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O.J.C. MORAIS

OCÉLIO DE JESÚS C. MORAIS

PhD em Direitos Humanos e Democracia pelo IGC da Faculdade de Direito Coimbra; Doutor em Direito Social (PUC/SP) e Mestre em Direito Constitucional (UFPA); Idealizador-fundador e 1º presidente da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social (Cad. 01); Acadêmico perpétuo da Academia Paraense de Letras (Cad. 08), da Academia Paraense de Letras Jurídicas (Cad. 18) e da Academia Paranaense de Jornalismo (Cad. 29) e escritor amazônida. Contato com o escritor pelo Instagram: @oceliojcmorais.escritor

Um ex-presidente e um ex-governador reclamados

Océlio de Jesús C. Morais
(Memórias de quase um quarto de século da minha  magistratura narradas em  crônicas)
 
       Um deles foi governador, deputado federal, vice e presidente da República,  e também presidente do Congresso Nacional.  Um elaborador de leis e um homem público que conhece a alma  da política  de frente para trás e de trás para frente. 
 
O outro foi prefeito,  governador, senador  e candidato a vice-presidente da República.  Também um escriba letrado das leis .
 
         O primeiro - admirado por Jorge Amado (o filho ilustre de Itabuna, um dos nossos mais famosos e traduzidos escritores do Século XX) - é um dos romancistas relevantes da língua portuguesa. O outro, que também tinha poesia na palavra, também contribuiu às ciências da saúde, como médico que foi.   Ambos  são alma mater  das universidades federais de seus respectivos Estados.
 
Dois homens públicos exponenciais  que, cada um do seu modo, têm os seus nomes perpetuados na história brasileira. 
 
Mas quem imaginaria que um ex-presidente da República e um ex-governador, e ambos legisladores,  pudessem ser reclamados na Justiça do Trabalho?  Se  partirmos do princípio de que ninguém está acima da lei, a resposta está dentro da lógica corriqueira das coisas humanas.
 
Dentre as milhares que já julguei nesse meu quase um quarto de século de magistratura, essas duas reclamações trabalhistas têm um ponto comum que,  embora esses dois homens públicos tenham sempre estado em campos opostos da política, alimentaram minha admiração por eles:  a simplicidade como se comportaram diante das partes reclamantes e o respeito que  honraram ao julgador, dois valores que, na complexa atualidade, são cada vez mais raros nas relações processuais. 
 
Ali eles estavam como reclamados, condição que ninguém quer ou imagina estar algum dia . E como reclamados, os dois não bravatearam nenhuma prerrogativa de ex-governantes, como sói acontecer em situações outras.  
 
O ano era 2009. Como juiz titular, estava na jurisdição numa das Varas do fórum trabalhista da única cidade brasileira cortada meio a meio pela linha do Equador: Macapá,  capital do Estado do Amapá,  localizada  no  litoral do  majestoso Amazonas, o maior rio do mundo, que nasce  Apurímac na parte ocidental da majestosa Cordilheira dos Andes, no Peru, percorre com outros nomes outros países da América Latina  e, por Manaus, entra no Brasil como Solimões, vem singrando a floresta e chega no Pará como rio Amazonas até se encontrar com outro Titã das águas, o oceano Atlântico.
 
Com domicílio e residência em Macapá  -  depois da mudança do domicílio eleitoral do Estado do Maranhão ao Estado do Amapá - eis que o então presidente do Senado Federal, José Sarney, aparece como reclamado num processo trabalhista. 
 
Dois anos depois, agora, em 2011, mas já na investidura jurisdicional de uma das Varas do fórum de Ananindeua, ocorreu outra reclamação, desta feita  tendo como reclamado o ex-governador  Almir Gabriel.
 
A incoincidência foi apenas temporal, porque coincidentes eram as pretensões das duas ações trabalhistas: reconhecimento de vínculo de emprego doméstico, pagamento de verbas rescisórias e recolhimento de contribuições sociais, embora tenham sido patrocinadas por advogados diferentes. 
 
Em Macapá, o ex-presidente da República recebeu a notificação do Oficial de Justiça com a simplicidade de um cidadão comum, embora surpreso com a ação. 
 
O Oficial de Justiça atestou, na certidão, que o reclamado deu-se por notificado e que iria comparecer pessoalmente  à audiência, dispensando a nomeação do preposto, de que trata o parágrafo 1º, Art. 843 da CLT.
 
Em Ananindeua, o ex-governador e ex-senador compareceu pessoalmente, sem nenhuma segurança, ao contrário de alguns ex-governantes que não abrem mão desse tipo de regalia e de outros privilégios. 
 
Se por trás da causa trabalhista de Macapá havia ou não um objetivo de notoriedade por causa do importante personagem republicano como reclamado, confesso que não sei dizer. 
 
Mas, de cara, deu para ver que naquela ação trabalhista houve um equívoco.  Patrocinado por advogado, o reclamante queria ser declarado empregado da pessoa natural, o cidadão José Sarney.  No entanto, a narrativa da ação dizia que o reclamante era empregado doméstico na casa institucional do Senado Federal em Macapá, tendo salários pagos mensalmente pelo órgão federativo. 
 
Já na reclamação trabalhista contra o ex-governador, a empregada doméstica trabalhou mesmo na residência familiar e para a família, sem nenhuma relação com a governança estadual.
 
A reclamação trabalhista contra o ex-presidente da República não chegou a ser julgada em seu mérito, sendo extinta sem resolução do mérito. Houve desistência da ação.
 
Na ação trabalhista de  Ananindeua, o ex-governador, mas ali cidadão Almir Gabriel, não estava acompanhado de advogado. E sem contestar nenhum dos pedidos da reclamação trabalhista, celebrou um acordo judicial, que o pagou integralmente em única parcela, bem nos termos do pedido. 
 
Disse-lhe que deveria assinar a CTPS da ex-empregada e recolher as contribuições sociais. E assim foi feito, regiamente.  
 
O ex-governador faleceu  aos 80 anos, no dia 19 de fevereiro de 2013. Nascido em 24 de abril de 1930, José Sarney (91 anos), o 31º presidente republicano brasileiro, ainda continua enriquecendo a cultura brasileira com suas 121 obras literárias-ficcionistas. 
 
Nas duas reclamações - que em números poderiam ser tidas como outras quaisquer dentre as que tive a responsabilidade de julgar - deu para perceber dois homens públicos  que não perderam a essência da simplicidade,  da humildade e nem consciência cidadã em relação ao direito do outro.
 
Certamente também por essas qualidades, Sarney foi escolhido alma mater da Universidade Federal do Maranhão, seu Estado de origem.  E Almir Gabriel foi merecidamente escolhido o alma mater da Universidade Federal do Pará, o que o perpetuou como homem das ciências, além de efetivar naquele processo trabalhista, em caso pessoalíssimo, aquilo que incluiu no título da ordem social  como relator da Constituinte de 1987-1988: “A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.”
 
E José Sarney, só para recordar:  até hoje é o único presidente brasileiro que não recebeu o cargo e a faixa presidencial do antecessor, o então presidente João Baptista de Figueiredo, o último general militar  da série que começou em 1964. 
 
A atitude do ex-general-presidente  ficou para a história sob duas interpretações: às interpretações contrárias ao regime  militar,tratou-se de um gesto antidemocrático. Mas, para a biografia do ex-general-presidente, o gesto simboliza para a história a ruptura definitiva com o regime militar. Sarney tomou posse na Presidência da República no  dia 15 de março de 1985. 
 
No processo trabalhista, o reclamado José Sarney não arrotou arrogância, conduta que confirma sua estatura de estadista  e de homem imortalizado por 121 livros  publicados e pelas letras em três academias literárias:  a Brasileira de Letras, a Academia de Ciências de Lisboa, e a Academia de Letras de seu Estado.
 
José Sarney e Almir Gabriel, políticos de ideologias opostas, mostraram nesses dois processos trabalhistas que  não estavam acima da lei, mas  submetidos aos ditames da lei.
 
Um reconheceu a omissão trabalhista. E a corrigiu honrosamente. Outro, embora  indevidamente reclamado, não resistiu à intimação da Justiça e foi plenamente colaborativo. 
 
Ambos se submeteram à lei e  respeitaram a  Justiça. 
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Océlio de Morais
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