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A esquerda e o voto cristão

Silvio Navarro

Se há um fenômeno que invariavelmente se repete em anos eleitorais é a corrida pelo voto evangélico. E a busca por essa faixa crescente do eleitorado brasileiro – estima-se que sejam pelo menos 40 milhões de votos – é ainda mais desesperada quando se trata de partidos e políticos de esquerda, que passam longe de defender as bandeiras da Igreja.

Nesta semana, o PT, por exemplo, anunciou a criação de comitês evangélicos em mais de vinte Estados. O responsável pela estratégia de atrair os fiéis será o ex-seminarista Gilberto Carvalho, que trabalhou na antessala do ex-presidente Lula e de outros governantes petistas a vida inteira. Ele costuma aparecer quando o partido tem um projeto de poder em curso, como nas gestões do prefeito assassinado de Santo André, Celso Daniel, e do próprio Lula.

Apesar da experiência em dialogar com líderes de movimentos sociais, esse segmento é uma empreitada nova para Carvalho, acostumado a lidar com o MST, sem-teto, sindicalistas e até pastorais católicas – onde o PT, em sua origem na virada da década de 1970 para 1980, tinha apoio por causa da luta contra o regime militar.

Em outra frente, a legenda tem como expoente do núcleo de evangélicos a deputada Benedita da Silva, do Rio de Janeiro. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, ela resumiu sua mensagem: “No governo Lula, os evangélicos melhoraram de vida, e os dízimos das nossas igrejas aumentaram". O pastor Paulo Marcelo Schallenberger, da Assembleia de Deus, um dos raros que aceitaram ajudar Lula, seguiu a mesma linha: “Quando que nos governos do PT igrejas foram fechadas? Quando que o seu pastor foi proibido de pregar? Paulo Bernardo (ex-ministro das Comunicações) deu rádio para todo mundo, têm concessão de TV. Quanto a sua igreja tinha de receita na época de Lula e Dilma, e quanto tem hoje?", disse à Folha de S.Paulo.

A despeito das questões financeiras e da distribuição de rádios a granel pelo interior do país, são as pautas conservadoras que emperram essa aproximação. É simples: independentemente da vertente do cristianismo, as igrejas são contra a defesa do aborto, flexibilização das drogas, adoção de "linguagem neutra" (todos, todas e "todes") nas escolas, ideologia de gênero, legalização dos jogos, entre outros assuntos.

Como explicar aos religiosos, portanto, que boa parte das parlamentares ou das líderes do PT, Psol, PC do B e demais satélites comemoraram a decisão do governo da Colômbia em liberar o aborto até 24 semanas? O estrago nas redes sociais foi tão grande que Lula teve de acionar aliados para abafar a confusão. Tampouco foi um caso isolado. No PT, especificamente, há recomendação da direção para que seus filiados com mandato evitem debates acalorados sobre temas sensíveis às igrejas – nas palavras do documento elaborado, "não polemizar assuntos que gerem conflitos com a doutrina cristã”.

Há sete meses das eleições gerais, ninguém na esquerda foi tão sincera ao explicar os métodos aplicados em campanha quanto Dilma Rousseff, em 2013: "Nós podemos fazer o diabo quando é a hora da eleição".

Não há dúvida de que o voto cristão será decisivo neste ano e que ele é majoritariamente a favor de Jair Bolsonaro. Resta saber qual a diabrura que o time de Lula está preparando.

Silvio Navarro