Tão antiga como atual, a antítese entre a simplicidade de alma e a opulência na riqueza material – podem observar – desafia o indivíduo a encontrar, por toda a vida, o equilíbrio necessário entre as duas. A antítese/desafio é, como condição humana – e esta é a tese que adoto para esta pensada – , a chave que abre a porta para viver com singeleza de alma ou para se afogar na arrogância material .
Epicuro de Samos – Samos foi a cidade grega onde nasceu no ano 341 a.C. – dialogava sobre a virtude com seus alunos da escola filosófica “O Jardim” em Atenas, cidade onde faleceu no ano 270 a. C.: “a verdadeira riqueza não consiste em ter grandes posses, mas em ter poucas necessidades”, escreveu Epicuro na “Carta a Meneceu sobre a felicidade”, também reiterando a mensagem nas cartas a Pítocles e a Heródoto.
Antes dele, Platão (428/7-348/7 a.C.) – Arístocles era o seu nome, general ateniense que lutou na guerra do Peloponeso e que se tornou conhecido como o filósofo, discípulo de Sócrates, o sábio dos sábios – na “Academia”, a sua escola filosófica, já debatia com seus discípulos, dentre eles, Aristóteles, sobre o tema.
Na obra “Apologia de Sócrates” — logo na Primeira Parte, onde Sócrates apresenta a sua defesa aos 501 jurados no Tribunal Ateniense, — a partir da defesa do filósofo, Platão destaca a virtude como a fonte e a origem de todas as demais riquezas, questão central na filosofia socrática, também adotada no platonismo.
— “(...) a virtude não nasce da riqueza, mas da virtude vem, aos homens, as riquezas e todos os outros bens, tanto públicos como privados”, relata Platão, na página 17 da referida obra. Por outras palavras: toda riqueza material deve ter por pressuposto a virtude, pois é da virtude que decorrem todas as demais riquezas humanas.
A obra “Apologia de Sócrates” revela que, além da crítica aos sofistas, a questão central da investigação filosófica socrática foi a consciência humana , baseada na virtude, tanto que – acusado de corromper a juventude – ele ironiza a conduta ética dos integrantes da Assembleia Ateniense:
— “Não corrompem os jovens os cidadãos da Assembléia, ou também todos esses os tornam melhores?”, indagou ao discípulo de nome Meleto, conforme narra Platão. E, ao que parece, visivelmente chateado, o próprio Sócrates respondeu: —”Assim, pois, todos os homens, como parece, tornam melhores os jovens, exceto eu. Só eu corrompo os jovens. Não é isso?”.
A simplicidade, aquela que designa desapego do supérfluo material e valoriza o necessário, se conforta mais na evolução da alma do que à usura e à ganância materiais, vícios que levam a pessoa a se preocupar mais com o acúmulo de riquezas e com as aparências sociais.
Então, a questão central na antítese simplicidade de alma e riqueza material repousa no tipo de ética que gera riqueza. Isto é, a ética da riqueza deve ser a honestidade, e a ética do poder (econômico e político, por exemplo), exige benefícios públicos à sociedade.
Isso tem uma lógica, que é a coerência que se encontra na virtude, enquanto que, no oposto, as incoerências são reveladoras das más escolhas.
É coerente dizer que a virtude – como pressuposto da riqueza material e do exercício ético do poder econômico e político – é um óbice ao enriquecimento ilícito mediante todas as formas de corrupção. Não me refiro aqui ao Poder Judicial porque, nas palavras de Sócrates no Tribunal Ateniense, “(...) fazer injustiça (...) é um mal, é uma vergonha”, visto que “a virtude do juiz, é dizer a verdade” . A verdade, para Sócrates, era um bem moral, portanto, uma virtude própria dos homens virtuosos.
Para Sócrates, Platão e Epicuro terem tratado com ênfase a questão da virtude como o núcleo irradiador de todas as demais riquezas, demonstra que o problema ético, relativo à natureza humana, naquele tempo, sempre era levado em conta para distinguir, nas palavras de Platão, o “homem virtuoso do homem desonesto”, cujas ações podiam ser consideradas como “coisa justa ou injusta.”
Essa breve reflexão filosófica leva-me à tese conclusiva: a origem ética da riqueza é o que designará a simplicidade humana, aquela virtude que não se embriaga com as facilidades proporcionadas pela riqueza material.
Por outro lado, a origem corrompida da riqueza material designará o desonesto, aquele pessoa sem essência moral; portanto, a pessoa capaz de corromper e de ser corrompida.
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