Platão e a liberdade Océlio de Morais 02.02.21 8h29 Quem e quantos de nós, em algum momento, já reproduziu essa frase: “Às vezes na vida, nós nos sentimos acorrentados. Sem sequer sabermos que temos a chave”. Ou esta: “ A palavra precisa concordar com o fato. São de Arístocles, um nome incomum para quem não tem familiaridade com a filosofia. Mas as ideias desse homem foram estudadas com muita curiosidade e zelo pelos filósofos de ontem (por exemplo, Descartes, Hobbes, Nietzsche, Hannah Arendt, Bertrand Russell) e ainda são na atualidade pelos jus-humanistas e, aqui e ali, pessoas do povo reproduzem as suas célebres lições atemporais que adquiriram a imortalidade. As ideias estão aí, bem vivas, atravessando milênios, e cheias de significações acerca da liberdade no pensamento de Platão - Arístocles era o seu nome - codinome que ganhou dos amigos na Academia de Sócrates (de quem se tornou aluno por 10 anos, a partir dos 20 anos de idade) porque tinha ombros largos. Platão não se dedicou a escrever topicamente sobre a liberdade, em si. Porém, o conjunto de seu pensamento sobre a justiça (“a justiça é sabedoria e virtude”), sobre a política (necessidade de uma constituição política que convenha ao temperamento filosófico"), e sobre a liberdade na democracia (“extrema liberdade'') oferece elementos para entender, hoje, como aquele mais ilustre propagador da filosofia socrática concebia a liberdade na democracia grega antiga - modelo adotado pelas sociedades ocidentais subsequentes e ainda hoje acreditam ser a melhor forma de garantir concretamente o exercício das liberdades. Como Sócrates, Platão não era simpático à democracia ateniense, sentimento que ficou mais evidente depois da condenação e morte do mestre, tanto que foi para a cidade de Magna Grécia, depois Siracusa, cidade-Estado localizada na Sicília, e depois para o Egito. No contexto das viagens e a partir da sua descrença àquele modelo de democracia, Platão escreve os livros “Diálogos” e “A República”. Adota-se “A República” como obra de referência para este breve ensaio sobre a liberdade no pensamento de Platão, ideias consonantes com o pensamento de Sócrates. Em República (onde defende o governo da aristocracia, porque entendia que somente os filósofos valorizavam o conhecimento e a virtude, enquanto que os “políticos comuns” induziram o cidadão comum à corrupção, através do poder e do dinheiro), o sentido da liberdade individual é tomado como a vontade do cidadão escolher e exercer sua profissão, mas sem interferir nos assuntos do Estado. “Liberdade é ser dono da própria vida”, dizia. Sócrates e Platão consideram que a democracia ateniense propiciava uma “uma liberdade extrema”, que gerava servidão, embora ambos reconheçam que, na democracia, o povo constitui a “classe mais numerosa e a mais poderosa, quando está unida.” No diálogo entre Sócrates e Adimanto, nessa obra, Sócrates critica a democracia ateniense, quando afirma que a “liberdade extrema” pode levar à “cruel escravidão”, quando o Estado é leniente. Transcreve-se um trecho significativo do diálogo: “Sócrates — (...) Queres saber que mal é esse, comum à oligarquia à democracia, que reduz a última à escravidão. Sócrates — Verdadeiramente, a tirania não se originou nenhum outro governo senão da democracia, seguindo-se ai liberdade extrema, penso eu, uma extrema e cruel servidão. Adimanto — Concordo.” Sócrates e Platão defendem a Aristocracia, porque consideram que os filósofos eram bons e justos. “Sócrates — Analisamos anteriormente o que corresponde à aristocracia e afirmamos, com razão, que é bom e justo.” Era um sentido de liberdade elitista, porque somente os filósofos poderiam usufruir dessa liberdade política enquanto governante: “Sócrates — Enquanto os filósofos não forem reis nas cidades, ou aqueles que hoje denominamos reis e soberanos não forem verdadeira e seriamente filósofos, enquanto o poder político e a filosofia não convergirem num mesmo indivíduo (...) jamais a cidade que nós descrevemos será edificada.” Platão reproduz o pensamento de Sócrates, considerando que era possível o exercício da liberdade no ambiente no governo aristocrático ou até mesmo no governo monárquico, porque, ainda que o governo fosse de homem (monarquia) ou se autoridade fosse compartilhada por vários homens, (aristocracia), “isto não altera as leis fundamentais da cidade, se estiverem vigorando os princípios de educação”. A liberdade, nesses dois regimes, seria parametrizada pela lei. Diante do problema da liberdade extrema na democracia ateniense de então (qualificada como “extrema servidão”, portanto, antítese da liberdade dos magistrados, dos sábios e dos filósofos), Sócrates atribui à “raça de homens ociosos e dissipadores” existentes no “corpo político”. Platão os denomina de “políticos comuns” que corrompem os mais jovens pelo dinheiro. E defende que “o sábio legislador, no papel de médico do Estado, se acautele previamente para não deixar prevalecer esse tipo de político”. A rigor, a liberdade política na democracia grega antiga não inclui todos os cidadãos, pois apenas eram considerados cidadãos os homens a partir dos 30 anos, desde que fossem filhos de atenienses, o que implicava na negação da liberdade política às crianças, aos jovens, às mulheres, aos escravos e aos estrangeiros. Como o modelo social admitia a aristocracia comprar e possuir servos, Platão não se opõe ao modelo, o que também significava não se opor à escravidão. Uma das justificativas, inclusive às críticas à democracia grega, está relacionada ao fato de Platão ser de uma família tradicional, com inserção proeminência na política . No capítuo “das Leis”, em A República, pode ser observado que a escravidão era natural porque o cidadão comum não era detentor do conhecimeto. Desse modo, no pensamento de Platão, a liberdade pode ser vista como um atributo inerente aos sábios no âmbito dos regimes monárquico e aristocrático, enquanto que num regime de liberdade extremada, haveria uma espécie servidão política, levada a efeito por “políticos comuns” ou “homens ociosos e dissipadores” dos valores da liberdade (a justiça e a virtude), estes, típicos dos homens sábios, aqueles que tinham acesso à educação e à formação ético-filosófica. Em conclusão, no pensamento de Platão, a liberdade individual indicava a condição “que a cada um é dada de dispor de todos os seus bens ou de adquirir os dos outros, e, depois, de tudo se desfazer”, mas cabendo às leis (ao Estado) regular as liberdades. Assine O Liberal e confira mais conteúdos e colunistas. 🗞 Entre no nosso grupo de notícias no WhatsApp e Telegram 📱 Palavras-chave colunas océlio de morais COMPARTILHE ESSA NOTÍCIA Océlio de Morais . Desculpe pela interrupção. Detectamos que você possui um bloqueador de anúncios ativo! Oferecemos notícia e informação de graça, mas produzir conteúdo de qualidade não é. Os anúncios são uma forma de garantir a receita do portal e o pagamento dos profissionais envolvidos. Por favor, desative ou remova o bloqueador de anúncios do seu navegador para continuar sua navegação sem interrupções. Obrigado! 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