O.J.C. MORAIS

OCÉLIO DE JESÚS C. MORAIS

PhD em Direitos Humanos e Democracia pelo IGC da Faculdade de Direito Coimbra; Doutor em Direito Social (PUC/SP) e Mestre em Direito Constitucional (UFPA); Idealizador-fundador e 1º presidente da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social (Cad. 01); Acadêmico perpétuo da Academia Paraense de Letras (Cad. 08), da Academia Paraense de Letras Jurídicas (Cad. 18) e da Academia Paranaense de Jornalismo (Cad. 29) e escritor amazônida. Contato com o escritor pelo Instagram: @oceliojcmorais.escritor

Sociedade Líquida: Deus segundo a opção ideológica

Océlio de Morais

Na edição brasileira do livro “Se Deus fosse  activista dos Direitos humanos (2013) –  a obra analisa a concepção global da ideologia política dos direitos humanos, construída a partir do conceito hegemônica dos direitos humanos —   o escritor  Boaventura de Sousa Santos (1940) não esconde sua visão contra-hegemônica desses direitos e, em oposição,  defende ”teologias pluralistas e progressistas (...) como fonte de energia  radical para as lutas contra-hegemônicas dos direitos humanos”

Veja-se o raciocínio do autor:

— (...) Na lógica deste livro, se Deus fosse um activista dos direitos humanos, Ele ou Ela estariam definitivamente em busca de uma concepção  contra-hegemônica dos direitos humanos e de uma política coerente com ela  (...)”, escreveu, acrescentando que a concepção religiosa monoteísta em luta contra a concepção politeísta está associada à ideia de um Deus invocado pelos opressores em oposição ao Deus invocado pelos subalternos.

O escritor luso defende políticas e  “teologias progressistas e libertadoras, capazes de integrar nas lutas contra-hegemônicas contra a globalização neoliberal”, além de apontar  que  “(...) os direitos humanos são secularmente individualistas (...)”, hegemonia que, segundo  interpreta,  contribui à “fragilidade  dos direitos humanos enquanto gramática da dignidade humana”.  

A  “gramática da dignidade humana”, de que trata  Boaventura, não é à “gramática”  dos fundamentos de uma língua; mas, sim,  a  “gramática” relativa ao  conjunto de princípios  para identificação de novas experiências políticas, judiciais e epistemológicas, questões que, aliás, o escritor abordou em dois noutros livros: “A Gramática do Tempo - por uma nova cultura política”, editado no Brasil em 2008,  e "Para uma nova  revolução  democrática da Justiça” , edição brasileira  de 2015.

Sobre Deus como “activista dos direitos humanos”, Boaventura ressalta que a pergunta “Se Deus fosse um activista dos direitos humanos” é apenas uma “metáfora que só pode ser respondida metaforicamente”. A obra procura  identificar os principais desafios,  que, na perspectiva das novas teologias, são apresentados aos direitos humanos e, também, identificar as transformações sociais progressistas como uma modernização alternativa à sociedade.    

Vou aproveitar a ideia (“Se Deus fosse um ativista dos direitos humanos”) para oferecer outra reflexão, adotando para isso a seguinte pergunta:  ideologias ou teologias ditas “progressistas” podem colocar numa mesma cesta de valores a fé cristã  e as ideologias  políticas? .

A minha pergunta não se reveste de crítica às ideias de Boaventura,  afinal, o seu  ponto de vista está baseado na liberdade de pensamento, de expressão e  de comunicação  como  direito humanos individual e coletivo. E o que farei, também se baseia na  liberdade de pensamento e de expressão, inerente à  dinâmica das ideias (convergentes ou divergentes), sempre regido pelo grau máximo da respeitabilidade acadêmica de cada qual.  

Sou adepto das novas e boas ideias, mas não as tomo como simples construções de interesses ideológicos.   Por natureza, todo pensador é adepto e construtor de novas ideias.  Porém,  a questão, no fundo, é saber  o que contém o “pacote” e o objetivo das “novas” ideologias  que são apresentadas  como  “progressistas”. São idéias fluidas e disruptivas da sociedade como a conhecemos baseada nos valores cristãos e de outras  culturas religiosas ? 

Antes de emitir um contraponto em face das “novas” ideologias “progressistas”,  primeiro, faço uma ponderação sobre a observação de que os direitos humanos são “secularmente individualistas”.  Quero  pontuar que se a liberdade não fosse uma categoria individual dos direitos humanos  gerais —  portanto, um direito humano de origem liberal — o premiado escritor  português certamente não teria a  liberdade para expor e defender suas ideias.  

Portanto, e qualquer pensador tem consciência disso, foi a natureza  hegemônica secularmente consagrada à liberdade como direito autônomo e individual, com a progressiva proteção do Estado, que  lhe garantiu expor livremente seu pensamento crítico  acerca da secular concepção dos direitos humanos  como uma natural categoria individual da pessoa. 

Se não fosse o caráter autônomo e individualista das liberdades de pensamento, de expressão e de comunicação – isto é, liberdade como  direito humano  inerente à personalidade humana –  logicamente não teria liberdade para defender ideias, conforme  afirma, “progressistas e libertadoras, capazes de se integrar nas lutas contra-hegemônicas contra a globalização neoliberal”.

Neste particular, apresenta-se como um paradoxo a crítica em face da característica ou natureza autônoma e individual dos direitos humanos.  Mas também quero destacar – é disso bem o sabe o notável cientista político português –  o aspecto histórico das liberdades como um secular direito humano individual.

Não podemos  esquecer a historicidade dos princípios seculares da liberdade como direito humano individual, a partir da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) – declaração  que se opôs ao regime absolutista e plantou bases à revolução francesa (1789 - 1799)  e,  depois,  os  mesmos princípios relativos às  liberdades  foram ampliados na Declaração Universal  dos Direitos Humanos (1948), esta, como código universal contra os  regimes ditatoriais, despóticos e nazifascismo.

Então, precisamente por serem essenciais ao desenvolvimento integral da personalidade de cada indivíduo — assim como são fundamentais para a concepção coletiva, relativa à prevalência dos direitos humanos em oposição  às ideologias despóticas de quaisquer regimes políticos –  penso que a  desconstrução dessa natureza, pode submeter perigosamente os  direitos humanos às ideologias políticas fluidas e  líquidas,  aumentando, desse modo,  o grau de vulnerabilidade dos defeitos humanos.   

Fecho aqui o contraponto  sobre a observação do escritor português acerca dos direitos humanos secularmente individualistas.

Em segundo lugar, quero destacar que  a evolução das ideias é  – e sempre será – a força motriz do desenvolvimento das ciências. Logo, indispensáveis ao progresso científico da humanidade.  Assim, deixo bem claro que defendo o progresso das ideias e das ciências como critério para separar o “joio do trigo”, por exemplo,  separar os valores da fé Cristã do  problema  ideológico, este, manipulador e dominador das mentes incautas.

Então, a outra questão que desafia um ouro contraponto é relativa às proclamadas teologias progressistas. Essa questão precisa ser analisada na perspectiva da “modernidade fluida” para uma melhor compreensão dos seus propósitos ou objetivos. 

A modernidade líquida ou volátil  – o filósofo Zygmunt Bauman (1925-2017) utilizou a expressão para definir o mundo globalizado – provoca disrupção das  instituições seculares, enquanto  os seus respectivos valores  éticos  são progressivamente relativizados ou ignorados em todas as dimensões das relações sociais. Nesse contexto,  os indivíduos tornam-se cada vez mais vulneráveis aos processos “culturais” fluídos e imprevisíveis. 

A modernidade e a pós-modernidade (sociedade fluida), baseadas em  processos culturais líquidos, verdadeiramente,  aumentam o grau de insegurança social  e imprevisibilidade  quanto aos drásticos efeitos  disruptivos dos valores éticos. A  vulnerabilidade ética  é uma consequência desses processos e  também fragiliza a natureza e o conteúdo protetivo  inerente aos direitos humanos  individuais ou coletivos, à medida que a base dos direitos humanos é a ética, da qual emanam todos os demais valores ou categorias sociológicas e políticas relativas à incolumidade da dignidade humana. 

Um dos objetivos imediato e a longo prazo  dos processos culturais fluídos é demonstrar à sociedade  baseada no modelo da família  tradicional como a conhecemos, defendendo idéias (ideologismos) como meras expectativas de interesses e não como bases sólidas  para a edificação  dos bons valores sociais. 

 Neste modelo de relação social, não é raro identificar “novas” ideologias que relativizam  a  ética virtuosa  e colocam na prateleira  da “normalidade” o vício da corrupção em detrimento das virtudes tradicionais, como a ética, a honestidade e a justiça — virtudes que, todos sabemos, são as que verdadeiramente sustentam o ideário das sociedades sólidas, baseadas nos amplos valores da democracia .

São esses processos “culturais” fluídos e imprevisíveis, inerentes às ideologias disruptivas – logo, não  podem ser tidas como progressistas –  que misturam os valores e princípios da  fé cristã com  as coisas da política. 

Por isso, é  necessário fazer o crivo  entre o que de fato constitui novas ideias para o bom desenvolvimento da personalidade humana e o que realmente é a  ideologia disruptiva  fluida, a qual, por exemplo, geralmente sustenta a “teologia progressista” e também coloca na mesma cesta de valores,  a fé cristã e  a ideologia política. 

Esse embaralhamento torna tudo fluido.  Isso já é identificável  nos tempos atuais, ambiente onde  as coisas (nem sempre éticas) da política invadem perigosamente o campo especial das virtudes teologais da fé cristã. 

Nestes casos, Deus  é desqualificado como Divindade; é perjuriado por aquele que abdicou da crença e da fé; é reduzido  à condição de gênero sexual, dentre outras inomináveis e propositais desqualificações. Tudo isso pode ser visto abertamente nas gravações disponíveis  na rede mundial de computadores.

Boaventura assim descreve a questão das “teologias progressistas” em relação à fé cristã: 

– “De acordo com as teologias políticas progressistas, Deus está envolvido na história dos povos oprimidos  e nas suas lutas de libertação. No caso das teologias cristãs, a história de Jesus mostra como Deus se torna pobre e desprovido de poder para que os oprimidos possam se libertar a si próprios da pobreza e da impotência, A ressurreição de Jesus é apenas uma metáfora para a liberdade de lutar contra os opressores”.

Ora, somente mesmo uma ideologia disruptiva é capaz de reduzir a ressurreição de Jesus a uma metáfora de luta de classes.  Na minha percepção, este é um notório exemplo da pós-modernidade fluída  e disruptiva  em face do valor da fé e da religiosidade  Cristã

Isso decorre de  uma  evidente ideologia “progressista”, aqui também tomado o caso da sexualização de   Deus, o que é incompatível com a fé cristã e também com as outras confissões, que compreendem Deus como  Divindade incorpórea, imaterial e imortal.

Sendo Espírito fonte de Luz Eterna –  Aurélio Agostinho  de Hipona define Deus como a “verdade imutável”, sendo o “começo e o fim da vida humana”  – designar Deus como gênero (“Ele ou Ela”) é o mesmo que reduzi-Lo à  condição humana. 

Para os mais de 2,2 bilhões de pessoas que professam o cristianismo  – equivalente a um terço da população mundial – Deus não é “Ele ou Ela”.  Mas, Deus é  o Criador e Senhor da vida, a verdade espiritual que liberta;  por conseguinte, é o destino de toda evolução espiritual de cada ser humano.  Acredita nessa perspectiva quem tem fé! Quem não a têm, constrói ou adota ideologias — não as considero progressistas, mas disruptivas –  desse valor cristão. 

O reducionismo ideológico de Deus ao gênero humano ou à questão de politizá-Lo (“Deus dos opressores” e ao “Deus dos subalternos”),  também abre a perspectiva para a seguinte pergunta: Deus é uma apropriação ideológica das classes sociais (“Deus dos opressores” e ao “Deus dos subalternos”)?

Obviamente, a resposta é  negativa, porque Deus não está atrelado à ideologia disruptiva. 

Quando  Deus é  apropriado por ideologias vetoras  de luta de classes (Deus defensor dos “opressores” ou Deus dos “subalternos”),  por evidente,  afronta-se o ideário de Jesus: “Eu e o Pai somos um” para todos,  disse ele. Isto é, para todos aqueles que, independentemente da classe social,  decidam pelo livre arbítrio aceitar e colocar em prática seus ensinamentos.

 Aliás, o raciocínio (Deus segundo a opção ideológica) me faz lembrar a declaração do filósofo  Ludwig Feuerbach (1804-1872) – considerado um dos “cavaleiros do ateísmo”  ao lado de Karl MArx, Charles Darwin,  Sigmund Freud  e Friedrich Nietzsche —  para quem o “Deus cristão é a própria idealização do homem projetada na ideia de Deus”, isto é, a ideia de que “O homem cria Deus para ser o sapientíssimo de todas as qualidades que gostaria de ter e não tem”.

Então, a lógica do ativismo político na ideia (metafórica ou não) "Se Deus fosse um activista dos direitos himanos”,  pode ensejar outra afirmação lógica:  se Deus  fosse um ativista dos direitos humanos, realmente não seria Deus! Seria um político, mas um  político ativista das ideologias contra-hegemônicas dos direitos  humanos.  

E Deus como um ativista contra-hegemônico dos direitos humanos  seria tão falível e mortal como todo ser humano. Bem,  pelo menos é o que a ideia de Deus como um ativista deixa transparecer, o que consistiria na negação da existência Divina. 

E no que se refere à sexualização de Deus contida nas ideologias volúveis da sociedade fluída, claramente tem-se não apenas um exemplo do que seria uma ideologia  “progressista” disruptiva, mas também indica com clareza uma ideologia que se opõe à fé cristã, a fé  daqueles mais 2,2 bilhões de pessoas.

Mas, Deus não é humano, não é gênero (homem ou mulher).  Nas palavras de João (1,1), “Deus  é o Verbo vivo”. E Jesus, na sua condição de homem histórico – corporifica em  sabedoria a imagem do Deus invisível (Cl, 1.15).  Isso significa que Deus não depende de qualquer causalidade ou efeito. Ele simplesmente é o “Verbo vivo”. 

Em si, a expressão das  ideias  –  concordemos ou não com elas – são importantes para estimular outras ideias e tantas outras novas ideias. Elas são importantes (e não podem ser cerceadas) , pois elas têm  por missão –  para usar a frase de Boaventura no prefácio do livro “Se Deus fosse um activista dos  direitos humanos “ – de  anunciar um novo ser humano e de vida em sociedade”.

Esse “novo ser humano” e  “nova vida em sociedade”,  a partir de novas ideias políticas,  podem enriquecer o pensamento. Mas, desde que   as novas ideias sejam portadoras de princípios éticos sólidos, capazes de contribuir para a elevação da dignidade humana por todas as perspectivas desejáveis do bem-estar material e espiritual, este, baseado na “Verdade invisível libertadora” (Jesus Cristo, o Verbo) dos vícios que corrompem a natureza humana.  

Antes de encerrar, ainda é preciso fazer outro destaque: Boaventura não coloca como sua primazia a ideia relativa “ao novo ser humano e de vida em sociedade”.

A primazia é de Jesus durante suas pregações:  a Carta aos Efésios (4,23-24) anuncia o homem novo, aquele que vive na justiça e na verdade: “Os discípulos de Cristo revestiram-se do homem novo, criado segundo Deus, na justiça e santidade da verdade.” E também conforme o apóstolo Pedro (1Pd 2,1) “o novo homem deve  rejeitar toda a maldade, toda a mentira, todas as formas de hipocrisia, de inveja e maledicência”.

Por outras palavras: a revolução que Jesus provoca com uma nova e extraordinária teologia é baseada nas virtudes, bem diferente da teologia “progressista” disruptiva e bem diferente das ideologias também disruptivas dos  bons valores sociais e dos  sublimes valores cristãos.

Esse paradoxo – novo homem anunciado por Jesus e o novo ser humano projetado pela ideologia fluída –  são incompatíveis em si. Na ideologia fluída reside o  perigo do  ideologismo  que   alimenta um tipo de sociedade cada vez mais fluida – idealismo reduz Deus à mera condição de gênero humano ou a um ativista político. 

Tais ideologias são capazes de destruir a esperança da fé cristã em Deus.  E, assim sendo, posso concluir: elas não podem ser consideradas ou elevadas à qualidade de novas ideologias progressistas, tampouco novas teologias libertadoras .

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ATENÇÃO: Em  observância à Lei  9.610/98, todas as crônicas, artigos e ensaios desta coluna podem ser utilizados para fins estritamente acadêmicos, desde que citado o autor, na seguinte forma: MORAIS, O.J.C.;  Instagram: oceliojcmoraisescritor

 

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