem de liderança ambiental, mesmo com desafios internos”, avaliou.