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O tempo que resta

Océlio de Morais

Até parece uma obviedade o que  o filósofo Sêneca  disse sobre a brevidade da vida, nas reflexões acerca da razão da existência humana, reflexões reunidas no livro intitulado “Sobre a brevidade da vida”: “(...) A vida se divide em três períodos:  aquele que foi, o que é o aquele que será (...)”  (L&pm Pocket, 2006,  49).

Para bem além do que possa parecer muito evidente, penso que, para os dias atuais,  numa perspectiva filosófica, o filósofo pretendeu chamar a atenção ao tempo da vida humana e como se aproveita o tempo da existência. 

Por ser uma reflexão transcendental no tempo e no espaço, adota-a como ponto de partida para este breve ensaio filosófico, cuja finalidade é estimular reflexão sobre o feixe ou montanha de horas  que temos para bem pensar  e para bem compreender o tempo que dedicamos à felicidade – tema ao qual dediquei um poema no meu livro “Das Coisas Humanas” (2020, p. 76).

Do nascimento à morte física, nossos dias são um feixe de horas Um feixe com uma fonte comum: segundos que se transformam em minutos e minutos que completam as horas. Horas cheias representativas do tempo de existência. 

Nem vou considerar as horas da noite. Considero apenas as 12 horas do dia, porque  nelas a maioria dos 8 bilhões  de seres humanos está ativo, pensando e fazendo alguma coisa, boa ou ruim, ou  errando ou tentando acertar .  Durante a semana, cada pessoa vive 84 horas;  por mês,  cada indivíduo  tem 360 horas  e, durante o ano 4.320 horas. Quem já viveu por 50 anos, já teve 216.000 horas, todas disponíveis ao bem, como regra básica do princípio humano.

Horas cheias. São tantas horas e tantas oportunidades que cada ser humano tem para “cavar masmorras aos vícios, lapidar virtudes”  e para fazer o bem sem olhar a quem.

Mas quase sempre há uma encruzilhada nesse feixe de horas na vida de cada um,   sobretudo quando fica  embaralhado sem saber aproveitar bem o tempo das horas e o tempo oportuno — os designados tempo  quantitativo e  tempo qualitativo, assim mesmo como foi usado na mitologia grega para distinguir o tempo ordenado pelo deus Cronos, aquele  das horas sequenciadas,  e o tempo oportuno (comandado pelo deus Kairós), aquele que qualifica as horas como  relevâncias qualitativas.

A questão do embaralhamento (a perda de rumo) está relacionada ao desperdício das  horas da vida (aquele específico tempo sequencial)  e  à ignorância acerca da qualidade do tempo que se deve dedicar à vida – uma questão que, é bem verdade,  não é nova, pois também já foi refletida por Sêneca:

—”(...) fazem projetos para longo tempo, porém, esse adiamento é prejudicial para a vida , já que nos tira o dia-a-dia,rouba o presente e compromete o futuro” . (Coleção L&pm & Pocket, p. 46, 2006), disse ele, acrescentando que o “caminho da vida é incessante e muito rápido (p.47), por isso, o indivíduo deveria se dedicar a entender a natureza do bem e do  mal, e, principalmente,  a perscrutar a natureza de Deus, qual a sua vontade, qual a sua  condição”.

Um parêntesis: Sêneca (o Moço) nasceu no   ano 4 a.C  e faleceu no ano  65 d.C. O filósofo se desiludiu com as insanidades de Calígula, de quem foi foi conselheiro, e acabou sendo exilado, depois foi condenado a cometer suicídio,  porque – tempos depois –  foi acusado de participar de um golpe para assinar o imperador Nero, no ano 65 d. C.   Fecho o parêntesis e retomo  a temática central da pensata.

Bem o disse  Sêneca (“o caminho da vida é incessante e muito rápido”)  por isso,  o feixe de horas, por toda a existência, é um “caminho incessante e rápido” para – também como recomendou Sêneca – “saber viver e morrer como um estado de profunda paz”, estado que representa a sabedoria, a qual, como virtude, “não deixa lugar para a torpeza, que é um mal” que  corrompe a honradez. 

Então, quando vejo repetidamente um monte de promessas ao bem-comum não cumpridas, também vejo uma mar e um oceano de preciosas e irrecuperáveis horas  desperdiçados e o que me vem ao pensamento é necessidade de enterrar numa catatumba bem profunda toda falsa promessa que vende ilusão e, como disse Sêneca, “rouba o presente e compromete o futuro”.

Quando penso que as horas fluem independentemente da vontade humana, me vem ao pensamento que, por exemplo, uma parada no cronômetro do árbitro de futebol interrompe o tempo da partida, mas não a fluência das horas, que é  continuamente incessante. 

O tempo quantitativo e o tempo qualitativo não esperam ninguém. Naturalmente seguem o seu curso. São como uma página em branca  à espera de cada um para bem aproveitá-lo, escrevendo boas histórias de vida. 

Se fosse possível, agora no presente, quantificar as horas do nosso feixe de horas do passado, seria muito possível o estado de incredulidade de cada um diante do desperdício do tempo quantitativo e qualitativo com coisas que, por vários ângulos, fizeram  mal ou  que levaram às opções erradas, resultando  na  abreviação da vida.

Mas, como é possível olhar o passado para justificar uma boa opção no presente e para não comprometer o futuro, ainda  temos nosso feixe de horas para qualificar a quantidade do  tempo que resta, dedicando-se à virtude da simplicidade uma dos caminhos à felicidade, indispensável ao bem-estar e à serenidade da alma. 

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ATENÇÃO: Em  observância à Lei  9.610/98, todas as crônicas, artigos e ensaios desta coluna podem ser utilizados para fins estritamente acadêmicos, desde que citado o autor, na seguinte forma: MORAIS, O.J.C.;  Instagram: oceliojcmoraisescritor

Océlio de Morais