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O.J.C. MORAIS

OCÉLIO DE JESÚS C. MORAIS

PhD em Direitos Humanos e Democracia pelo IGC da Faculdade de Direito Coimbra; Doutor em Direito Social (PUC/SP) e Mestre em Direito Constitucional (UFPA); Idealizador-fundador e 1º presidente da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social (Cad. 01); Acadêmico perpétuo da Academia Paraense de Letras (Cad. 08), da Academia Paraense de Letras Jurídicas (Cad. 18) e da Academia Paranaense de Jornalismo (Cad. 29) e escritor amazônida. Contato com o escritor pelo Instagram: @oceliojcmorais.escritor

Um presidente sem camisa, mas de calção

Océlio de Morais

O dia em que um grande líder europeu tomou banho e saboreou uma caldeirada em Mosqueiro, as ondas da praia do Murubira estavam bastante agitadas, como uma espécie de saudação ao visitante ilustre. 

Afinal, não é todos os dias que são flagradas cenas como aquelas. Depois, com a maré baixa, a praia também foi um atrativo especial na vida daquele presidente.

No seu último mandato como político português, no período de 1986 a 1996, Mário Soares veio a Belém. Foi em 1995. Antes, ele tinha sido primeiro-ministro nos anos de 1976 a 1978 e 1983 a 1985. E bem antes,  se auto exilou em França (em 1970), porque era contrário às ideias do Estado Novo Português que governou o país por 41 anos sob as lideranças Antônio Salazar até Marcelo Caetano - período classificado pelos cientistas políticos portugueses como regime político autocrata, autoritário e corporativista.

Essa crônica resgata fatos pitorescos da visita do então presidente Mário Soares, até hoje o único estadista português a visitar o Distrito de Mosqueiro, fundado em 1895.

É preciso contextualizar os fatos: a história se passa quando eu era jornalista, especificamente repórter especial do jornal O Liberal, no ano de 1995, visto que em dezembro de 1996 deixei o jornalismo e abracei a magistratura  federal trabalhista.

Eu gostava de ser jornalista, notadamente do jornal impresso. O jornalista é o historiador do cotidiano. Vive da notícia a partir das fontes fidedignas. 

Por isso, todo jornalista quer um grande fato para escrever uma grande história, reportagem de impacto e de repercussão. Especialmente quando o fato é de seu exclusivo conhecimento e capaz de render o “furo de reportagem” no concorrente. À minha época, um furo de reportagem era como o gol do título sobre o maior adversário. 

Não sei hoje, mas quando eu fui jornalista, dizia-se que era preciso ter algum “feeling” para sentir a boa notícia. Tive a felicidade de realizar grandes matérias e coberturas. Cito algumas apenas para exemplificar: entrevista exclusiva com Adolfo Perez Esquivel, nobel da paz de 1980, por sua luta por justiça na América Latina; retorno dos casos de cólera ao Brasil (através de casos confirmado em Belém do Pará) depois de um século de erradicação da doença; caso das crianças emasculadas de Altamira; caso Payakan e a professora Letícia; a série de reportagem sobre a miséria no Norte do País e a agricultura familiar como alternativas - série  com a qual ganhei o I Prêmio Nacional de Jornalismo Impresso promovido pela Federação Nacional de Jornalismo em 1993.

Como disse, o jornalista precisa ter “feeling” o qual, também, precisa ser trabalhado com habilidade e competência. Nem sempre a grande notícia é a catástrofe, como nunca o é o sensacionalismo apelativo e tendencioso da informação.  

Em pequenos fatos ou coisas singelas surgem ótimas notícias, quando o repórter tem “feeling” para ver e captar isso.

Meu contato com o presidente Mário Soares me mostrou isso com bastante clareza, à época. 

Fui designado pela chefia de reportagem de O Liberal para fazer a “cobertura” da visita do presidente português em Belém - a cidade que acolhia (e ainda acolhe) a maior e mais importante comunidade portuguesa além-mar, que tanta influência cultural contribuiu à nossa arquitetura: estão aí para comprovar a Igrejinha de São João Batista (antes da reforma de Antônio José Landi iniciada a partir de 1772), a catedral metropolitana da Sé (1748-1171), mandada construir por dom João V; a igreja e convento de de Santo Alexandre (1698-1719), mais tarde sede do arcebispado, e a partir da década de 1990, Museu de Arte Sacra do Pará.

A visita de Mário Soares à cidade de Belém  do Pará estreitou os laços lusos-brasileiros. Depois dos compromissos oficiais, o presidente Mário Soares resolveu conhecer a praia de Mosqueiro, a basílica de Nossa senhora de Nazaré e a pousada dos Guarás, em Soure, na ilha do Marajó.

A visita à então bucólica Mosqueiro (há muito tempo já deixou de ser: está dominada por desmatamento para invasões e ocupações irregulares à beira da rodovia Belém-Mosqueiro sem fiscalização de quem deveria fiscalizar) foi num sábado pela manhã.

Antes do almoço (ele se deliciou com uma caldeirada no hotel Murubira), o presidente portiguês, de improviso, resolveu  fazer uma caminhada na praia da Murubira.  Um ou dois seguranças o acompanhavam.  O líder português não chamou muito atenção porque eram  poucos banhistas naquele momento. E, assim, caminhou tranquilamente, descalço.

Sem camisa (deixou à vista de todos uma avantajada barriga), mas de short (e não de sunga), resolveu dar um mergulho nas águas barrentas do Murubira, que ali sempre se misturam vindas das baías do Marajó, do Guajará e do Furo das Marinhas.

Ao sair da praia, me aproximei do presidente e perguntei-lhe:  Vossa Excelência já tinha tomado banho em águas barrentas como essas?. Ele ficou meio surpreso, porque não imaginava que houvesse um jornalista em seu encalço.  

Como me descobriram aqui, me perguntou com um leve sorriso. Nas nossas fontes e feeling, presidente, respondi, também sorrindo. Voltei a perguntar se ele já havia tomado banho em águas doces tão barrentas como aquelas, ao que ele respondeu mais ou menos assim: ainda não; mas é muito refrescante. O Brasil é um país abençoado com tanta água. 

Aquela imagem do presidente sem camisa,  vestindo apenas um calção e caminhando na praia foi captada pelo  fotógrafo Neldson Neves,  o parceiro que fazia dupla comigo naquela cobertura jornalística.

Ainda não havia internet como a dos tempos atuais, nem redes sociais. Se houvesse, certamente, o flagrante (ou furo de reportagem) seria replicado pelos jornais portugueses. À época, as matérias eram redigidas em computadores com disquetes. E as fotos ainda iam ao laboratório do jornal para revelação a cor ou  em preto e branco. 

Por isso, no dia seguinte: a matéria e a foto colorida estamparam a primeira página do jornal. E os concorrentes levaram o furo de reportagem. 

Assim terminou a ida do presidente Mário Soares à ilha do Mosqueiro:  o primeiro e único (até os dias atuais) estadista europeu a visitar, almoçar caldeirada de peixe e tomar banho na praia da Murubira. E de lá saiu encantado.

E eu tive a felicidade de cobrir esse fato inédito na história do presidente português e à história de Mosqueiro, também inicialmente colonizada pelos portugueses da equipe  de  Pedro Teixeira, o desbravador português que também capturava índios amazônidas para o trabalho escravo. 

O presidente português, ao contrário de seu patrício, distribuiu simpatia aos mosqueirenses.

Por hoje, fico por aqui. . A próxima crónica histórica, ainda na sequência da visita do presidente Mário Soares, será dedicada à visita dele à basílica de Nazaré e o desejo de conhecer um pouco das belezas da ilha do Marajó.

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Océlio de Morais
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