A palavra liberdade, ultimamente em vários círculos e instituições sociais, têm circulado de boa em boca nas redes sociais. Tema vibrante — como é natural que seja pela sua natureza e pela sua imprescindibilidade para a vida humana e para a normalidade das coisas nas sociedades verdadeiramente livres e democráticas — também chama a atenção pelas diversas perspectivas como é compreendida, interpretada e justificada. conforme as ideologias políticas dos grupos sociais,.
Este breve ensaio se dedica a uma reflexão sobre a liberdade no pensamento do filósofo Gibran Khalil Gibran, ou simplesmente Khalil Gibran — o poeta libanês nascido ao pé de uma montanha na aldeia do Mutassarifado do Monte Líbano, a 6 de janeiro de 1883, então governada pelos Otomanos.
Ele tinha por costume iniciar seus ensaios poéticos quase sempre com o mesmo estilo simples e coloquial: “E então, um dos juízes da cidade se aproximou e disse. Fale-nos sobre o crime e o castigo: E ele respondeu, dizendo: (...)” ou ainda "E um orador disse: fala-nos sobre a liberdade. E ele respondeu: (...)”.
Gibran escreveu sobre os mais variados componentes da espiritualidade em vida e depois da morte, abordando temas como o amor e amizade; família e filhos; trabalho e lazer; alegria e tristeza; tempo e sabedoria; bem e mal, paixão e compaixão, lei, crime e liberdade.
Sua produção começa desde a infância, quando morava em Boston, nos Estados Unidos, para onde migrou aos seis anos de idade com família, depois do falecimento do pai (de quem herdou o nome Khalil) este, então tido como um homem de pouca instrução e que – como cobrador de impostos designado pela administração otomana local – depois foi investigado e preso por peculato devido ao desvio de impostos.
À época, e de início, seu estilo coloquial não foi bem aceito pela crítica literária, porque “não podiam ser confortavelmente acomodadas na tradição literária ocidentalal”, conforme relatam Bushrui e John M. Munro.
Na atualidade, notadamente a partir da publicação do livro “O Profeta, em 1923 — considerado sua magnus opus (a obra prima) e que aqui é tomado como a base referencial deste ensaio – Khalil Gibran é traduzido para 100 idiomas. E, no Brasil, da filósofa Lúcia Helena Galvão, recebeu o seguinte elogio no Prefácio da referida obra editada pe Anja Editora, com tradução Elisa Nazarian: “é original, uma obra atemporal e essencial” (..) l “a partir de uma visão simbólica que desvela aspectos pouco conhecidos da vida”.
De minha parte, como um de seus leitores do mundo ocidental aqui na Amazônia latino-americana, posso defini-lo como o “filósofo da simplicidade” – seus biógrafos dizem que ele não se identificava como filósofo – porque seu pensamento literário conversa espontaneamente com a filosofia e com a teologia. Mesmo sendo de origem árabe, ele também professava a fé cristã maronita.
Khalil Gibran não foi um ativista político – embora tenha reconstruído a Liga da Caneta em 1920, um movimento literário que reunia poetas e escritores de origem árabe – igual aos que o mundo atual está acostumado a ver, com ideologia panfletária e manipulatória do povo, porque sua visão quanto ao sentido da liberdade transcendia o desejo pelo poder.
Verdadeiramente, foi um poeta, escritor e filósofo sem nenhuma ambição política ou pelo poder.
Já bem conhecido pela produção literária nos Estados Unidos, boa parte da Europa e na comunidade árabe, e diante aos insistentes apelos de compatriotas para que retornasse ao Líbano para contribuir na resistência política do povo libanês contra o controle otomano, ainda no ano de 1908, ele responde "Eu poderia até liderá-los, mas eles não seriam liderados” (..) “Eu não sou um político e não seria um político", disse Gibran segundo Bárbara Young na biografia “The man from Lebanon: A Story of Kahlil Gibran”. A queda do império otomano em Beirute ocorreu após a primeira guerra mundial.
A fé cristã e o desapego ao poder político fizeram dele, na minha interpretação, o filósofo da simplicidade mas também “O Profeta", como é mundialmente conhecido pelas obras que falam com a sabedoria que decorre da liberdade espiritual e ainda do simbolismo mitológico na vida humana. Gibran, por conseguinte, não vê a liberdade como conhecimento objetivo, naquela perspectiva de Kant, como uma categoria da ciência racional (do Direito), mas como uma inerência da subjetividade sensível de cada Ser, capaz de entender a transcendência da liberdade à vida humana.
A liberdade gibsoniana tem um sentido transcendente do material para o espiritual, porque provoca e estimula não apenas a reflexão, mas também o agir concreto para a condição do Ser livre – aquela que transcende a liberdade como objeto material.
Disse ele, investindo-se no papel do sábio imaginário que conversa com qualquer um sobre as coisas da vida: “Na verdade, aquilo que chamamos liberdade é a mais forte dessas correntes, embora seus elo reluzem ao sol e lhe ofusquem os olhos”. Referia-se àqueles que pensam que são livres; porém, usam a “liberdade como a “canga” [uma chapa ou aparelho perfurado por buracos então usados para prender a cabeça e os braços de um condenado, acrescentei] e como “algema”, por isso sendo “escravos que se humilham perante um tirano e o leouvam embora ele os mate”.
Densa é a percepção filosófica nessa afirmação, a qual, por outras palavras, também pode ser interpretada assim: a liberdade é uma corrente, cujos elos (os sentimentos) integram a condição humana. A liberdade brilha porque é uma espécie de Sol que reluz [irradia] os objetivos e realizações transcendentais; mas que, se pensada, desejada e usada como uma ”canga e algemas”, ficará ofuscada aos próprios olhos, isto é, uma liberdade que, em si, não vê a verdadeira liberdade.
A liberdade é a verdade que liberta, assim pode ser dito, no pensamento deste poeta e filósofo do cristão maronita — pensamento bem conectado ao princípio da verdade libertadora preconizada por Jesus (Veja o meu ensaio Jesus e a liberdade).
A “canga e as algemas” que perdem ou promovem a liberdade são, nas palavras de Gibran, “todas as coisas que estão entrelaçadas no interior: o desejável e o temível, o repugnante e o adorado, aquilo que buscam e aquilo do qual procura fugir” – coisas “que se movem no interior [do indivíduo, acrescentei] como luz e sombra em pares inseparáveis" e que revelam “o medo [ou felicidade, acrescentei] no coração”.
A liberdade também é, desse modo, uma espécie de coragem capaz de romper com as amarras do medo: “Serão de fato livres não quando seus dias transcorreram sem preocupação e sem noites sem dor”, disse ele, para arrematar: “Mas quando essas coisas cercarem suas vidas e quando você as suplicaram, nus e sem amarras”.
A súplica tem o sentido da oração que designa o desejo de conversão, orientada pelo espírito “nu”, isto é, livre das amarras, renascido na mentalidade espiritual e liberto do medo.
Em conclusão, no pensamento de Kahlil Gibran , a liberdade é um dom do enigma espiritual, que precisa ser descortinado com a pureza dos olhos da alma e vivida sem a canga e algemas que ofuscam a nobreza espiritual desse especial bem humano.
O Gibran faleceu aos 48 anos em em 10 de abril de 1931, vítima de cirrose hepática, no mesmo dia em que foi hospitalizado em Mamhattan nos Estados Unidos.
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