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O.J.C. MORAIS

OCÉLIO DE JESÚS C. MORAIS

PhD em Direitos Humanos e Democracia pelo IGC da Faculdade de Direito Coimbra; Doutor em Direito Social (PUC/SP) e Mestre em Direito Constitucional (UFPA); Idealizador-fundador e 1º presidente da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social (Cad. 01); Acadêmico perpétuo da Academia Paraense de Letras (Cad. 08), da Academia Paraense de Letras Jurídicas (Cad. 18) e da Academia Paranaense de Jornalismo (Cad. 29) e escritor amazônida. Contato com o escritor pelo Instagram: @oceliojcmorais.escritor

Rousseau e a liberdade

Océlio de Morais
Quando Jean-Jacques Rousseau escreveu, no item II, do Livro I, da sua obra prima (Do Contrato Social) publicada em 1762,  que  “É a família, o primeiro modelo das sociedades políticas” e que todos os seus membros "nascem livres e iguais”, porque “esta liberdade comum é uma consequência da natureza do homem.”, certamente nem  imaginava que essa concepção filosófica seria, exatos 26 anos depois, adotada como a base do principal princípio da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão (1789), no artigo 1º: “Os homens nascem e são livres e iguais em direitos.”
 
Rousseau  faleceu em 1778, onze anos antes da Assembléia Nacional francesa declarar “solenemente os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem” naquela declaração que passou à história da humanidade como uma das mais importantes declarações de direitos de todos os tempos.  
 
Na atualidade, e esta é tese deste ensaio, um pacto fundamental como garantia dos direitos da coletividade exige da mesma coletividade, como pressuposto indissociável, o efetivo respeito à  força normativa imperiosa e o respeito à vontade moral da Constituição.   
 
Define-se como coletividade os órgãos do Estado Democrático de Direito (poderes formalmente constituídos) e a sociedade civil (por todas as instituições e povo em geral). 
 
As ideias do filósofo francês  sobre a liberdade são, assim pode ser dito, o principal fundamento daquela Declaração de Direitos,  que rompeu com o absolutismo monárquico francês prevalecente até o século XVII e adotou a liberdade como um dos  “direitos naturais e imprescritíveis do homem”, portanto, “base e finalidade de toda associação política”, conforme consagrado no Art. 2º.
 
Este ensaio investiga , na obra referida , o pensamento rousseauniano sobre a liberdade para, a partir daqueles postulados, identificar as influências ao significado político-filosófico da liberdade  na sociedade tecnológica deste primeiro quarto do século XXI .
 
Vamos voltar à obra paradigma deste ensaio e, depois, voltaremos à atualidade. 
 
O “pacto social”, também chamado de “pacto fundamental” por Rousseau,  é concebido como condição básica para o reconhecimento dos direitos da coletividade, especialmente , a francesa do século XVIII. 
 
Dentre outros direitos da coletividade, são destacados os direitos à liberdade e à igualdade, qualificadas como “o maior dos bens'', por isso,  devem “ser o objetivo de todo sistema de legislação”.
 
No regime das liberdades, Rousseau  identifica na pessoa cinco espécies ou tipos de liberdades:  a liberdade natural (definida como “direito ilimitado”), a liberdade civil (conceituada como “um direito limitado”),  a liberdade geral (como sendo o “efeito da força ou do direito”), liberdade convencional (decorrente do pacto social) e a liberdade moral (“a única que torna o homem verdadeiramente senhor de si mesmo”). 
 
Na ideia central do “pacto social” ou  “pacto fundamental” entre o soberano e  os indivíduos,  estes a condicionam (restringem) sua liberdade natural  em benefício da comunidade, adaptando-a conforme “as aspirações da maioria”. 
 
Na ideia de Rousseau, o pacto social “deve servir de base a todo o sistema social”,  isto é, “com todos os seus direitos, em favor de toda a comunidade”, porque será “a condição igual para todos".  
 
Por outras palavras: “O pacto social se reduz aos seguintes termos:“Cada um de nós põe em comum sua pessoa e toda a sua autoridade, sob o supremo comando da vontade geral, e recebemos em conjunto cada membro como parte indivisível do todo.”(Livro I - VI – Do pacto social). 
 
O excerto a seguir deixa bem clara a ideia do pacto social como garantia dos direitos da coletividade  - direitos assentados na igualdade natural e igualdade moral entre os membros da sociedade:
 
“O   pacto fundamental, ao invés de destruir a igualdade natural, substitui, ao contrário, por uma igualdade moral e legítima a desigualdade física que a Natureza pode pôr entre os homens, fazendo com que estes, conquanto possam ser desiguais em força ou em talento, se tornem iguais por convenção e por direito “, escreveu no Livro I, IX , “Do domínio real”, para acrescentar neste outro excerto,  que o pacto social tem como consequência a limitação da liberdade natural, mas garante a liberdade civil, a qual, por sua vez,  é limitada pela liberdade geral, mas nem esta tem o poder de eliminar ou restringir  a liberdade moral”.
 
Observe-se: 
 
“O que o homem perde pelo contrato social é a liberdade natural e um direito ilimitado a tudo que o tenta e pode alcançar; o que ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui. Para que não haja engano em suas compensações, é necessário distinguir a liberdade natural, limitada pelas forças do indivíduo, da liberdade civil que é limitada pela liberdade geral, e a posse, que não é senão o efeito da força ou do direito do primeiro ocupante, da propriedade, que só pode ser baseada num título positivo” (Livro I, VIII –Do estado civil). 
 
Embora apresentado como a garantia dos direitos da coletividade, com a limitação da liberdade natural pela liberdade civil e esta pela liberdade geral,  a concepção do  pacto social rousseauniano não alcança os poderes do soberano:
 
“É necessário uma força universal e compulsória para mover e dispor cada uma das partes da maneira mais conveniente para o todo”, escreveu Rousseau, acrescentando que essa “força universal compulsória” era  o pacto social.
 
Veja-se o excerto a seguir:
 
“Contudo, além da pessoa pública, temos a considerar as pessoas privadas que a compõem e cuja vida e liberdade são naturalmente independentes delas. Trata-se, pois, de distinguir com acerto os respectivos direitos dos cidadãos e do soberano, e os deveres a cumprir por parte dos primeiros, na qualidade de vassalos, do direito natural que devem desfrutar na qualidade de homens.”, escreveu Rousseau do livro I - “IV Dos limites do poder soberano”.
 
Rousseau justificou que apenas o soberano era o juiz dos interesses da coletividade:  "Todavia, é preciso igualmente convir que só o soberano pode ser juiz desse interesse” [do interesse geral ou regulador da liberdade geral].
 
Está claro que a delimitação da liberdade natural pela liberdade civil (como garantia dos direitos da coletividade), por certa medida, se refere mais diretamente aos “cidadãos” (também chamados de “vassalos”) e menos ao soberano.
 
Nas sociedades modernas, as constituições podem  ser compreendidas como o próprio pacto fundamental contemporâneo, incorporando direitos naturais (à vida, à liberdade, à igualdade)  e liberais (à segurança, à propriedade) como evidentes influências  atuais das ideias do pacto fundamental e da própria Declaração francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão. 
 
As constituições representam o grande pacto político da sociedade  que alberga os direitos da coletividade e os direitos individuais e, por isso, ganharam força coletiva, especialmente nos Estados democráticos mais organizados, mais livres e mais  desenvolvidos. 
 
A sociedade pós-moderna, também designada como sociedade informacional e biotecnológica, a liberdade natural é vista na perspectiva holística da pessoa humana, a quem as constituições garantem  sob o aspecto formal  um amplo regime de liberdades, da civil à coletividade.
 
Como espécie de "pacto fundamental” da coletividade, as constituições democráticas se apresentam  como garantia dos direitos da coletividade.
 
Lá no “pacto fundamental", os direitos à liberdade e à igualdade foram qualificados como “o maior dos bens'' da coletividade. 
 
Portanto, a liberdade e a igualdade são, naquela perspectiva perspectiva filosófica,  apresentadas como direitos fundamentais da sociedade. 
 
A diferença é que, enquanto o pacto social rousseauniano não atribui “deveres a cumprir” pelo soberano, porque o monarca era o “juiz das liberdades dos cidadãos”, a Constituição (quando é reconhecidamente democrática) atribui direitos e deveres aos cidadãos, bem como define crimes responsabilidades aos agentes políticos (presidente, governadores, parlamentares, juízes, procuradores federais, por exemplo) no exercício de suas atividades públicas.
 
No sentido teleológico da Constituição, os direitos e deveres aos cidadãos funcionam como a espécie delimitações das liberdades individuais em prol dos direitos da sociedade (os direitos da coletividade). 
 
Portanto, todos são iguais perante a lei (que a Constituição autoriza criar), a qual regulamenta as liberdades e pune os desvios e abusos.
 
O sentido formal é que ninguém está acima e nem abaixo da lei, mas todos estão no mesmo nível de alcance da lei quanto ao gozo das liberdades, as quais, nas constitucionais atuais são consagradas como garantias fundamentais à completude da pessoa humana.
 
E  pela necessidade da garantia das liberdades e dos direitos fundamentais, os poderes do Estado democrático, organizado sob a forma de República Federativa, são  declarados independentes e harmônicos entre si, o que significa dizer de um modo bem simples: os poderes, dentro de suas atribuições constitucionais específicas, devem funcionar nos rigorosos limites delas, visto que nenhum poder democrático pode se sobrepor à atribuição constitucional do outro. 
 
É a regra observância desse limite constitucional que torna possível a independência e a harmonia entre os pobres e garante a efetividade da Constituição (a concretude da sua força normativa e da sua vontade moral). E, assim, cada um cumpre o seu dever, não se tornando, por vias avessas, o “soberano” (que não tem dever a cumprir)  dos outros poderes.
 
Por certo que, na atualidade,  diversos fatores exógenos (e bem estranhos)  à força normativa e à vontade moral da Constituição, aqui e alhures, interferem negativamente no regime das liberdades e, com isso, desvirtuam ou corrompem os objetivo, as finalidades, os fundamentos e os princípios da pacto político-social fundamental , que é  a Constituição. 
 
E quando isso ocorre, fazendo-se adaptação lógica possível, volta-se à ideia de que o soberano não tem deveres a cumprir, porque é o senhor das liberdades. 
 
Isto é, o cidadão ou o agente político que viola direitos das sociedade e, aproveitando-se da força econômica-política de que seja detentor,  pode ser assemelhando ao “soberano” que não tem deveres a cumprir com a sociedade. 
 
Em conclusão, para o efetivo exercício do regime das liberdades na sociedade atual, é exigível de cada cidadão e de cada agente político, assim como da sociedade, o efetivo respeito à  força normativa imperiosa e o respeito à vontade moral da Constituição.
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Tem observância à Lei  9.610/98, todas as crônicas, artigos e ensaios desta coluna podem ser utilizados para fins estritamente acadêmicos, desde que citado o autor, na seguinte forma (Océlio de Jesus Carneiro Morais (CARNEIRO M, Océlio de Jesus) e respectiva fonte de publicação. 
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