Thomas Morus e as liberdades Océlio de Morais 23.02.21 8h00 - Atualizado em 23.02.21 11h00 Escritor, filósofo e advogado, autor de 23 obras, o londrino Thomas More (07.02 .1478 a 06.06.1535) contribuiu decisivamente - bem antes da Declaração Americana (de 1787, ratificada em 1788) e da Declaração francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789)) - ao reconhecimento das liberdades como direitos fundamentais segundo as denominamos na atualidade. As convicções de Thomas More eram sólidas. Por se recusar a assistir a coroação de Ana Bolena, por se negar a declarar publicamente fidelidade a seus descendentes, por não reconhecer o Rei Henrique VIII, (de quem, curiosamente, fora conselheiro particular) como líder supremo da Igreja Anglicana, More foi condenado à decapitação em praça pública e teve a cabeça exposta por 30 dias na ponte de Londres. Essas atitudes de Thomas foram interpretadas pela Igreja Católica como fidelidade ao catolicismo e de luta em defesa da liberdade individual contra a opressão e arbítrio do poder do Estado. Por tudo isso, e pelo conjunto de sua obra humanista, Thomas More foi canonizado “Santo Tomás Moro” em 13.05.1935 pelo Papa Pio XI, pontífice autor de várias encíclicas, dentre outras, as de caráter teológico-político-social: A educação cristã da juventude, 1929; A crise econômica, 1941; A Igreja e o Reich alemão, 1937. Adoto para este breve ensaio filosófico sobre o valor da liberdade no pensamento e na vida desse filósofo, na sua mais importante obra, “Utopia”, escrita em 1516 (quando o Brasil colônia ainda era adolescente), onde lança ideias sobre a melhor forma de Estado, a melhor forma de uma República e a proposta da nova ilha Utopias, esta, modelo que seria o “lugar de nenhum lugar”, tendo como base uma espécie socialismo econômico . Mas, o ensaio não cuidará desse modelo de Estado, nem da República baseados no socialismo econômico. O filósofo londrino não discorreu topicamente sobre a liberdade, mas a invocou para diferentes situações daquele ambiente sócio-político-religioso do regime absolutista inglês do início do século XVI. Assim, é deste ensaio a ideia de compreender o "espírito" da liberdade no pensamento de Thomas More, agrupando-a por tópicos classificatórios. O livro "Utopia" não é, portanto, um ensaio, nem tratado sobre o regime de liberdade na monarquia inglesa do início do século XVI. Consiste numa crítica ao regime daquela decadente Inglaterra feudalista, marcada por injustiças e misérias do povo, enquanto a realeza, a nobreza e o clero eram os detentores de grandes propriedades e riquezas públicas e privadas. As referências e a utilização da palavra liberdade, em “Utopia”, são pontuais, atreladas às situações concretas que o advogado, escritor e filósofo observava ou vivia. Na composição de suas frases, para a liberdade - sempre tomada como sujeito - aplicava um predicado (um complemento), conferindo-lhe um significado apropriado ao fato sob observação. De modo exemplificativo, na obra, encontra-se o uso da palavra liberdade com diferentes sentidos, os quais - a par das classificações teóricas atuais acerca dos direitos fundamentais - foi possível agrupá las com a seguir: 1. Liberdade como direito de expressão: “liberdade de palavra”, “liberdade de interpretação da lei''. Elas foram utilizadas em situações que se discutia o alcance e o sentido das leis e sobre a autoridade legítima para aplicá-la. 2. Liberdade com sentido de opção religiosa: “liberdade religiosa", ``liberdade de consciência e de fé”. No tópico “Das religiões de Utopias”, Thomas More invoca essas liberdades ao criticar o rei Henrique VIII, que se autoproclamou o chefe da Igreja Anglicana, criada a partir da ruptura com a Igreja Católica, que não reconheceu o divórcio do monarca com Catarina de Aragão. Por considerá-lo o maior tirano religioso do século XVI - portanto, o tirano das liberdades religiosas - More não o reconheceu como líder absoluto da Igreja Anglicana e foi condenado à morte. O tempo encarregou-se de dar razão ao filósofo, a respeito do espírito tirânico do monarca. O livro “As seis mulheres de Henrique VIII”, da escritora Antonia Fraser, narra que das 6 esposas do rei (Catarina de Aragão, Ana Bolena, Jane Seymour, Ana de Cleves, Catarina Howard e Catarina Par) duas delas foram decapitadas, acusadas de adultério ou conspiração: Ana Bolena e Catarina Howard. O tempo continua dando razão a Thomas |More. Aquilo que pensava e dizia de Henrique VIII, agora também no século XXI foi confirmado: em 2015, a Associação dos Escritores Históricos do Reino Unido o considerou o pior rei de todos os tempos da história inglesa. Sua biografia narra que – sem poder ficar de pé e nem se locomover – morreu em 1547, aos 56 anos, com furúnculos cheios de pus pelo corpo e pesando 200 quilos. Na “Utopias” (sua cidade-estado ideal) cada cidadão tinha inteira “liberdade de consciência e de fé”, escreve More, criticando que Henrique VIII, “assim que se viu vitorioso e dono do país (...) não “proscreveu [não proibiu, acrescentei] “o proselitismo, que propaga a fé pelo raciocínio, com doçura e modéstia; que não procura destruir pela força bruta a religião contrária, quando não consegue persuadir; que, finalmente, não emprega a violência nem a injúria.” O proselistimo , relativo à religião, traduz o esforço permanente e contínuo para converter pessoas (ou o povo) à determinada religião., contrariando, desse modo, a libre escolha do indivíduo. 3. Liberdade como direito político: “liberdade de resistir". A liberdade de resistência (individual ou coletiva ou civil) contra a tirania e a opressão - que bem mais tarde aparece no Art. 1º da Declaração francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (1769) - não é abordada com essa denominação em “Utopia”. More, no título dos “Magistrados”, invoca as instituições (o senado e as assembleias do povo) para “impedir o Príncipe e os ‘Traníboras’ de conspiraram juntos contra a liberdade, de oprimir o povo com leis tirânicas e de mudar a forma do governo.” Tratava-se, por conseguinte, de uma direta defesa à liberdade de resistência contra as leis tirânicas e contra os desejos do príncipe em mudar a forma de governo. “Traníboras” eram os “protofilarcas”, chefes das famílias nobres, de onde eram escolhidos os magistrados 4. Liberdade com sentido filosófico-teológico: “esperança da liberdade”, “liberdade de escolha", “perda da liberdade”. Os termos são usados quando Thomas analisa a condição escrava no feudalismo inglês, apontando a liberdade como esperança ou como uma espécie de felicidade, sendo que “a liberdade transforma o mal em bem”. 5. Liberdade contra a censura e como direito social: “liberdade ao trabalho”. Inimaginável falar em direito ao trabalho digno, muito menos em “liberdade ao trabalho intelectual”, naquele ambiente feudal, como o faz Thomas More em “Utopia”. Além de defender a liberdade ao trabalho intelectual (isto é, resistência contra censura), o filósofo também pedia a implementação de “uma educação liberal a todas as crianças” e o “descanso, ao trabalho e à fadiga” para os trabalhadores. Esse plexo de concepções acerca da liberdade, que se apresenta como uma semente projetando um regime mínimo de liberdades, atesta que Thomas - amigo especial de Erasmo de Roterdam, de quem recebeu a exclusiva dedicatória (“Estás acima de muitos homens...”) no livro “Elogio da Loucura” - estava à frente de seu tempo, quanto ao sentido e ao alcance do valor da liberdade, bem assim quanto à necessidade de testemunhá-la na vida do povo de sua época. Isso é bem significativo para a consagração filosófica das liberdades humanas. Aliás, observemos que a histórica Bill of Rights inglesa (Declaração de Direitos) - que limita a intervenção da Coroa no Parlamento, reconhece liberdades civis e reprova punições cruéis - é aprovada apenas no século XVII (no ano de 1689), enquanto More já desafiava a Coroa e a nobreza inglesas, especialmente com a cidade-estado de “Utopias”, onde havia liberdade, igualdade e felicidade. Nos dias atuais, infelizmente, são identificadas sociedades e instituições, que ainda não incorporaram o verdadeiro espírito humanitário das liberdades em seu corpo social, e disso gerando desvios e abusos de toda natureza. A liberdade no pensamento de Thomas More queria tornar real a igualdade entre as pessoas - liberdade e igualdade defendidas como requisitos necessários à felicidade na “Utopias”. Assine O Liberal e confira mais conteúdos e colunistas. 🗞 Entre no nosso grupo de notícias no WhatsApp e Telegram 📱 Palavras-chave colunas océlio de morais COMPARTILHE ESSA NOTÍCIA Océlio de Morais . 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