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O.J.C. MORAIS

OCÉLIO DE JESÚS C. MORAIS

PhD em Direitos Humanos e Democracia pelo IGC da Faculdade de Direito Coimbra; Doutor em Direito Social (PUC/SP) e Mestre em Direito Constitucional (UFPA); Idealizador-fundador e 1º presidente da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social (Cad. 01); Acadêmico perpétuo da Academia Paraense de Letras (Cad. 08), da Academia Paraense de Letras Jurídicas (Cad. 18) e da Academia Paranaense de Jornalismo (Cad. 29) e escritor amazônida. Contato com o escritor pelo Instagram: @oceliojcmorais.escritor

Thomas Hobbes e a liberdade

Océlio de Morais

Tenho uma curiosidade reflexiva e quero compartilhar com o leitor neste ensaio sobre a liberdade no pensamento de Thomas Hobbes, o inglês  nascido em 1588, exatos 88 anos depois da descoberta do Brasil: se  Hobbes tivesse sido um republicano, e não um  monárquico-absolutista, como será que conceberia o direito à liberdade dos cidadãos na sociedade atual?

A curiosidade parte do pensamento do inglês sobre o controle da liberdade dos súditos na monarquia, limitação então defendida por aquele  filho de pastor anglicano que, aos 15 anos, ingressou no ensino superior da Universidade de Oxford e, aos 54 anos ,escreveu o livro “Cidadão” em defesa do absolutismo, publicado pouco antes da Guerra Civil de 1642.

Um parêntesis histórico necessário: por causa deste livro, Hobbes  teve a liberdade restringida em seu país, sendo exilado  a  França, que à época também vivia a monarquia  de Luís XIII e ainda estava bem longe da revolução (1789-1799) que rompeu com o absolutismo francês e adotou os princípios iluministas da Liberté, Égalité, Fraternité.

Antes da revolução, o poder do monarca era absoluto: reinava e governava.  Depois dela, o Rei (ou a Rainha) passam a ser representações do Estado: reinam,  mas quem governa é o primeiro-ministro. Fecho o parêntesis e retomo a ideia motivadora deste breve ensaio.

Thomas Hobbes Malmebury (era o seu nome completo, mas ele assinava apenas com a abreviatura Tho. Hobbes) era absolutista por convicção políitica e pela história de vida: sua biografia narra que, na infância e na adolescência, testemunhou as ameaças da invasão da Inglaterra pelo Império Espanhol, na época em que a  Inglaterra do século XVI era governada pela  dinastia da família Tudors.

E, já filósofo e cientista político,  foi professor particular de filhos de famílias nobres tendo, aliás, dedicado “Leviatã” ao  nobre inglês (Sir. Francis Godolphin De Godolphin), com a expressa frase: “Ao meu estimado amigo” e ao qual expressou gratidão pelo apoio aos estudos e de quem se declarou  um  “mui humilde e mui obediente servidor”.

Em Leviatã,  escrito em 1651, quando ainda estava no exílio, Hobbes adota a teoria contratualista (o pacto social entre o soberano e os súditos  como condição da paz civil) e volta a defender a monarquia como o regime capaz de controlar e combater o  Estado da natureza primário.

O Estado da natureza primário era caracterizado pelo Estado de guerra, “onde nada de bom pode surgir (...)  onde não existe espaço para a sociedade, só medo contínuo e perigo de morte violenta”, conforme se observa na Parte 1, que aborda  “A Respeito do Homem”. Um estado de guerra  onde “todo homem é inimigo de todo homem” , isto é,  o homem é o lobo do homem, afirma Tho. Hobbes no Capítulo XIII (Da condição natural da humanidade relativamente à sua felicidade  e miséria),  onde todos os homens estão contra todos.

Nesta obra, o já filósofo  e cientista político, Hobbes  dedica o  Capítulo XIV (Da primeira e segunda leis naturais e dos contratos), o Capítulo XXI (Da  liberdade dos súditos) e o Capítulo XXIX  (Das coisas que enfraquecem, ou levam à dissolução de um Estado) para tratar sobre a liberdade.

No Capítulo XIV (Da primeira e segunda leis naturais e dos contratos), Hobbes  reconhece que  a liberdade é um “direito natural do homem”, o qual pode usá-la  “para a preservação de sua própria vida”.

Porém, mesmo no sentido de que a liberdade traduz, em sentido geral, “ausência de impedimentos externos à liberdade”, ao mesmo tempo, Hobbes pondera que a “lei de natureza (lex naturalis)”, estabelecida pela razão, controla a liberdade. 

Além disso,  ao distinguir direito da lei, destaca que ambos  regulamentam a liberdade natural: a lei de natureza (lex naturalis) proíbe o homem fazer tudo o que possa destruir sua vida ou privá-lo dos meios necessários para preservá-la, sustenta Hobbes, para distinguir o direito da lei:  “o direito consiste na liberdade de fazer ou de omitir, ao passo que a lei determina ou obriga a uma dessas duas coisas..”

O direito como liberdade é o reconhecimento de que a liberdade é inerente à condição humana, enquanto que a lei é a norma (a regra)  que disciplina o direito natural à liberdade. 

E a aparente ideia de que a liberdade, como direito natural, é ilimitada  e se localiza apenas no campo da ontologia do Ser, por força do livre arbítrio, a rigor, isso ocorre pela necessidade da preservação da liberdade do outro,  caso em que a lei controla e regulamenta as liberdades. 

No Capítulo XXI (Da  liberdade dos súditos), Hobbes retoma a ideia da liberdade como direito natural, mas para acrescentar que o homem que extrapola esse direito, é um homem que  “não tem liberdade de ir mais além'', porque, a lei  (O Estado, O soberano) regula o gozo à liberdade.

Entende-se  que igual era a liberdade natural apenas entre os súditos, porque “a liberdade é uma necessidade humana”, mas era desigual entre soberanos e súditos,  pois Hobbes afirma que a liberdade como direito natural não suprime,  nem limita o poder ilimitado  de vida ou morte como poderes reconhecidos ao soberano.

Por essa percepção hobbesiana, penso que é possível afirmar  que o pacto pela paz civil em oposição ao Estado de guerra não consiste, a rigor, no direito à liberdade; mas, sim, no reconhecimento de que a liberdade natural do súdito era delimitada pelo soberano, à medida que, escreveu Hobbes, “Ninguém tem a liberdade de resistir à espada do Estado, em defesa de outrem, seja culpado ou inocente", isso porque “essa liberdade priva a soberania dos meios para proteger-nos, sendo portanto destrutiva da própria essência do Estado. “

Por outras palavras: o Estado, personificado no Monarca  concedia ou não o direito ao gozo  da  liberdade; permitia ou não a vida ao súdito. A recusa  em obedecer a soberania (ao poder do soberano), escreveu Hobbes, “prejudica o fim em vista do qual foi criada a soberania, não há liberdade de recusar, mas caso contrário há essa liberdade” (de aceitar a soberania).

No capítulo XIX (Das coisas que enfraquecem, ou levam à dissolução de um Estado), Thomas Hobbes fala das ameaças que podem levar à dissolução dos Estados soberanos, da falta de poder absoluto e da liberdade de disputar contra o poder soberano.

Tho. Hobbes escreveu que um Estado soberano era provido de “leis fundamentais e não fundamentais.” Aquelas obrigam os súditos “a sustentar qualquer poder que seja conferido ao soberano, quer se trate de um monarca ou de uma assembleia soberana, sem o qual o Estado não poderia subsistir”. E uma lei não fundamental “é aquela cuja revogação não acarreta a dissolução do Estado, como é o caso das leis relativas às controvérsias entre súditos.”.

Nessa perspectiva, a liberdade da soberania (ou a liberdade do soberano) era uma lei fundamental.  A liberdade dos súditos (como direito natural) não era fundamental, porque estava inserida dentre as  “controvérsias entre súditos.”

A ausência da lei fundamental ou a oposição à lei fundamental equivaleria à falta de poder do soberano e poderia  levar à dissolução do Estado.  Não havia, pois, a liberdade de reagir ou disputar contra o poder soberano.

Quando eu li a obra “Leviatã”, no ano de 1990, há apenas dois anos o Brasil República havia adotado a sua sétima e mais importante Constituição de direitos relativos às liberdades políticas, e civis.  Abro outro parêntese histórico necessário: Existem duas outras constituições, de produção externa, que foram adotadas pelo Brasil-colônia: a Constituição Hespanhola, de 1821, com um vigência de um dia na Colônia; e a Constituição do Reino Unidos de Portugal, Brasil e Algarves, de 1822, conforme já escrevi no livro Direitos Humanos Fundamentais e a Justiça Constitucional Brasil, conteúdo resultante da minha investigação de pós-doutorado no Ius Gentium Cambridge da Faculdade de Direito de Coimbra. Fecho o parêntesis. 

Quando li o Leviatã, não tive a preocupação em interpretar  e refletir sobre o sentido da liberdade  em cotejo com o regime da liberdade na Constituição recém promulgada. 

Então, voltando à pergunta inicial:  como Thomas Hobbes, na pós-modernidade no âmbito de um Estado Democrático de Direito, conceberia a liberdade dos cidadãos?

Por certo que o pensamento acerca da liberdade como concessão do soberano para legitimar o poder  monárquico não seria bem-vindo, por absoluta incompatibilidade com o sentido da liberdade como direito fundamental  que a humanidade construiu  no âmbito das sociedades democráticas. 

Mas, é possível que, se Tho. Hobbes fosse nosso contemporâneo, seria um filósofo positivista, daqueles que defenderia  que o Estado polícia deveria controlar  o regime das liberdades, considerando essas como concessões e não como conquistas históricas.

No Estado da natureza, a liberdade é uma promessa e recíproca igual limitação da liberdade, conforme se observa no  Capítulo XIV do Leviatã,  mas não se aplica entre soberanos e súditos, nem entre súditos e nobreza aristocrática, porém, aplica-se apenas aos iguais súditos.  Por isso, não há  exercício de liberdade (de reagir) em face do estado soberano.

Fragmento da ideia sobre a igual e recíproca limitação da liberdade na Constituição Federativa de 1988  está  inserida no Art. 5º, decorrente do princípio da igualdade destinado, por exemplo,  a assegurar a inviolabilidade ao regime das liberdades .

Reconhece-se e garante-se a liberdade como direito fundamental, mas não como direito do soberano, como exposto em Leviatã, porém, como essencial à vivência concreta dos direitos relativos à cidadania, sem a qual o Estado não seria democrático de Direito, mas, sim, um Estado que, embora assentado em lei, na prática seria um Estado de exceção das  liberdades. 

Contudo, a liberdade como direito fundamental na Constituição de 1988 também expressa que esse fundamento é válido e indispensável à própria existência do Estado-República, à medida que adota a  cidadania  e a dignidade humana, dentre seus fundamentos,  à construção da prometida sociedade livre e igual, justa e fraterna.

Para isso, na Constituição atual, é legitimado o regime das liberdades no Brasil, pelo menos sob a perspectiva da teoria republicana.

“Leviatã” retrata e defende os fundamentos do Estado absolutista. A Constituição de 1988 adota os fundmentos para a soeidade livre e igual, sem discriminação de qualquer natureza.  

Hobbes defendia “O contrato social como formação da comunidade humana que retira o homem de seu estado de natureza'' e, naquele contexto, ''A necessidade da monarquia para estabelecer a ordem entre as pessoas.” E a monarquia seria solução, enquanto  estado civil, à convivência pacífica, desde que  o homem abrisse mão da sua liberdade em reconhecimento ao soberano, caso em que seria possível  obter a paz civil.

À época de Leviatã, o “estado de guerra” dizia respeito aos conflitos e às batalhas bélicas pela conquistas e domínios dos territórios e dos espólios de guerra, e aumento do poder terreno dos respectivos monarcas.

Ali, o direito natural à liberdade era  uma promessa ou ilusão.

Na atualidade, as constituições democráticas são, em última análise, uma espécie de contrato jurídico, político e social entre o Estado-republicano democrpático e os cidadãos. 

Na denominada sociedade tecnológica, o “estado de guerra” se apresenta com diversas faces: as guerras das informações, as guerras das modificações culturais, a guerra das políticas ideológicas, todas alinhadas ao domínio do poder político-econômico em ambientes nacionais ou transnacionais.

Nesse contexto, de um modo geral, o direito ao exercício das liberdades (por exemplo,  de  pensamento, de informação e de expressão) pode ser vigiado, controlado  ou cerceado, conforme a ideologia dominante nas estruturas de poder e nas estruturas de comunicação da sociedade civil. 

Com isso, o prometido direito à liberdade de pensamento (sem patrulhamento ideológico), à liberdade de informação (sem manipulação)  e à liberdade de expressão (conforme os fatos) pode acabar sofrendo restrição ou violação, mesmo no âmbito  denominado Estado Democrático de Direito.

Em conclusão: num Estado republicano Democrático de Direito, o regime das liberdades não deve ser uma  conjectura, mas o seu verdadeiro fundamento de legitimação, do contrário os aparelhos do Estado o tornam absolutista, estabelecendo relações de coesão social à moda soberana e súditos.

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PS. Todas as crônicas, artigos e ensaios desta coluna podem ser utilizados para fins estritamente acadêmicos, desde que citado o autor, na seguinte forma (Océlio de Jesus Carneiro Morais (CARNEIRO M, Océlio de Jesus)....) e respectiva fonte de publicação. 

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