Liberdade para a felicidade Océlio de Moraes 16.08.22 7h51 Ao ler o clássico "Justiça política", de Otfried Höffe, professor de filosofia na Universidade de Tübingen (Alemanha), fiquei particularmente instigado com os tópicos “conflitos inevitáveis de liberdade" e “liberdade ou felicidade como questões fundamentais da antropologia política". Chamou-me a atenção a abordagem da liberdade como condição da felicidade. A edição brasileira da obra é da editora Martins Fontes. A partir das reflexões desse notável filósofo – autor de inúmeras obras na área da filosofia política e que no ano de 2020 passou a integrar um grupo de especialistas para aconselhar o governo alemão sobre medidas necessárias contra as consequências econômicas e sociais da pandemia de COVID-19 – meu desafio será fazer uma síntese acerca da temática, mas também apresentar algumas reflexões sobre a liberdade como pressuposto da felicidade. A abordagem do tópico “liberdade ou felicidade como questões fundamentais da antropologia política” – ele adverte que não é estritamente no sentido da legitimidade autônoma de ser livre ou “moral da liberdade” de que trata Kant – é feita na perspectiva do “pressuposto da liberdade” como condição à realização da felicidade, na visão aristotélica, da vontade “do bem-viver”, isto é, “a felicidade como conceito essencial da plenitude do desejo humano”, segundo afirma. A natural condição antropológica da pessoa é prenhe do desejo de liberdade como necessidade de expansão da condição humana na sociedade. Na filosofia política isso significa que a pessoa quer viver, por toda a vida, concretamente a liberdade como um direito fundamental. Porém, o “bem-viver” (aristotélico) ou a auto-legitimação individual à liberdade (kantiana) não significam o passaporte à desvirtuação do conteúdo da liberdade. E por quê? Porque é preciso observar o sentido teórico da liberdade à realização humana – e, necessariamente, colocar em prática – que é, como ressalta Höffe, a essência ético-pública da experimentação da liberdade na vida social. A desvirtuação da liberdade, que leva à corrupção de todos os sentidos éticos-libertários da natureza humana, é totalmente incompatível com a essência ético-política da liberdade como pressuposto da felicidade. A essência ético-política da liberdade não admite a corrupção política que leva à corrupção dos valores e princípios da coisa pública. O pressuposto da liberdade (aquilo que se tenta atingir como objetivo de vida) é a felicidade. Assim, a essência ético-política da liberdade autoriza a dizer que – na perspectiva filosófica – a liberdade é como os quatro elementos (a água, o ar, o fogo e a terra) indispensáveis à vida humana. Portanto, a liberdade como pressuposto da felicidade é absolutamente incompatível com qualquer ato corruptivo da essência ético-política da liberdade. E quando a liberdade é adotada no âmbito da Constituição como um direito humano fundamental, ela passa a fazer parte da substância do Estado, comprometendo-o coletivamente, por suas instituições e agentes políticos, a não violentá-la, antes e sempre, deve respeitá-la e garanti-la amplamente em todos os seus aspectos fundamentais. Respeitar e garantir o exercício das liberdades é uma condição indispensável para a sociedade ser verdadeiramente tida como livre e democrática. E somente assim, em última análise, a liberdade pode ser compreendida como pressuposto da felicidade. E por quê? Porque a desvirtuação da essência ético-política da liberdade causa os conflitos inevitáveis, tema abordado pelo filósofo Höffe sob o ângulo da legitimação do Estado à regulamentação da liberdade. O ato de regulamentar é, em si, um ato de interferência na liberdade. Disso então surge o conflito inevitável entre a liberdade como atributo individual de ação e o poder-dever regulatório do Estado. É um conflito inevitável porque – do ponto de vista da antropologia política e da filosofia – a regulação da liberdade individual ou coletiva pelo Estado representa restrição da experiência da liberdade. Isso quer dizer que a liberdade individual de agir não é ilimitada, muito embora antropologicamente esse sentimento seja natural da natureza e da condição humana. A regulação da liberdade tem por objetivo – conforme acentua Höffe – a “coexistência de pessoas livres no mesmo mundo exterior”. E a coerção prevista na lei ou decorrente da decisão judicial, se apresenta como mediadora do conflito, à medida que, na visão do filósofo alemão, “a liberdade de ação do outro ou dos outros deve ser limitada pela liberdade de ação de outro ou outros”. Noutras palavras: a liberdade de ação de um tem por limite a liberdade de agir do outro e, assim, a liberdade parece funcionar como freio em face do abuso do exercício da liberdade por outrem. Claro, pelo menos é o ideal que se espera numa sociedade tida como livre e democrática, o que afasta objetivos explícitos ou subliminares (aquela manipulação de informação de massa sem que se perceba a sua intenção de imediato) de pessoas ou grupos, que interpretam a liberdade apenas por uma visão monocular – aquele viés ideológico manipulatório em detrimento da liberdade daqueles que pensam a liberdade de forma diferente. Não se pode desconhecer que a regulação da liberdade seja um direito do Estado democrático, como forma de prevenir ou resolver conflitos de liberdades. Por outro lado, também não se pode ignorar que a ideologia manipulatória da liberdade também é uma forma de inevitáveis conflitos de liberdades, precisamente porque a manipulação ideológica é destrutiva da essência ético-política da liberdade. A regulação da liberdade –em si ela representa interferência na esfera das liberdades individual e coletiva – é necessária para a coexistência pacífica e ordeira na sociedade. Höffe coloca essa questão - a regulação das liberdades – como um caráter coercitivo das “restrições recíprocas” das liberdades – algo natural relativo aos limites sociais da liberdade individual em prol do coletivo. Mas ele adverte: “(...) os riscos dos limites sociais da liberdade se fundamentam somente na liberdade de ação na perspectiva social”. Ou seja, a desvirtuação do sentido social da liberdade para outras finalidades ideologicamente diversas das garantias da Constituição também gera conflitos inevitáveis de liberdade. E até mesmo no âmbito prático da vida em sociedade, a lei ou decisão judicial – não obstante a legitimidade formal do Estado para regular as liberdades – também podem gerar inevitáveis conflitos. Isso pode ocorrer quando a lei ou a decisão judicial venham a restringir, por exemplo, as liberdades fundamentais de pensamento e expressão, extrapolando os limites estabelecidos na Constituição de um país livre e democrático. Por um sentido metafórico: um passarinho preso na gaiola, debatendo-se e machucando suas asas nas paredes sem poder voar, tem sua natureza violentada; assim também a pessoa injustamente privada da liberdade [de pensamento e expressão, exemplificativamente], é como um passarinho preso à gaiola. Quando então a regulação ou a coerção da liberdade extrapolam os limites da Constituição, inevitáveis serão os conflitos de liberdade com o indesejável risco de retrocesso do direito à liberdade como nobre direito humano fundamental. Qualquer ameaça ou retrocesso das garantias da liberdade mortificam a essência ético-política da liberdade , desqualificando-a como pressuposto da felicidade como uma das condições da realização humana. _______________ ATENÇÃO: Em observância à Lei 9.610/98, todas as crônicas, artigos e ensaios desta coluna podem ser utilizados para fins estritamente acadêmicos, desde que citado o autor, na seguinte forma (Océlio de Jesus Carneiro Morais (CARNEIRO M, Instagram: oceliojcmoraisescritor Assine O Liberal e confira mais conteúdos e colunistas. 🗞 Entre no nosso grupo de notícias no WhatsApp e Telegram 📱 Palavras-chave colunas Océlio de Moraes COMPARTILHE ESSA NOTÍCIA Océlio de Morais . Desculpe pela interrupção. Detectamos que você possui um bloqueador de anúncios ativo! Oferecemos notícia e informação de graça, mas produzir conteúdo de qualidade não é. Os anúncios são uma forma de garantir a receita do portal e o pagamento dos profissionais envolvidos. 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