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Presidencialismo de coalizão, semipresidencialismo e outras bossas

Rodolfo Marques

A desenvoltura em alguns atos e a “fome” de poder desfiladas pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), saltam aos olhos de pesquisadores, de analistas políticos e em outras parcelas da sociedade brasileira.

Tais cenários reforçam uma discussão a respeito de dois conceitos importantes – e já bem discutidos – na literatura da Ciência Política: o presidencialismo de coalizão e o semipresidencialismo.

A perspectiva do presidencialismo de coalizão, desenvolvida originalmente por Sérgio Abranches, em 1988, trabalha com dois aspectos essenciais: uma definição dos papeis ocupados pelo presidente da República, no Brasil, e a existência das chamadas coalizões de partidos para sustentarem um governo. Assim, na maior parte dos governos eleitos pelo voto direto, no país, a partir de 1989, os presidentes da República organizaram seus ministérios com integrantes de vários partidos, que integravam, em maior ou menor escala, a base parlamentar. As questões das emendas parlamentares sempre tiveram protagonismo neste contexto.

Os dois presidentes que sofreram impeachment (Fernando Collor, em 1992; e Dilma Rousseff, em 2016) falharam na sua relação com o Congresso Nacional – e esse foi um fator preponderante comum (embora não o único) nas respectivas quedas. No governo de Jair Bolsonaro, do PL (2019-2022), houve, em termos de discurso, uma busca de não compor uma base parlamentar – esta acabou “sequestrada” a partir do chamado “orçamento secreto”, que emergiu em 2021.

Já o termo semipresidencialismo surgiu, inicialmente, na literatura de ciência política de Maurice Duverger, nos anos 1970, trazendo uma mescla dos sistemas presidencialista e parlamentarista. Há caraterísticas de ambos – já que o presidente é eleito pelo povo – algo comum no presidencialismo –, ao mesmo tempo em que há uma dissociação das funções entre o chefe de Estado e o chefe de governo (algo do contexto parlamentarista). 

Há uma distinção, todavia, no semipresencialismo: o chefe de Estado (presidente) acumula mais funções do que no modelo parlamentarista, como um protagonismo na política da externa e na chefia das forças armadas. Outro aspecto é que, no semipresidencialismo, o presidente pode dissolver o parlamento – diferentemente do que ocorre nos sistemas presidencialistas e parlamentaristas. Há um grupo de trabalho no parlamento brasileiro discutindo o tema, aliás

O presidente Lula (PT) tem tido algumas dificuldades para avançar com algumas pautas, principalmente na Câmara dos Deputados, em virtude, prioritariamente, de ter apenas cerca de 130 deputados em sua base – e por falhas na própria articulação política do governo. Ele fez a tentativa de contemplar vários grupos políticos na Esplanada dos Ministérios, mas tal processo de coalizão ainda não trouxe, para o governo, os efeitos desejados. Ao mesmo tempo, com o poderio conquistado pelo “Centrão” durante o governo Jair Bolsonaro, e com a reeleição de Arthur Lira para a presidência da Câmara dos Deputados, em fevereiro de 2023, a correlação de forças tem trazido alguns desgastes para o governo. 

Em alguns momentos, uma certa “sofreguidão” de Lira pelas nomeações e pela execução do Orçamento gera um cenário de confusão sobre quem realmente manda na República Federativa do Brasil. É importante ressaltar que há os poderes constituídos e que Lula foi o eleito para ser chefe de governo, chefe de Estado, comandante-chefe das Forças Armadas, comandante geral do funcionalismo público e representante do país nas arenas internacionais. Lira é “apenas” o chefe de uma das Casas Legislativas – mas isso parece não ser o “bastante” para ele. Em alguns casos, parecem faltar ao deputado alagoano mais civismo e uma maior compreensão do espírito público. O sistema brasileiro segue presidencialista – e nele há uma grande concentração de poder na figura do presidente da República.  

Assim, é possível concluir que o Brasil, como qualquer outra nação autônoma e soberana, tem de buscar qual modelo é mais adequado para recolocá-lo na trilha do crescimento econômico, das políticas públicas e do protagonismo internacional, ainda mais após os quatro anos de perdas e retrocessos vividos entre 2019 e 2022. 

Rodolfo Marques