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Amazônia produz US$ 317 bi por ano, mas precisa de até US$ 2,8 bi para evitar colapso ecológico

Cooperação entre estados amazônicos planeja garantir investimento estratégico na região

Maycon Marte | Da redação e Eva Pires | Especial para O Liberal

A Amazônia brasileira gera cerca de US$ 317 bilhões em serviços ambientais, biodiversidade e regulação climática, conforme estimativa do Banco Mundial, o que representaria aproximadamente R$ 1,6 trilhão, conforme a variação da moeda americana. O número, embora chamativo, depende de um investimento igualmente bilionário, entre US$ 1,7 bilhão e 2,8 bilhões anuais em fiscalização e gestão das áreas protegidas para a preservação de áreas críticas, que proporcionam essa geração expressiva de recursos. Nesse contexto, um projeto do Consórcio da Amazônia Legal (Cal), que reúne todos os nove estados amazônicos, pretende mudar a gestão de recursos para priorizarem esse setor. Há ainda iniciativas do estado Pará em parceria com organizações da sociedade civil.

A iniciativa é apoiada pela Nature Finance, instituição especializada em finanças e biodiversidade, que se soma a cooperação interestadual para fazer a manutenção de recursos. Essa união aposta no projeto “Ativos Ambientais de Proteção Integral na Amazônia Brasileira”, liderado pelas secretarias de fazendas dos estados amazônicos, e que, segundo a diretora da instituição no Brasil, Luana Maia, pretende “transformar conservação em receita”.

Segundo ela, a partir do novo mecanismo, a região passa a operar com uma “política comum de créditos de biodiversidade entre os nove estados da Amazônia Legal”, que permite remunerar serviços ecossistêmicos nas unidades específicas de conservação de proteção integral. Ela explica que a proposta explora o potencial dos serviços prestados pelas unidades de conservação de uso sustentável e se dedica a remunerar os estados da região que possuem ampla biodiversidade e estão agindo para preservar seus territórios.

Os serviços ambientais que formam essa estimativa abrangem desde a regulação climática, com o armazenamento de carbono e a produção dos chamados “rios voadores”, até a manutenção da biodiversidade, que sustenta cadeias produtivas como a farmacêutica, alimentícia e de biotecnologia. A floresta também garante polinização, controle natural de pragas, proteção do solo, estabilidade hídrica e a oferta de produtos florestais não madeireiros, além de desempenhar funções culturais e sociais essenciais para povos indígenas e comunidades tradicionais. Esses mecanismos naturais, muitas vezes invisíveis, são a base ecológica e econômica que mantém a Amazônia e boa parte do país funcionando.

A vice-presidente das Américas da Conservação Internacional, Rachel Biderman, ressalta a importância de investir o montante necessário na preservação dessa floresta, pois esse seria o único meio para manter também o retorno financeira da região e preservar seu potencial regulador. Segundo ela, a “escassez de recursos para a conservação da Amazônia decorre, entre outros fatores, da subvalorização dos serviços ecossistêmicos vitais que a floresta oferece”.

“Somente seu papel na regulação das chuvas sustenta US$ 3 trilhões na produção agrícola sul-americana. Outro problema é o não reconhecimento do papel dos povos da floresta, que sustentam a floresta saudável”, enfatiza a vice-presidente.

É perfeitamente possível alinhar usos positivos em áreas protegidas e torná-las produtivas, como avalia Biderman, mas isso não deve acontecer desconsiderando a necessidade manter algumas áreas intocadas. Ela esclarece que há bons exemplos de uso sustentável de áreas sensíveis em diferentes países e com diversas opções de usos.

“Os sistemas legais de diferentes países permitem distintas possibilidades de exploração econômica em áreas protegidas. Há áreas de uso sustentável previstas em muitas legislações compatíveis com a promoção de atividades econômicas. Estas, são compatíveis com a vida e a saúde dos povos indígenas e da biodiversidade. Dentre as possibilidades de atividades econômicas estão o ecoturismo, o uso sustentável da biodiversidade, agroflorestas, entre outros. Existe um quadro legal de práticas sustentáveis promovidas em muitas áreas protegidas para o bem-estar de populações e para garantir que possam continuar a cuidar do meio ambiente.”, explica.

Nesse cenário, ela ainda alerta as áreas importantes demais para serem tocadas. “Têm áreas que são tão importantes pela sua contribuição à biodiversidade ou ao equilíbrio hídrico e ambiental, que precisam estar totalmente protegidas sem uso econômico”, descreve. Essa é uma informação já conhecida da sociedade, por isso Biderman defende que falta assegurar o financiamento para que estas áreas sejam na realidade protegidas, como o seu propósito inicial.

Sem Amazônia, sem chance

Uma das afirmações de Biderman que mais chama atenção é a de que “sem Amazônia, o mundo não tem chance de cumprir a meta do Acordo de Paris”. A porta-voz da conservação internacional se refere ao acordo de cooperação global para manter a temperatura do planeta abaixo dos 1,5 graus, aumentar a capacidade de adaptação e alinhar os fluxos financeiros para um desenvolvimento de baixo carbono e resiliente ao clima. É nesse último aspecto que reside, segundo ela, a grande chave para o avanço da agenda climática.

“Direcionar recursos financeiros substanciais e imediatos para a preservação da Amazônia precisa ser reconhecido como uma estratégia climática urgente para evitarmos as piores consequências do aquecimento global. Essa conta deve estar contemplada no cerne da negociação do financiamento climático e também em mecanismos complementares, como o TFFF (Fundo Florestas Tropicais para Sempre, no português)”, afirma.

Apesar de importante, ela deixa claro que o financiamento não será eficiente sem a garantia de que ele será alocado da maneira mais adequada. Para isso, Biderman defende o apoio direto à sociobioeconomia dos povos indígenas e comunidades locais, devido ao seu papel de proteção da biodiversidade. Um dos exemplos dessa visão é a carta que propõe um plano de ação capaz de atrair novos investimentos para a conservação, restauração e desenvolvimento sustentável do bioma.

“A conservação da Amazônia precisa ser um dos grandes resultados da COP30, e a solução está ao alcance dos negociadores aqui em Belém”, conclui.

Na Liderança

Existem exemplos de sucesso nas políticas do estado do Pará que já demonstram preocupação com a preservação das áreas verdes. Durante a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30), o governo do estado assinou uma Carta de Intenções para o fortalecimento da política pública de concessões de restauração ecológica em áreas públicas. A oficialização ocorreu no pavilhão Belém, na Green Zone (Zona Verde), área da conferência aberta a sociedade civil.

Essa parceria reúne esforços da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Clima e Sustentabilidade (Semas), o Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade (Ideflor-Bio), o Serviço Florestal Brasileiro (SFB), o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio) e a The Nature Conservancy (TNC). O documento pontua a restauração florestal como um vetor de desenvolvimento territorial e de inclusão produtiva, e promete articular ações de governança, financiamento e engajamento comunitário, frutos da colaboração entre poder público e organizações da sociedade civil.

Conforme destaca o Ideflor-Bio, parceiro nessa cooperação, o Pará possui 60% do seu território composto por áreas de conservação, que protegem florestas, regulam o clima e formam barreiras naturais contra os efeitos das mudanças climáticas. Na assinatura da Carta, o presidente da instituição, Nilson Pinto, destacou as experiências exitosas do estado na modalidade.

“Temos um passivo muito grande de reserva legal constituído após 2008. Pensamos que podemos transformar essa obrigação em oportunidade, construindo condomínios de reserva legal e vendendo cotas de reflorestamento, com financiamento complementado por créditos de carbono. Assim, resolvemos dois problemas: o da regularização ambiental e o da restauração florestal. Precisamos plantar para sequestrar carbono e respirar um ar melhor”, declarou.

No total, são 75,6 milhões de hectares que somam unidades de conservação federais, estaduais e municipais, terras indígenas, territórios quilombolas e áreas controladas pelas Forças Armadas.