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Quando e quando eu era …

Océlio de Morais

O dicionário define a palavra “quando” como  um advérbio de tempo, mas ele pode funcionar como um conectivo ou conjunção e,  ainda, pode designar uma circunstância ou uma situação.

Todo mundo tem um monte de "quando" no costado de sua história. Por toda a vida, vamos colecionando: quando era criança; quando era adoelescente; quando era jovem; quando era adulto, quando tinha a tua idade; quando era estudante; quando eu te conheci, quando eras pobre; quando foi rico; quando éramos felizes; quando eu partir; quando eu morrer, vais sentir saudades…Ah!, são tantos “quantos”.

Até Dimas teve o seu quando, aquele “bom ladrão”, que estava do lado de direito de Jesus, naquela sexta-feira da crucificação que mudou a história da humanidade. Disse ele a Jesus: “....quando estiveres no paraíso, lembra-te de mim…”, ao  que Jesus  respondeu: “ Na verdade, te digo: ainda hoje estarás comigo no paraíso.” (Lc 23,24).

Aquele “quando” do arrependimento sincero, diz a exegese bíblica, confere ao “bom ladrão” o privilégio de ser o primeiro homem  a entrar no Céu, junto com Jesus. Por aquele “quando”, o “bom ladrão” é o  primeiro santo reconhecido, declarado e ungido pelo próprio Jesus de Nazaré.

Alguns de meus "quandos" é o tema desta  crônica, dentro da série  crônicas de quase um século de magistratura.

Quando eu  era seminarista, lá bem no início da adolescência até os primeiros anos das minhas duas décadas de vida, desejava ardentemente entender os desígnios de Deus à minha vida, através dos estudos da teologia e da filosofia.

Até andei pensando, por isso, na possibilidade de ser monge. É que fiquei fascinado com a história de  Bento de Núrsia, um dos mais importantes  monges do cristanismo,  que criou as  regras de São Bento no  Século VI,  baseadas em dois princípios: a paz espiritual, e  a oração e o trabalho, como uma espécie de objetivo inafastável de vida ao monge, à vida eremita reclusa  em mosteiro.

Bento de Núrsia - teológico e filósofo italiano de genial retórica - depois São Bento,  a partir da canonização em 1220 pelo papa Hipólito III , pela sua plenitude de vida cristã consegue ser venerado até os dias atuais pelas igrejas Católica, Ortodoxa, Luterana e Anglicana.

A vida monástica me parecia ser o caminho mais próximo para ouvir, sentir e entender o comando da voz de Deus para mim. Então iniciei os estudos de teologia.

Quando eu era estudante de teologia, lá pelos meus 20 anos de idade,  muitos dos meus dogmas de infância e da adolescência foram desmistificados e comecei a entender melhor que um bate-papo com Deus pode ser em qualquer lugar, em qualquer esquina e a qualquer momneto, bastando, para isso, uma abertura de espírito para ouvi-lo e senti-lo até nas coisas que pensamos ser insignificantes.

E ali, quando ainda estudava teologia e jornalismo, tendo  maior contato com as informações, eu olhava para os jornalistas como os historiadores do presente e do  cotidiano, caçadores de fatos que deveriam ser contados sem manipulação ideológica de qualquer tendência.

Quando eu era jornalista, compreendi e vivi o jornalismo como uma espécie de ouvidor da sociedade, uma espécie de ponte entre as reivindicações imediatas do povo e os órgãos públicos, que deveriam corresponder responsavelmente aos típicos papéis de gestores da coisa pública.

O rádio, o jornal e a televisão entraram na minha vida como um tsunami, a partir de dois cursos sobre meios de comunicação de massa na Faculdade Católica de Pernambuco, nos meses de férias dos anos de 1978 e 1979, ministrado pelo professor, teólogo e cineasta italiano, Nazareno Taddei.

No jornalismo que vivi - e muitos jornalistas contemporâneos também o viveram -  havia uma regra basilar: não se misturava o jornalismo fático com o jornalismo ideológico. Uma coisa era a narrativa dos fatos tais como se apresentavam; outra coisa era a reportagem investigativa, mas ambos parametrizados por dois princípios: o da isenção e o  da verdade. Isso favorece que o próprio leitor tire suas conclusões sobre o fato noticiado.

No jornalismo verdade, era inconcebível - embora numa e noutra situação ocorria, notadamente envolvendo questões políticas - a manipulação dos fatos.

Então, a teologia e o jornalismo me abriram os olhos para um mundo diferente: nem sempre o ideário ético está presente nas relações sociais. E é nesse campo que entra o conflito de valores - conflitos que, se não forem bem  administrados e resolvidos - pode levar às radicalizações ideológicas.

Quando eu era jornalista, olhava para os juízes como aqueles togados que corrigiam os erros, evitavam as injustiças e   garantiam o direito a quem tinha o direito a ter direitos.

Quanto estudante de Direito, eu não imaginava que, no âmbito das relações processuais, fosse possível ocorrer situação  de má-fé processual, fraude e conluio processuais, e atentado à dignidade da Justiça.

Eu via a lei como a pureza  de uma criança que acredita  piamente nas ordens dos pais, a ordem para ser respeitada e cumprida. E assim eu via a lei: como a certeza de que valia para todos, indistintamente, e a justiça estava ali  sempre presente  para garantir esse princípio isonômico. 

Foi o que me estimulou a estudar - o queimar pestanas por incontáveis noites e madrugadas - para fazer um, dois e três concursos  para a magistratura até ser aprovado [graças a Deus!] em primeiro lugar.

Quando ingressei na magistratura, e lá se vai quase um quarto de século, meu juramento foi defender a Constituição - e este ainda o fazem os novos magistrados ingressantes - porque é inimaginável uma sociedade pacífica e livre sem uma Constituição que não seja respeitada.

Ah!, isso me faz lembrar a memorável e  histórica   Declaração francesa de Direitos do Homem e do Cidadão (1789) - uma carta de direitos e princípios que, além da consagração dos direitos naturais à liberdade e à igualdade  - também advertiu o mundo sobre a importância da Constituição à sociedade: “A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição”, proclamou aquela Declaração no artigo Art. 16.º.

Ontem, como hoje e no futuro, essa máxima continua valendo.  E por quê? Porque a defesa da Constituição é a defesa da sociedade. É a garantia da incolumidade das garantias e direitos fundamentais. É a defesa das pessoas. É a defesa  da vida das pessoas.

Por isso, outorga-se ao juiz o poder- dever-responsabilidade jurisdicional para  observar e fazer cumprir a Constituição e as leis, porque - ele, o magistrado - é essa esperança que operacionaliza a Justiça, que a sociedade tanto espera.

Nesse meu quase um quarto de século de magistratura, quando procuro na memória os fundamentos filosóficos da Justiça, uma multitude de pensamentos pede para eu dizer o seguinte: quando uma Constituição não é forte e nem respeitada, a Justiça é fraca; quando a Justiça é forte, não é respeitada e nem respeitadora, a sociedade é fraca; quando a sociedade não é livre e nem igual em direitos, os cidadãos não sabem a importância e a nem gozam a  liberdade.  

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ATENÇÃO: Em observância à Lei  9.610/98, todas as crônicas, artigos e ensaios desta coluna podem ser utilizados para fins estritamente acadêmicos, desde que citado o autor, na seguinte forma (Océlio de Jesus Carneiro Morais (CARNEIRO M, Océlio de Jesus) e respectiva fonte de publicação

Océlio de Morais