Quero reapresentar ao leitor um tema que considero de grande relevância para melhor entender a relação entre a razão da lei e a Justiça.
No ensaio filosófico "Humanista'': e depois de ..”, que publiquei em 2021 pela editora Alteridade (Curitiba/PR), abordei o tema das simbologias da Justiça, a partir da perspectiva mitológica e passando pelas regras e princípios éticos e morais para demonstrar uma ideia filosófica sobre a Justiça.
Os símbolos da Justiça, além das origens mitológicas, guarnecem um ideário filosófico.
A estátua condensa, em si, três culturas antigas que atravessaram milênios, e querem unificar um sentido ou ideia se Justiça para a humanidade.
Nos olhos, uma venda, a deusa Diké se apresenta como a Iustitia romana, aquela que é imparcial. Maat , a egípcia, com espada na mão direita, oferece a ideia da Justiça forte e honrada. E Themis com a sua balança traz a ideia da deusa do equilíbrio e da pacificação das discórdias - ela colocava entre os deuses gregos no Olimpo. Tudo isso compõe a ideia filosófica da Justiça: aquela estátua de uma mulher quer dizer essencialmente que a Justiça nunca deve ser parcial, mas eternamente honesta e justa.
Os filósofos sabem, e quem gosta de filosofia tem alguma ideia básica, que a filosofia vai muito além do modo particular de pensar, mas também é uma concepção relativa às regras ou princípios relativos à vida prática.
A partir das regras e princípios éticos e morais, a filosofia busca entender e desvendar a condição humana inserida na realidade complexa. Por aí já dá para entender que a filosofia faz radiografia humana à luz da razão.
Isso me autoriza a afirmar – muito embora de modo geral passe despercebido das decisões judiciais – o espírito de uma lei tem, filosoficamente, por finalidade a busca da razão (ou Direito).
Logo, temos outra questão de natureza filosófica: a Justiça virtuosa montesquiana – “la bouche de la vérité” (a boca da verdade) – deve ser a busca incessante da razão, o que leva à conclusão lógica: a Justiça deve julgar pelo Direito.
Mas, minhas experiências na magistratura conduzem à visão da realidade do que é a Justiça trabalhista nesse torrão amazônico: uma Justiça tendencialmente pró-trabalhador, confundindo-se, às vezes, com ideologismos que refogam à razão do direito.
Por muitas vezes, quando desafiado às decisões complexas, sempre refleti que isso tem representado a superação da máxima latina segundo a qual “ratio est lex anima” (A razão é a alma da Lei).
De modo simplificado isso pode ser traduzido assim, numa perspectiva filosófica: a lei, que deve ser aplicada em benefício daquele tem a razão (ou o Direito), nem sempre alcança a complexidade do fato, e, como consequência, a decisão judicial acaba ganhando contornos políticos .
Isso pode ser identificado, por exemplo, nas ações e decisões judiciais relativas aos processos coletivos e nas decisões sobre combate, eliminação e controle do trabalho análogo à condição escrava na Amazônia ou, ainda, em ações ambientais específicas ao meio ambiente do trabalho digno e seguro.
Logo, mais especificamente aquele espírito normativo inserto no vigente artigo 1º da Consolidação das Leis do Trabalho – “ Esta Consolidação estatui as normas que regulam as relações individuais e coletivas de trabalho” – não tem sido suficiente como critério normativo para resolver as especificidades jurídicas das novas modalidades de relações de trabalho.
Então, essa questão leva à outra: as leis devem ser mudadas ou primeiro a mentalidade (do legislador) deve ser mudada e depois as leis?
Se a lei é o meio pelo qual os juízes devem resolver todos litígios humanos, e se a justiça deve decidir pela razão, nem as leis e nem as decisões judiciais devem ser ideologizantes.
Decisões judiciais que ignoram a razão como alma da Justiça criam, por natureza, mais dissensos e conflitos sociais, à medida que geram discriminações entre as pessoas.
A razão como alma da lei exige adequação à realidade de seu tempo, condição que vivifica a ideia da Justiça com a sua venda nos olhos, a sua espada e a balança.
Por outras palavras: é a Justiça que decide pelo Direito e não pela ideologia, pois a lei deve ser a certeza da igualização de direitos, nunca discriminatória da razão da Justiça.
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