O.J.C. MORAIS

OCÉLIO DE JESÚS C. MORAIS

PhD em Direitos Humanos e Democracia pelo IGC da Faculdade de Direito Coimbra; Doutor em Direito Social (PUC/SP) e Mestre em Direito Constitucional (UFPA); Idealizador-fundador e 1º presidente da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social (Cad. 01); Acadêmico perpétuo da Academia Paraense de Letras (Cad. 08), da Academia Paraense de Letras Jurídicas (Cad. 18) e da Academia Paranaense de Jornalismo (Cad. 29) e escritor amazônida. Contato com o escritor pelo Instagram: @oceliojcmorais.escritor

O valor do trabalho humano na sociedade da Inteligência Artificial

Risco iminente de se tornar descartável

Océlio de Jesus C. Morais

Nos artigos “A CLT (do século XX) e o novo trabalho no século XX”, “Inteligência artificial: a criatura contra o criador?” e “Trabalho humano na sociedade tecnológica”, publicados nesta coluna semanal, tratei sobre os efeitos disruptivos das revoluções tecnológicas em face dos empregos tradicionais, sobre o problema do trabalho humano na sociedade 4.0 e acerca da legislação trabalhista e a necessidade de atualização à nova realidade.

Considerando o ambiente de mudanças, melhor dizer, revoluções no mundo do trabalho e nos empregos tradicionais, um aspecto endógeno precisa ser abordado; o valor do trabalho humano.

Esse aspecto é muito importante para sabermos a medida do valor do trabalho humano na sociedade tecnológica, No ambiente de disrupção de um processo tradicional de empregos tradicionais, onde o valor do trabalho ainda possui um sentido mais gregário, e no ambiente do trabalho tecnológico, com o crescimento da Inteligência Artificial extinguindo aqueles empregos tradicionais, qual será o valor do trabalho humano?

Jeremy Rifkin, escritor norte-americano e presidente da Foundation on Economic Trends, afirmou em seu livro “Fim dos Empregos - o contínuo desemprego em todo mundo” que “Durante o próximo meio século, novas tecnologias ‘argutas’ estarão distanciando a economia global do trabalho em massa e aproximando-a de forças forças de trabalho menores” (2004, XXVII).

A previsão é feita com a perspectiva das grandes transformações mundiais na economia e no mundo do trabalho impulsionadas pelas revoluções tecnológicas, a revolução 4.0 da nossa sociedade do século XXI.

Nesse ambiente, os empregos do futuro próximo serão altamente especializados, porque serão preponderantemente tecnológicos, e, conforme ainda Rifkin “a Inteligência Artificial será força de trabalho do futuro”.

Se até 2050 as novas tecnologias irão, de fato, aumentar o fosso entre a economia global e os empregos, as sociedades estarão diante do grande dilema do século XXI: a decomposição do valor social do trabalho, que será o problema social de dimensão mundial, gravíssimo problema criado pelo desemprego tecnológico de um lado, e a Inteligência Artificial como a mão de obra do futuro, de outro lado.O problema humano que disso decorrerá é tão imprevisível quanto imprevisíveis serão os efeitos da invenções tecnológicas nos demais valores humanos.

Há nisso tudo uma filosofia de valores: se a filosofia que prevalecerá no mundo do trabalho tecnológico for a mercadológica, sem freios éticos, o valor do trabalho humano será descartável, questão social mais grave do que ocorreu no século XIX, no ambiente da segunda revolução industrial, quando o trabalho humano passou a ser avaliado como um objeto.

Aquela realidade, num primeiro momento, foi identificada e combatida pelo Papa Leão XIII, na Encíclica Rerum Novarum (1891 = última década do século XIX), quando tratou dos conflitos entre o capital e o trabalho. Num segundo momento, já no início da terceira década século XX, também foi combatida pelo Papa Pio XI, na Encíclica “Quadragesimo Anno” (1931). E num terceiro momento, a questão do valor social do trabalho foi retomada pelo Papa João Paulo II, na Encíclica Laborem Exercens (1981, em plena Era moderna).

No pensamento desses três pontífices - e isso representa um pensamento linear da doutrina social da Igreja Católica - o trabalho humano possui uma valor social inerente à vida; portanto, indispensável à subsistência humana.

 Na Rerum Novarum, Leão XIII defendia o trabalho humano como uma “necessidade da vida, por isso considerava “justo que o fruto do trabalho pertença ao trabalhador”. Pio XI pregava que o “trabalho dos operários” devia ser valorizado “segundo a justiça e a equidade”. E João Paulo II reprovava a ideia de que o trabalho fosse “tratado como uma espécie de mercadoria”, advertia para “ o perigo de tratar o trabalho como uma ‘mercadoria sui generis’ ou como uma ‘força’ anónima necessária para a produção” e pregava o trabalho humano como meio de promoção da “justiça social” e como “fator de solidariedade social”.

A questão do trabalho humano sempre foi central em toda história da humanidade, passando por diversas valorações.

Identifique essas transformações na minha tese de doutorado, defendida com êxito em 2013 e publicação de livro em 2014, dediquei um capítulo ao trabalho humano: de um lado, a servidão, a escravidão, a mercadoria sui generis; de outro, os esforços para conferir-lhe o valor gregário, valor social e fator de solidariedade e justiça sociais.

Mas se a revolução 4.0 (e as subsequentes) reduzem - e é fato que estão reduzindo - os empregos tradicionais, o empregos tradicionais serão descartáveis pela Inteligência Artificial.

Rifkin prever que “os novos empregos, por natureza, serão e restrito em números”. (2004, p. XXVI). Ele não disse, mas é claro que se referia aos empregos tecnológicos aos quais somente terão acesso trabalhadores altamente qualificados em Tecnologia da Informação e Comunicação.

É esse risco ou ameaça que pode tornar, na evolutiva sociedade da Inteligência Artificial, o trabalho humano descartável, com gravíssimas e talvez incontroláveis consequências sociais para a subsistência dos trabalhadores e de suas famílias.

O valor social do trabalho - que foi construído pelo pensamento centenário da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e incorporado nas constituições mais democráticas do mundo - poderá o valor humano?

O problema é delicado e preocupante sob todos os aspectos.

Mas, se as revoluções tecnológicas geraram uma economia social. O trabalho humano adquire outro sentido valorativo: a dignidade do trabalho que promove a inclusão social das pessoas.

Para isso, os avanços tecnológicos precisam ter um parâmetro ético: estar a serviço das pessoas, pelo bem-estar das pessoas e ao progresso científico da humanidade. Mas será contraditório que todo esse progresso científico não consiga preservar o trabalho humano como valor de solidariedade e justiça social.

Há uma mensagem tão antiga quanto nova da Encíclica “Quadragesimo Anno”: “as leis devem ser feitas para regular o trabalho a justiça e a equidade”, porque, acrescentou o Papa Pio XI: “de nada vale o capital sem o trabalho, nem o trabalho sem o capital. (...) é injustíssimo que um deles, negando a eficácia do outro, se arrogue a si todos os frutos.”

É isso. Haverá necessidade de uma regulação mundial para impor padrões éticos e legais ao desenvolvimento tecnológico, sob pena de tornar a humanidade refém da robótica implementada pela inteligência Artificial.

A pessoa humana sempre deve estar em primeiro lugar. E o trabalho é o fator de solidariedade, de bem-estar, de subsistência e justiça social que a Inteligência Artificial não pode destruir.

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Psot Scriptum: Nos termos da Lei 9.610, de 1998, permito a utilização do artigo para fins exclusivamente acadêmicos, desde que sejam citados corretamente o autor e a fonte originária de publicação, sob pena de responsabilização legal.

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Océlio de Morais
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