Um filósofo contemporâneo disse que a gente não deve se importar com o que falam acerca do que fazemos – pois nem todos irão gostar ou aprovar – mas devemos nos importar como fazemos as coisas, visando o bem, pois é isso que realmente importa no final de tudo.
A reflexão tem a ver com o direito das escolhas, com o poder e com as consequências da crítica no curso da vida das pessoas. A reflexão é bem apropriada, como referência inicial, para oferecer uma outra reflexão teológica-filosófica sobre a crítica, aquela que, por sua maldade, tipifica a injúria, a difamação e a calúnia.
Crítica – na definição léxica – significa “análise avaliativa de alguma coisa ou ação de julgar”. Em sentido científico, crítica é o exercício da observação técnica e metodológica acerca de um objetivo investigador, cujo objetivo é entender a realidade.
Também é, a crítica, uma espécie de experiência filosófica sobre o conjunto das coisas e da vida, ambiente onde pode ocorrer a autocrítica e a crítica externa. Fofoca é uma espécie de crítica que o senso comum pulveriza com comentários valorativos (positivos ou negativos) sobre os fatos ou das pessoas.
A crítica é uma das tendências mais incisivas e permanentes da natureza humana e, dependendo da sua motivação, pode ser a mais cruel e venenosa contra a pessoa, precisamente quando invade e devasta os direitos personalíssimos relativos à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem.
Como verbalização do pensamento e da vontade humana, a crítica –no fundo, podemos observar – revela o caráter, portanto, a qualidade do valor ético-moral daquele que emite a crítica em face de outrem ou das coisas.
Por ser atributo peculiar da natureza humana, a crítica, como ontem e hoje, também no futuro, sempre estará condimentada pelos sentimentos da simpatia ou da antipatia, da nobreza do gesto ou do mau-caratismo, e da inveja – a má inveja que gera a estupidez da vingança. E até mesmo pela ideologia radical – aquela que manipula mentes e corações inocentes – cujo objetivo é a conquista do poder político, independentemente dos meios utilizados para essa finalidade.
Por outras palavras: a crítica é um “prato feito” presente cotidianamente em todos os círculos e relações humanas, em todas as instituições, indistintamente. Ela se manifesta por múltiplas formas: o olhar e gesto censuradores, a fala e a escrita são alguns exemplos que compõem o oceano infinito das críticas que reverberam nas ondas eletromagnéticas, que ecoam nos quatro cantos do nosso planeta.
A crítica maldosa – aquela oriunda das coisas obscuras do mau-caratismo – é uma espécie de infâmia, calúnia ou difamação.
Ninguém escapa das críticas. Até Jesus – o Deus Filho – foi (e ainda hoje O é) alvo de críticas dos doutores da Lei. Foi acusado de conspirar contra o trono de César, o imperador romano dos anos 30 do primeiro milênio da Era Cristã.
Mas, a natureza divina de Jesus dava-Lhe a capacidade de antever, com serenidade, o que iria acontecer, a partir das infâmias espalhadas pelos doutores da lei e fariseus:
– “Pois é necessário que o Filho do homem passe por muitos sofrimentos e venha a ser rejeitado pelos líderes religiosos, pelos chefes dos sacerdotes e pelos mestres da lei; seja assassinado e, ao terceiro dia, ressuscite”, profetizou Jesus, conforme Lucas 9:22.
Jesus sabia que seria morto. Sabia que seria alvo das injúrias e difamações (críticas malévolas) dos poderosos da época, os fariseus e aqueles que se apresentavam como mestres da Lei .
Os doutores da Lei, os fariseus e o poder político romano estavam incomodados com a presença de Jesus. E se sentiam ameaçados pelas mensagens de honestidade que deveria ser o parâmetro da verdadeira Justiça – mensagens que davam um novo caráter ético, moral e religioso à humanidade. Corruptos, por isso, eles receavam perder o poder e os privilégios corrompidos.
Por esses motivos passaram a criticar maldosamente, espalhando injúrias contra Jesus nos altos círculos do poder religioso judáico e político romano da época, inclusive corrompendo um dos discípulos de Jesus – o Judas Iscariotes – com trinta moedas de prata.
O beijo de Judas entrou para a história da corrupção: o beijo da traição, que agora posso qualificá-lo como o beijo da corrupção – mostrou uma das vulnerabilidades humanas – a troca de favores, ainda que o dinheiro fosse desonesto e sujo.
O beijo da corrupção entrou, daquele modo, no pacote de injúrias contra Jesus, levando-o à prisão, a uma farsa de julgamento e ao seu assassinato.
Poderia ser dito que o beijo de Judas estava na predestinação daquele discípulo, porque Jesus já havia dito (predito): “(...) é necessário que o Filho do homem passe por muitos sofrimentos e venha a ser rejeitado”, disse Jesus, acrescentando por ocasião da última Ceia, naquela quinta-feira, dia em que seria traído: “Com toda a certeza vos afirmo que um dentre vós me trairá,” disse Jesus, de acordo com Lucas 26:21..
Jesus não disse exatamente que seria Judas, o discípulo a traí-lo, como disse diretamente a Pedro, que por ele seria negado por três vezes antes de cantar galo.
“Um dentre vós me trairá”, disse Jesus, referindo-se aos 12 apóstolos. Poderia ser qualquer um deles. Então significa que o beijo da corrupção – o beijo das moedas de prata – decorreu do livre arbítrio de Judas Iscariotes.
A natureza divina de Jesus também Lhe dava a autoridade para advertir quanto às consequências dos atos daqueles que praticam a injustiça (como o beijo da corrupção de Judas), a injustiça ou infâmias contra quem quer que fosse ou seja.
– "Se a vossa justiça não for maior que a justiça dos mestres da Lei e dos fariseus, vós não entrareis no Reino dos Céus. (...) Eu, porém, vos digo: todo aquele que se encoleriza com seu irmão será réu em juízo; quem disser ao seu irmão: 'patife!' será condenado pelo tribunal (...)”, advertiu e aconselhou Jesus, conforme relato no Evangelho de Mateus, 5,20-26.
Portanto, Jesus reprovou a justiça farisaica – qualificada como justiça hipócrita – que era fundamentada em privilégios escusos e semeadora de infâmias contra o Mestre. E condenou diretamente a infâmia – “quem disser ao seu irmão: 'patife!' será condenado pelo tribunal” – por considerá-la um crime contra a honra, mas também uma fraqueza da natureza humana, cujo único remédio é o arrependimento.
– “Portanto, quando tu estiveres levando a tua oferta para o altar, e ali te lembrares que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa a tua oferta ali diante do altar, e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão. Só então vai apresentar a tua oferta. Procura reconciliar-te com teu adversário (...)", disse Jesus , segundo o Evangelho de Mateus 5:20-26.
A chave então para amenizar os nefastos efeitos da injúria, da difamação e da calúnia – críticas perdas ou crimes – é o arrependimento, traduzido no auto-perdão (promessa sincera de valor ético-moral) e o pedido de perdão à pessoa vítima das críticas injuriosas, difamatórias e caluniosas.
Nos tempos atuais – mas isso vem desde as primeiras codificações em defesa da pessoa humana – as grandes democracias, como a brasileira, declaram em suas constituições a inviolabilidade dos direitos da personalidade em específico, e dos direitos humanos, em geral.
A inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem significa, na prática, que cada pessoa tem o privilégio constitucional de não ser molestada – por nenhum meio ou forma – nos seus sagrados direitos humanos.
Mas tudo isso – os múltiplos casos diários comprovam – tem sido uma letra constitucional morta.
Seriam, então, as críticas malévolas, fruto da incapacidade humana dominada por sentimentos obscuros que prevalecem sobre a comiseração (como compaixão do auto-perdão) e sobre a vontade de reconciliar-se com o ofendido?
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