O.J.C. MORAIS

OCÉLIO DE JESÚS C. MORAIS

PhD em Direitos Humanos e Democracia pelo IGC da Faculdade de Direito Coimbra; Doutor em Direito Social (PUC/SP) e Mestre em Direito Constitucional (UFPA); Idealizador-fundador e 1º presidente da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social (Cad. 01); Acadêmico perpétuo da Academia Paraense de Letras (Cad. 08), da Academia Paraense de Letras Jurídicas (Cad. 18) e da Academia Paranaense de Jornalismo (Cad. 29) e escritor amazônida. Contato com o escritor pelo Instagram: @oceliojcmorais.escritor

Teoria do ser humano descartável

Océlio de Morais

Por diversas vezes, quando conversávamos sobre cobertura jornalística, ouvi do meu chefe de redação a frase em tom meio apoplética: “de insubstituíveis, os cemitérios estão cheios”. 

 Dos meus tempos de jornalismo em jornal impresso e televisão, positivamente ele foi uma escola completa de tudo aquilo que eu necessitava e  não aprendi no curso de jornalismo na Universidade, ambiente onde, já naquela época,  o ideologismo predominava em relação aos conteúdos técnicos e científicos  necessários para a formação de um  bom jornalista. 

Eu tinha a sensação que ele fazia a afirmação sempre para, como chefe de reportagem e como jornalista, me aprimorar cada vez mais no comando  e fosse  exemplo de responsabilidade aos demais repórteres para obterem sempre com primazia a informação, impondo, assim, aos concorrentes, os denominados “furos de reportagens”.  

Mas também recebia aquela frase com um alerta ou  aviso implícito: o de que ninguém é insubstituível nos seus  empregos, independentemente da função ocupada. Ou seja: como tudo tem o seu tempo e sua hora debaixo dos céus, tudo passa e  daí decorrendo  a substituição natural das coisas ou das pessoas.

Confesso que, por muito  tempo, de forma direta ou indireta, incorporei a frase à minha vida, tornando-a um vetor para –  nas minhas tarefas profissionais, com dedicação e responsabilidade –  procurar e fazer o melhor, dentro  das minhas condicionantes ou potencialidades técnicas. 

Com singeleza, posso dizer que se existe alguma fórmula de sucesso para as conquistas da vida, é lógico afirmar que a frase funcionou como estímulo aos meus objetivos profissionais, porque adotei a ideia sempre como oportunidade única – oportunidade que, se não se não fosse aproveitada, ela não se repetiria, afinal, cada oportunidade na vida é única .

Depois que conheci três obras do  neuro psiquiatra austríaco Viktor Emil Frankl  (1905-1997) –  “A presença ignorada de Deus” (1992), “Sobre o sentido da vida” (2022.) e “Em busca de sentido” (2029), seu best-seller  e  —  minhas reflexões chegaram à seguinte conclusão: a frase (“de insubstituíveis, os cemitérios estão cheios”)  também condensa, em si, aquilo que posso denominar de teoria do ser humano descartável, aquela que “ética” que concebe o ser humano como algo  descartável, considerando as possibilidades múltiplas que a sociedade fluída adota como critério seletivo da utilidade e da qualidade atribuída a cada indivíduo. 

Dela vou tatar estabelecendo paralelos com a assertiva de Viktor Emil Frankl, segundo a qual cada ser humano é único e insubstituível.

Um breve parêntesis: Impotente e  amargamente Frankl testemunhou, – e isso ele relata em suas obras – o  aboeto de seu filho forçado pelos nacisdtas, o assassinato de sua mãe na câmara de gás, a morte do pai por exaustão no campo de concentração  e a execução de sua primeira  esposa, uma jovem de 24 anos. E ele próprio esteve preso em quatro campos de concentrações como o  prisioneiro nº 119 104, no período de 1942 até 1945, até ser libertado pelas tropas Norte Americanas. 

Não é difícil imaginar o mundo destroçado de Viktor Frankl desabou. Por isso, como escritor, não consigo  escolher  palavra suficientememnte forte para traduzir a cruel saga real de sua família, a qual, por outro lado,   incrivelmente funcionou como  estimulo para  lutar pela sobrevivência na prisão, onde –  para registrar o que fosse possível –  subtraia papéis do escritório nazista no campo de concentração. 

Ele narra que, na prisão, sua mente o projetava  ao mundo,  para que todos conhecessem a verdade sobre as crueldades da ideologia nazista e seus métodos impiedosos e mortífeors  nos campos de concentração.. 

E foi a mentalização consciente que, segundo afirmou,  não o deixou perder a liberdade interior e vivenciar uma extraordinária  liberdade espiritual,  apesar da prisão física – liberdade espiritual a partir da qual entendeu que cada ser humano é, sim, insubstituível, tanto pelo o que faz ou pelo o que deixa de fazer; de modo certo ou errado, ético ou não ético. Frankl obteve o título de Ph.D  em Filosofia em 1948 com a tese “O Deus inconsciente”.  Ele faleceu aos 92 anos, reconstruiu as forças. Encerro o parêntesis.

É da ideia de liberdade interior ou liberdade espiritual  – Frankl afirma que esse tipo de liberdade ninguém pode retirá-la do ser humano – que advém a concepção do ser único e insubstituível. Por outras palavras,  o sentido único e especial de cada pessoa a torna insubstituível enquanto ser humano. 

Então, a percepção relativa ao ser único e insubstituível se contrapõe àquela outra (“De insubstituíveis, os cemitérios estão cheios”), visto que aquela realça a ontologia da pessoa humana, filosoficamente  considerada em si mesma, na sua essência única, enquanto que esta passa a ideia de que a pessoa é descartável, porque ser “substituível”. 

A teoria do ser humano descartável repousa na ideia da despersonalização  e da substitutividade das pessoas. 

Quando se fala que “ninguém é insubstituível”, a mensagem subliminar é a de que um indivíduo chega, passa algum tempo no local, faz alguma coisa e vai embora; outro chega para ocupar aquele mesmo espaço, fica algum tempo, faz alguma coisa e também vai embora, e, desse modo, as coisas  sempre vão se sucedendo.  

Um outro exemplo: quando um adoece, chama-se outro para o lugar e executar as tarefas;  ou  quando falece, lamenta-se;  mas, pouco  tempo depois, outra pessoa passa a ocupar aquele espaço, aquele lugar ou aquela função. 

Subliminarmente, nesse vai-e-vem, a ideia é a de que todas as pessoas são substituíveis, porque os lugares e os espaços precisam ser preenchidos numericamente para atender às diversas finalidades daquela instituição ou daquela empresa; daquela entidade civil ou daquela associação desportiva ou corporativa.

Um exemplo muito importante e significativo é a subestimação dos seres humanos na Era da Inteligência Artificial. Com o progressivo avanço tecnológico, tarefas antes executadas exclusivamente pelos humanos,   estão sendo realizadas pela Inteligência Artificial. O ser humano, para a Inteligência Artificial, é apenas um algorítmico;  portanto,  descartável e substituível por  outro algorítmico. 

Os avanços tecnológicos produzem massivamente dados globais sobre população, economia, meio ambiente, política, educação, comunicação, mas sempre apontando mais tecnologias como soluções dos problemas da vida pós-moderna, – tecnologias que representam ampliam a substituição dos humanos, nos  tornando mais e mais substituíveis e descartáveis.

O ideologismo que sustenta e alimenta o projeto da sociedade fluída – à medida que desmonta valores humanos tradicionais relativos à família, à biologia dos gêneros, às religiões e às virtudes éticas – como último objetivo também despersonaliza  a pessoa humana: ela passa a ser um objeto de manobra. Nesse sentido, a qualquer momento, o indivíduo pode ser descartável.

Sob a perspectiva da funcionalidade das coisas ou no sentido disruptivo da sociedade fluída, quanto pensamos numericamente o ser humano – logo, trata-se de uma situação difusa –  os indivíduos são substituíveis e descartáveis.

Por outro lado, considerando que a liberdade espiritual repousa na ideia de que cada ser humano é – em si e por essência naturalmente livre para fazer as escolhas —  é lógico considerar que as inúmeras possibilidades como ser humano são únicas para cada um individualmente. 

A vida possibilita (oportunidades) a cada fração de tempo e por todo o tempo da existência possibilita o que cada um vai individualmente desse tempo, segundo a segundo, minuto a minuto e hora por hora. 

E, desse modo, a totalidade do tempo  que temos é uma espécie de espera sobre como cada um (por si) projeta suas expectativas e como dará a resposta aos desafios e às oportunidades — tempo que é único para cada escolha e para a existência de cada indivíduo.

A vida é, nessa perspectiva, a soma do tempo da existência única de cada pessoa. E o passado, que constitui a história individual, se consolida como algo indissociável e insubstituível da vida de cada um.  É essa natureza única dentro do tempo também único que torna o ser humano especial e insubstituível. 

A teoria do ser humano descartável é inerente  às questões numéricas e funcionais típicas das relações humanas imediatas ou mediatas, enquanto que a  teoria do ser humano único e insubstituível é própria da natureza ontológica de cada ser, a qual o torna  específico, único, especial e insubstituível como ser humano. 

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ATENÇÃO: Em  observância à Lei  9.610/98, todas as crônicas, artigos e ensaios desta coluna podem ser utilizados para fins estritamente acadêmicos, desde que citado o autor, na seguinte forma: MORAIS, O.J.C.;  Instagram: oceliojcmoraisescritor

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