O.J.C. MORAIS

OCÉLIO DE JESÚS C. MORAIS

PhD em Direitos Humanos e Democracia pelo IGC da Faculdade de Direito Coimbra; Doutor em Direito Social (PUC/SP) e Mestre em Direito Constitucional (UFPA); Idealizador-fundador e 1º presidente da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social (Cad. 01); Acadêmico perpétuo da Academia Paraense de Letras (Cad. 08), da Academia Paraense de Letras Jurídicas (Cad. 18) e da Academia Paranaense de Jornalismo (Cad. 29) e escritor amazônida. Contato com o escritor pelo Instagram: @oceliojcmorais.escritor

Liberdade para a felicidade

Océlio de Moraes

Ao ler o clássico "Justiça política", de  Otfried Höffe, professor de filosofia na Universidade de Tübingen (Alemanha), fiquei particularmente instigado com os tópicos “conflitos inevitáveis de liberdade" e “liberdade ou felicidade como questões fundamentais da antropologia política".  Chamou-me a atenção a abordagem da liberdade como  condição da felicidade.  A edição brasileira da obra é da editora Martins Fontes. 

A partir das reflexões desse notável filósofo – autor de inúmeras obras na área da filosofia política e que no ano de 2020 passou a integrar um grupo de especialistas para aconselhar o governo alemão sobre medidas necessárias contra as consequências econômicas e sociais da pandemia de COVID-19  – meu desafio será fazer uma síntese acerca da temática, mas também apresentar algumas reflexões sobre a liberdade como pressuposto da felicidade.

A abordagem do tópico “liberdade ou felicidade como questões fundamentais da antropologia política” – ele adverte que não é estritamente no sentido da legitimidade autônoma de ser livre ou “moral da liberdade” de que trata Kant – é feita na perspectiva do “pressuposto da liberdade” como condição à realização da felicidade, na visão aristotélica, da vontade  “do bem-viver”, isto é, “a felicidade como conceito essencial da plenitude do desejo humano”,  segundo afirma. 

A natural condição antropológica da pessoa é prenhe do desejo de liberdade como necessidade de expansão da condição humana na sociedade. Na filosofia política isso significa que a pessoa quer viver, por toda a vida,  concretamente a liberdade como um direito fundamental. 

Porém, o “bem-viver”  (aristotélico) ou a  auto-legitimação individual  à liberdade (kantiana)  não significam o passaporte  à desvirtuação do conteúdo da liberdade. E por quê? Porque é preciso observar o sentido teórico da liberdade à realização humana – e, necessariamente,  colocar em prática – que é, como ressalta Höffe,  a essência ético-pública da  experimentação da liberdade na vida social.

A desvirtuação da liberdade, que leva à corrupção de todos os sentidos éticos-libertários da natureza humana, é totalmente incompatível com a essência  ético-política da liberdade  como pressuposto da felicidade. A essência  ético-política da liberdade não admite a corrupção política que leva à corrupção dos valores e princípios da coisa pública. 

O pressuposto da liberdade  (aquilo que se tenta atingir como objetivo de vida) é a felicidade.   Assim, a essência  ético-política da liberdade autoriza a dizer que – na perspectiva filosófica – a liberdade é como os quatro elementos  (a água, o ar, o fogo e a terra)  indispensáveis à vida humana. Portanto, a liberdade como pressuposto da felicidade é absolutamente  incompatível com  qualquer ato corruptivo da essência  ético-política da liberdade. 

E quando a liberdade é adotada no âmbito da Constituição como um direito humano fundamental,  ela passa a fazer parte da substância do Estado, comprometendo-o coletivamente, por suas instituições e agentes políticos, a não violentá-la, antes e sempre, deve respeitá-la e garanti-la amplamente em todos os seus aspectos fundamentais.  Respeitar e garantir o exercício das liberdades é uma condição indispensável para a sociedade ser verdadeiramente tida como livre e democrática.  E somente assim, em última análise, a  liberdade pode ser  compreendida como  pressuposto da felicidade. 

E por quê? Porque a desvirtuação da essência ético-política da liberdade causa os conflitos inevitáveis, tema abordado pelo filósofo Höffe sob o ângulo da legitimação do Estado à regulamentação da liberdade.   

O ato de regulamentar é, em si, um ato de interferência na liberdade. Disso então surge o conflito inevitável entre a liberdade como atributo individual de ação e  o poder-dever regulatório do Estado.   É um conflito inevitável porque – do ponto de vista da antropologia política e da filosofia – a regulação da liberdade individual ou coletiva  pelo Estado representa restrição da experiência da liberdade. 

Isso quer dizer que a liberdade individual de agir  não é ilimitada, muito embora antropologicamente esse sentimento seja natural da natureza e da condição humana.  

A regulação da liberdade tem por objetivo – conforme acentua Höffe –  a “coexistência de pessoas livres no mesmo mundo exterior”. E a coerção prevista na lei ou decorrente da  decisão judicial, se apresenta como   mediadora do conflito, à medida que, na visão do filósofo alemão,  “a liberdade de ação do outro  ou dos outros deve ser limitada pela liberdade de ação de outro ou outros”.  

Noutras palavras:  a liberdade de ação de um tem por limite a liberdade de agir do outro e, assim, a liberdade parece funcionar como freio em face do abuso do exercício da liberdade por outrem.  Claro,  pelo menos é o ideal que se espera numa sociedade tida como livre e democrática, o que afasta objetivos explícitos ou subliminares (aquela manipulação de informação de massa sem que se perceba a sua intenção de imediato) de pessoas ou grupos, que interpretam a liberdade  apenas por uma visão monocular – aquele viés ideológico manipulatório em detrimento da liberdade daqueles que pensam a liberdade de forma diferente.  

Não se pode desconhecer que a regulação  da liberdade seja um direito do Estado democrático, como forma de prevenir ou resolver conflitos de liberdades.  Por outro lado, também não se pode ignorar que a ideologia manipulatória da liberdade  também é uma forma de inevitáveis conflitos de liberdades, precisamente porque a manipulação ideológica é  destrutiva   da essência ético-política da liberdade. 

A  regulação da liberdade –em si ela representa interferência na esfera das liberdades individual e coletiva – é necessária para a coexistência pacífica e ordeira na sociedade.  Höffe coloca essa questão - a regulação das liberdades – como um caráter coercitivo  das “restrições recíprocas” das liberdades – algo natural relativo aos limites sociais da liberdade  individual em  prol do coletivo. 

Mas ele adverte: “(...) os riscos  dos limites sociais da liberdade se fundamentam somente na liberdade de ação na perspectiva social”.  Ou seja, a desvirtuação do sentido social da liberdade para outras finalidades ideologicamente diversas das garantias da Constituição também gera conflitos inevitáveis de liberdade.

E até mesmo no âmbito prático da vida em sociedade, a lei  ou decisão judicial –  não obstante a legitimidade  formal  do Estado para regular as liberdades –   também podem gerar inevitáveis conflitos. Isso pode ocorrer quando a lei ou a decisão judicial venham a restringir, por exemplo,  as liberdades fundamentais de pensamento e expressão, extrapolando os limites estabelecidos na Constituição de um país livre e democrático.  

Por um sentido metafórico: um passarinho preso na gaiola, debatendo-se e machucando suas asas  nas paredes sem poder voar, tem sua natureza violentada; assim também a  pessoa injustamente privada da liberdade [de pensamento e expressão, exemplificativamente], é como um passarinho preso à gaiola. 

Quando então a regulação ou a coerção da liberdade extrapolam os limites da Constituição, inevitáveis serão os conflitos de liberdade com o indesejável risco de retrocesso do direito à liberdade como nobre direito humano fundamental.

Qualquer ameaça ou retrocesso  das garantias da liberdade mortificam a essência ético-política da liberdade , desqualificando-a como pressuposto da felicidade como uma das condições  da realização humana. 

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ATENÇÃO: Em  observância à Lei  9.610/98, todas as crônicas, artigos e ensaios desta coluna podem ser utilizados para fins estritamente acadêmicos, desde que citado o autor, na seguinte forma (Océlio de Jesus Carneiro Morais (CARNEIRO M,  Instagram: oceliojcmoraisescritor

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