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O.J.C. MORAIS

OCÉLIO DE JESÚS C. MORAIS

PhD em Direitos Humanos e Democracia pelo IGC da Faculdade de Direito Coimbra; Doutor em Direito Social (PUC/SP) e Mestre em Direito Constitucional (UFPA); Idealizador-fundador e 1º presidente da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social (Cad. 01); Acadêmico perpétuo da Academia Paraense de Letras (Cad. 08), da Academia Paraense de Letras Jurídicas (Cad. 18) e da Academia Paranaense de Jornalismo (Cad. 29) e escritor amazônida. Contato com o escritor pelo Instagram: @oceliojcmorais.escritor

Uma noite de coisas do Além...

Océlio de Morais

Essa crônica, dentro da série  “quase um quarto de século de magistratura”, parece que envolve coisas da espiritualidade. Cabe ao leitor concluir se isso foi ou não coisa de espírito  desencarnado.

De início, confesso que não acreditava. Mas depois daquela noite, que pareceu uma eternidade,   as coisas mudaram.

Sabem aquelas histórias ou estórias de assombração. Aquelas que deixam os pelos dos braços arrepiados, assustados mesmo, e aumentam a aceleração cardíaca. 

O ano foi 1997. Há mais de duas décadas, nas minhas andanças como juiz substituto pelo interior do Estado do Pará, nesses quase um quarto de minha magistratura.

Foi em Itaituba, à época conhecida como a "cidade pepita” por causa das atividades garimpeiras no Vale do Rio Tapajós - a cidade que, bem antes da chegada do desbravador e militar Pedro Teixeira da caravana de Francisco Caldeira Castello Branco, era a terra-mãe-nativa dos  índios Mundurucus, ditos “selvagens” que precisavam ser catequizados pelas primeiras missões jesuíticas, que vieram do Além-Mar.  

E Pedro Teixeira, uma espécie de administrador colonial, subiu o rio Tapajós em 1626, na captura de índios Mundurucus para  a comercialização, coisa que já havia feito com  índios Tupinambás, os quais também habitavam a  foz do Amazonas. 

Mas, como se conectam esses fatos à história da cidade e a essa crônica? O leitor já vai  saber. 

Quando de minha designação como juiz substituto à então Junta de Conciliação e Julgamento de Itaituba, aquela unidade judiciária tinha apenas 7 anos (foi criada pela Lei de nº 8.432 de 211/06/1992 e instalada em  26/11/1993), mas funcionava no antigo (e bem antigo mesmo),  prédio de um antiquíssimo hospital da cidade.

Numa audiência trabalhista, ouvi dizer lá em Itaituba - mas isso não posso asseverar por falta de dados históricos confiáveis  - que aquela área do antigo prédio integrou o primeiro centro de ocupação do primeiro povoado da então vila dos jesuítas, no início de tudo, onde também teria sido o primeiro cemitério. 

Isso pode parecer lógico, porque aquele prédio foi construído bem próximo das margens do Rio Tapajós - basta lembrar que  as expedições coloniais sempre se alojaram às margens dos rios, dos mares e baías. Assim também aconteceu em 1616 com a nossa Feliz Lusitânia (depois Santa Maria do Grão do Pará e atualmente Belém do Pará) com a construção do Forte do Presépio, hoje Forte do Castelo, às margens da Baía do Guajará.

Se aquele lugar foi ou não o início da formação da cidade de Itaituba  e se por ali esteve ou não o primeiro cemitério, não é possível afirmar. Somente escavações arqueológicas poderiam nos dar essa resposta. 

Mas uma coisa acho que é possível  dizer: aquele lugar, aquele prédio estava, com se diz na linguagem popular, parecia estar carregado de espíritos errantes. A doutrina espírita os denomina de “espíritos sofredores”, aqueles desencarnados que “sofrem a malsão em torno de seu próprio infortúnio”, segundo nos transmite o médium Waldo Vieira  no livro “Conduta Espírita” psicografado pelo espírito de André Luiz, este, tido pela doutrina espírita como um médico em sua última encarnação. 

Eu não sabia e somente há algum tempo tomei conhecimento de um ensinamento da  Doutrina Espírita, que é atribuído ao espírito de André Luiz: “em relação aos irmãos infelizes da espiritualidade (...) a azedia não cura desrespeito", casos em que  "quanto mais luz, mais possibilidade de iluminação”. 

Então, naquele julho de 1997, experimentei uma noite de calafrios e de instigância espiritual.

Bem que fui avisado previamente. Mas não quis acreditar. Ou não deu ouvidos necessários. 

Fizera um dia calorento e abafado, tal como são os dias do verão amazônico. A energia elétrica era inconstante, gerada por  um precário motor a diesel. Na cidade, ainda não havia chegado o linhão da TramaOeste por lá.  E à noite, o prédio ficava às escuras, sem energia.

À tardinha, no meu primeiro dia naquela jurisdição,  um servidor me perguntou se eu iria dormir no aposento destinado ao juiz. Intrigado com a pergunta, disse que sim, mas também indaguei o motivo.

Ah!, disse o servidor, é que aqui era um hospital e comenta-se que à noite faz visagem, aparecem assombrações, fantasmas...

Meio sem acreditar, não levei muito a sério, Mas lembrei-me que a velha casa de minha infância em Monte Alegre,  sendo a primeira da rua 7 de Setembro, tinha como vizinho o cemitério da cidade, um enorme campo santo praticamente aberto,  porque sua cerca também era feita de pau a pique, porém,  sem revestimento de barro. Nossa casa distava poucos membros do cemitério.

Nas noites de tempestades e raios, morrendo de medo e enrolado em minha rede, dava para enxergar pelas  brechas entre as tábuas da parede de casa  os  relâmpagos cintilando as cruzes e sepulturas pintadas na cor branca (dos adultos) e na cor azul (das crianças ou anjinhos, como se dizia à época). 

Era costume, lá de casa, sempre acender velas às 18:00 horas para as almas, lá no pé do Cruzeiro - uma grande cruz que praticamente todos os tradicionais cemitérios interioranos têm, onde as pessoas fazem preces às almas sofridas ou infelizes.

Bom, aquela “informação”  do servidor - associada à memória da infância - foi o bastante para eu pedir que me levasse ao único supermercado da cidade para comprar quatro velas tipo “sete das sete noites” e mais um maço de velas brancas.

Mas veja só o que aconteceu: ao sair para jantar, deixei  uma vela branca acesa na parte interna,  ao lado da porta, onde funcionava a secretaria da Junta, anteriormente, a enfermagem, na época do hospital. 

Imaginem quantas dores e sofrimentos de pessoas doentes aquele ambiente presenciou e passou a carregar. 

Na "suíte"  ou quatro  do juiz   - também sem luz e sem ventilador - acendi as quatro velas, uma em cada canto do quarto . E- cada uma  sob  a oração do  Pai-Nosso.

Pelo sim, pelo não, mais do que bem iluminado queria estar bem protegido. A "suíte" era a UTI do hospital. Então, em vez de suíte, vamos chamar de ex-UTI, que é mais adequado ao objeto da crônica.  Imaginem quantas pessoas faleceram ali.  Quantas partiram ainda sem querer partir e, assim, permanecem como espíritos sofredores até a plena libertação do estágio primário...

Ao voltar do único restaurante caseiro, era  bem rústico e iluminado com luz de lampião à querosene, a primeira surpresa: a vela  branca estava apagada. Claro, "bateu" aquele receio.  Acendi novamente  e, ao subir as escadas que levavam à ex-UTI, escuridão novamente: a vela voltou a se apagar. 

Outra vez acesa, olhei para as paredes, e não havia nenhuma janela. Sem circulação de vento,  como poderia ter se apagado... Os arrepios, a  horripilação, aumentaram e veio à lembrança a história do servidor.

E o que encontro na ex-UTI? Pode acreditar: as quatro velas estavam apagadas. Isso mesmo! E a vela que segurava na mão, também  se apagou novamente. Janela aberta? Nenhuma. A única que havia estava fechada para evitar a entrada de carapanãs, como se diz na Amazônia ao pernilongo que se alimenta de sangue humano, especialmente à noite - noutros localidades  também  é conhecido como muriçoca.

Voltei a acender todas as velhas com todos os pelos do corpo como se fosse um dedo em riste. Pareceriam que  queriam sair do corpo e fugir dali. 

Deitei-me à rede e me enrolei dos pés à cabeça, tentando dormir. O calor insuportável, misturado com aquela sensação de coisa estranha do outro mundo,  começaram me dominaram por completo. E comecei a rezar porque, outra vez, uma a uma, as quatro velas foram se apagando, uma atrás da outra.

Parecia coisa de filme de terror. Voltei a acender as velas.  E as velas novamente se apagaram. Do nada, apagaram.

Rezei Pai-nossos e Ave-marias,  e até contei "carneirinhos'' pulando obstáculo,  pedindo que me deixassem em paz…  A noite foi interminável. O sono não veio.  

Cedo, logo cedo, os servidores chegam para trabalhar. E aquele servidor, vendo minhas olheiras, veio logo dizendo: o senhor viu alguma assombração, ontem à noite, doutor?

Contei-lhe o meu drama noturno: a noite de um pesadelo real.  Uma noite de coisas do Além. 

A partir daquele dia, e enquanto estive naquela jurisdição, não pernoitei nenhum dia a mais naquele prédio. Fui dormir numa pensão.

Se aquele lugar, algum dia, abrigou um cemitério, não sei; se lá, índios foram escravizados e mortos violentamente, também não sei.  Mas uma coisa é certa: Mas, passei a acreditar, mais do que nunca, que os "espíritos sofredores”  transitam lugares em que desencarnaram geralmente até se libertar dos seus infortúnios espirituais. 

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Océlio de Morais
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