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Regime Único de Previdência brasileiro

O projeto está em curso há duas décadas

Océlio de Morais

Desde a Emenda Constitucional nº 20 de 1998 até a mais recente Emenda Constitucional nº 6, de 2019, o Estado brasileiro vem sistematicamente modificando o seu regime de previdência geral.

As modificações não produziram apenas ajustamentos de critérios a aposentadorias, pensões ou tempo de contribuição; antes, e de maneira substancial, as reformas previdenciárias brasileiras comprovam a transição entre os modelos de proteção social típico do Estado social ao Estado econômico.

Por certo que essas mudanças vêm no contexto das transformações dos mercados econômicos e financeiros que, a partir notadamente da década de 1980, adquirem incisivo caráter mais global, disso ensejando relações econômicas internacionais a partir dos denominados blocos continentais.

Essa realidade global, da qual nenhum país nos tempos atuais está imune ou pode ficar isolado, traz como natural consequência a circulação internacional de trabalhadores, seja por movimentos migratórios forçada (fugas das economias decadentes e sem emprego) seja por ofertas de emprego em economias mais organizadas, desenvolvidas e eficientes.

Isso provoca naturalmente um contexto mundial de mudanças nos regimes de previdência, onde o objetivo de fundo é a saída ou minimização do papel dos Estados nacionais na proteção social.

O modelo de Estado mínimo, do qual já tratei no artigo “Conheça a essência das ideias da reforma previdenciária do governo”, é baseado na liberdade econômica ou modelo de mercado, distinto do Estado social ou Estado justiça, que é identificado como o provedor do bem-estar social.

Mas assim como não se pode ignorar a realidade global, que exige dos Estados mais eficiência como modo de competitividade internacional com os congêneres para impulsionar o desenvolvimento interno; de outro lado, não se pode ignorar que a razão da existência dos Estados são as pessoas que formam as famílias e as sociedades.

Por isso, assim como as reformas econômicas são necessárias para conferir aos Estados maior mobilidade, menores gastos públicos, menor intervenção na economia e maior eficiência republicana, de outro lado, isso não pode representar a transferência à iniciativa privadas das obrigações constitucionais do Estado quanto aos objetivos sociais que lhe incumbe através da Seguridade Social.

No entanto, todas as reformas previdenciárias no Brasil - iniciada no governo da social democracia tucana, com sequência nos denominados governos de esquerda do Partido dos Trabalhadores e agora no denominado governo de direita - claramente vieram desfigurando o regime de previdência do servidor público e o Regime Geral, à medida que a ideia finalística é a extinção do Regime Próprio e a instituição do regime único de previdência que reúna esses dois regimes.

Com isso, seria implementado o objetivo do Estado mínimo com uma Seguridade Social apenas às pessoas pobres e necessitadas, enquanto que os mais ricos proveriam sua autoproteção através da previdência privada ou previdência de capitalização individual: essa seria, pelo menos é o que as reformas vêm sinalizando, o remédio econômico para diminuir os gastos públicos e tornar o Estado mais ágil e eficiente às demais áreas sociais.

A ideia ou perspectiva da criação do regime único de previdência, com a extinção do Regime Próprio e a migração dos servidores federais para o Regime Geral, está na PEC 06/2019, recentemente aprovada em definitivo pelo Senado Federal e que será promulgada agora neste mês de novembro.

Pelo que emana da PEC 06/2019, os poderes Legislativo e Executivo mandam a seguinte mensagem para a sociedade brasileira: é necessária a instituição do regime único de previdência porque o Regime Próprio e o Regime Geral existentes desde 1988 não corresponderam aos objetivos da proteção social e se tornaram onerosos para o Estado brasileiro e por isso, com a unificação dos dois regimes, haveria maior equidade entre custeio e beneficiários.

Se isso se trata de uma boa revolução liberal contra ideias conservadoras daqueles que querem o Estado como único provedor e garantista dos direitos da Seguridade, o resultado o futuro dirá. E se um regime único de previdência, para o futuro das próximas duas a quatro décadas, vai dar certo ou não, isso muito vai depender da conjugação de bons propósitos ou vontades sinceras dos agentes políticos em benefício da coletividade, e não dos fisiologismos partidários de que a sociedade brasileira infelizmente tem sido vítima nas últimas décadas.

Nessa constância do que os governos já fizeram em relação à Previdência Social, uma questão me parece despropositada, se considerarmos os objetivos constitucionais da Seguridade para a proteção social brasileira: não se pode entregar tudo às mãos do mercado, como se este tivesse a virtude mágica para a solução dos problemas da Seguridade e para todos os problemas sociais brasileiros.

Os governos, independentemente das opções partidárias, não podem se tornar reféns das razões dos mercados; pelo contrário, precisam estabelecer regras claras aos mercados para que funcionem em benefício da sociedade.

Se assim deve ser quanto às questões econômicas de um país, devido às repercussões políticas, por maior motivo as repercussões sociais exigem que a Previdência Social seja, de fato, preservada aos mais pobres e necessitados.

Isso é lógico, porque as razões econômicas do Estado mínimo não são as razões maiores dos objetivos da proteção e inclusão social previdenciária.

Pos scripturam: Como obra intelectual, este e todos os artigos publicados em minha coluna estão protegidos pela Lei nº 9.610, de 1998, mas permite-se a reprodução ou citação exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, desde que citados adequadamente o autor e a fonte, sob as penalidades do Art. 102 da mesma Lei.

Océlio de Morais