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O brasileiro que marcou a Vila de Sintra, em Portugal

António Monteiro foi o idealizador das construções da Quinta da Regaleira, que atualmente recebe milhares de turistas para visitação

Anna Carla Ribeiro

Era grande a comoção popular na manhã do dia 25 de agosto de 1920. A notícia da morte do brasileiro António Augusto de Carvalho Monteiro foi rapidamente espalhada por entre os moradores da charmosa Vila de Sintra, em Portugal. O corpo esteve em velório na capela da Quinta da Regaleira e, de lá, foi transportado por carreta funerária puxada a cavalo, até a Estação Ferroviária de Sintra. Diz a história que a população local, ao longo do cortejo, deixava diversas homenagens a Carvalho Monteiro. Houve lojas que fecharam as portas. Por fim, acabou por ser fretado um comboio especial para abrigar tanta gente que queria seguir o caixão rumo ao cemitério.

Muito se fala a respeito dos brasileiros que fizeram grandes feitos. Porém, há um deles ainda pouco conhecido, pelo menos no Brasil, que marcou para sempre a história da Vila de Sintra. Nascido no Rio de Janeiro, no ano de 1848, António Monteiro foi o idealizador das incríveis construções da Quinta da Regaleira. O lugar, referência em botânica, arte, arquitetura e misticismo, recebe anualmente milhares de turistas interessados em desvendar os mistérios deixados por esse conterrâneo.

Herdeiro de uma fortuna extraordinária, era conhecido como ‘Monteiro dos Milhões’. Pela simbologia mística que a Quinta da Regaleira carrega, muito se especula a respeito dos rituais iniciáticos que seriam do gosto de António Monteiro. Possivelmente, era um homem ligado à franco-maçonaria, ao templarismo e à alquimia.

Com tamanhas posses, António Monteiro passou grande parte do seu tempo focado em estudar o que gostava, como a ciência da natureza. Além da botânica, aprofundou-se em zoologia. Ele, o pai e o Rei Dom Fernando II, por exemplo, fizeram parte do grupo que fundou o Jardim Zoológico de Lisboa. A sua coleção de borboletas era, na época, considerada a segunda maior do mundo. Já a coleção de búzios e conchas de Carvalho Monteiro tem tal valor científico que quando ele faleceu, por testamento, parte dessa coleção foi doada à Universidade de Coimbra e encontra-se guardada até hoje no Museu da instituição.

Com ascendência portuguesa, o avô materno de Carvalho Monteiro foi um consagrado comerciante que acompanhou a frota que levou a Corte Portuguesa com Dom João VI para o Brasil, por conta das invasões francesas. A fortuna aumentou no Brasil. Do lado paterno, o pai de Carvalho Monteiro, chamado Francisco Mendes Monteiro, foi muito novo para o Brasil, com cerca de 21 anos de idade. Foi sozinho, levando consigo um lenço que a sua mãe lhe deu com cinco libras de ouro. Estabelecido no Rio de Janeiro, começou por trabalhar junto de um comerciando irlandês com importação de carvão das ilhas inglesas para o Brasil.

Mais tarde, por conta própria, Francisco Mendes Monteiro abriu um armazém de secos e molhados na até então mais importante rua do Rio de Janeiro, a Rua Direita. Ela era o coração comercial e financeiro da cidade, onde se instalou o primeiro Banco do Brasil, em 1808, a Alfândega e a Praça do Comércio.

Por vias de casamento com Tereza Carolina Alves de Carvalho, a fortuna de Francisco Monteiro veio a aumentar mais ainda. Foi com o cunhado, irmão de Tereza Carolina, que começou novos investimentos. “Francisco foi um sábio homem de negócios que soube construir a sua boa fortuna, fruto de atividades comerciais como investimentos na banca e em imobiliária”, destacou o guia oficial da Quinta da Regaleira, António Silvestre. 

António Monteiro fez os seus estudos em Portugal. Licenciou-se em direito na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra em 1871. Após os estudos acadêmicos, casou-se com Perpétua Augusta Pereira de Melo, em Lisboa. Assim que se casaram, o jovem casal partiu para terras brasileiras. Por lá, permaneceram até 1876, momento em que regressam definitivamente a Portugal com o primeiro filho nascido. Após, tiveram mais uma filha. Tomaram como residência oficial o suntuoso Palácio Quintela, localizado na Rua do Alecrim nº 70, em Lisboa, onde hoje funciona o restaurante Palácio Chiado.

Foi no ano de 1893 que adquiriu a antiga Quinta da Regaleira e, a partir da aquisição, iniciou o projeto para transformá-la completamente. A Quinta virou uma espécie de reflexo das suas paixões. Após a morte da sua mulher, falecida em 1913, no dia de Natal, Carvalho Monteiro saiu do Palácio Quintela, em Lisboa, e passou a morar definitivamente na Quinta da Regaleira, onde morou até o fim da sua vida. Ele faleceu em 1920, em decorrência de uma queda na escadaria do palácio, no qual bateu fortemente a cabeça.

Era um homem também de causas filantrópicas e altruístas. Carvalho Monteiro fez parte do grupo que fazia as chamadas ‘Cozinhas Econômicas’, que ofereciam refeições saudáveis à população carente. Chegou mesmo a estar em certas noites a servir refeições em Lisboa. Ao mesmo tempo, era ligado a círculos muito importantes da sociedade portuguesa, inclusive à família real. “Mas muito sóbrio e discreto. Era muito dedicado aos filhos e em particular com aos netos”, explicou Silvestre.

Ao partir desse mundo, deixou uma chave capaz de abrir exatamente três lugares: a porta do Palácio Quintela, a entrada do palácio da Quinta da Regaleira e o enorme jazigo onde encontram-se os seus restos mortais, no Cemitério dos Prazeres, em Lisboa.

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