O.J.C. MORAIS

OCÉLIO DE JESÚS C. MORAIS

PhD em Direitos Humanos e Democracia pelo IGC da Faculdade de Direito Coimbra; Doutor em Direito Social (PUC/SP) e Mestre em Direito Constitucional (UFPA); Idealizador-fundador e 1º presidente da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social (Cad. 01); Acadêmico perpétuo da Academia Paraense de Letras (Cad. 08), da Academia Paraense de Letras Jurídicas (Cad. 18) e da Academia Paranaense de Jornalismo (Cad. 29) e escritor amazônida. Contato com o escritor pelo Instagram: @oceliojcmorais.escritor

"Elogio da Loucura II" - A contemporaneidade

Océlio de Morais

Ao reler o livro “A Filosofia dos valores”, de Jean-Paul Resweber, deu para identificar com mais clareza a separação entre os juízos de fato e os juízos de valor –  juízos  valorativos que, sendo relativos à vida em sociedade, é possível concluir que a filosofia (ou princípios)  dos valores  possibilita compreender muito melhor a ideologia dos valores humanos.

A ideologia  – o modo coletivo de pensar e viver os valores  – é definida conforme o modelo de sociedade e caracteriza a visão preponderante acerca da cultura, dos costumes, da educação, da cultura, da família e da política,  servindo para determinar o que as pessoas e a sociedade devem pensar e fazer como modo de vida coletivo.

Por isso, sob essa perspectiva, a sociedade é o grande laboratório das condutas humanas.  Pensando bem sobre tudo isso, não é incorreto afirmar que a filosofia ideológica dos valores é uma espécie ou um tipo  de expressão das loucuras humanas. 

Observe-se bem calmamente a sociedade.  Observem-se os valores que adota, como os coloca em prática ou como os elimina. Observe que será possível constatar as mais diversas loucuras que a filosofia das ideias ou filosofia dos valores ou ainda filosofia ideológica dos valores alberga e faz incutir na mente das pessoas. 

Essas  ideologias (elas podem ser qualificadas como “loucuras humanas”, quando da virtude o valor ético é extirpado),  faz-me  lembrar  de outro livro, o  “Elogio da Loucura”, do filósofo Erasmo de Rotterdam  (1465-1536) — uma  sátira às “loucuras”  do próprio autor  (“precisaria eu mesmo fazer uma sátira a meu respeito”) e das pessoas   (do  povo  ou das cortes; ricas ou pobres, dos nobres e da Igreja  de sua época),   pessoas que ele dizia que se “alimentavam” com as suas loucuras como se fossem  divindades.

Rotterdam  –  cujo pai Geraldo Elia tornou-se padre, deixou a batina e voltou ao casamento com Margarida Zerenbergem ao saber que ela não havia morrido – publicou o  “Elogio da Loucura”,  no ano de 1509, em Paris. O  Brasil  não tinha completado uma década e ainda era a ilha verde verdejante de Vera Cruz, uma possessão além-mar do Império Português da Era das grandes navegações.

Não obstante os mais de cinco séculos da obra, em certos aspectos,  o livro  continua atual, considerando os diversos tipos de loucuras humanas da nossa contemporaneidade – potencializadas sobretudo pela voracidade da inteligência artificial que provoca a disrupção dos valores éticos – as quais certamente serviriam como um excelente material para um possível Elogio da Loucura II – a contemporaneidade. 

Então, guardadas as proporções, o original “Elogio da Loucura”  ainda não perdeu a  sua validade satírica. Na atualidade, como no passado, a natureza humana também é marcada por suas loucuras libertinas e pelos seus  doces amores, pela raiva e pelo furor;  pelos  bons e maus costumes – coisas que o autor observou enquanto morou na Holanda (onde nasceu), na Itália e em França (onde estudou teologia, filosofia e literatura), na Inglaterra e Portugal (onde também trabalhou) e na Basiléia, Suíça, (onde viveu seus últimos dias).

Sob certa medida, a loucura é um modo  filosófico de vida, se, e quando, colocada na perspectiva da conduta humana.  Viver de um modo ou de outro  é a forma de expressar as escolhas por certos valores, sendo estes um modo filosófico-ideológico de encarar a vida e, seletivamente, com todos os desafios que ela  apresenta.

A filosofia dos valores ideológicos  possui, por sua vez, essa função: massificar o pensamento com o objetivo da manipulação e da dominação das condutas. Por conseguinte,  nestas,  estão as mais diversas expressões das loucuras humanas.

Tem gente que faz loucuras por amor e paixão, mas tem gente que faz loucuras por raiva, vingança e ódio. Outros  cometem loucuras  pelo dinheiro e pela fama, assim como tem gente que comete loucuras por sua própria natureza  psicótica ou, ainda, como vítimas de suas demências mentais temporárias, mas, também, pelo prazer da adrenalina com inacreditáveis desafios às leis da natureza.

Existem os que cometem loucuras à luz do dia, desafiando a ética pela insana sede do poder e pela dominação correspondente, sem se importar com  o  mau exemplo que dissemina  à geração presente e para as gerações futuras. 

Todos esses tipos de loucuras  e muitas outras  — coisas  que a não razão alcança, nem explica —  podem ser encontradas no seio da sociedade.  Podem observar! 

À loucura podem ser atribuídos significados diferentes, por exemplo: para o  léxico, significa doidice, insensatez, e insanidade;  para a medicina,  é um distúrbio mental; para a psiquiatria, em específico, pode pode ser  neuroses  psicóticos, ansiosos e depressão; para a  psicologia, designa  as várias formas de alienação ou doenças mentais e para filosofia, a loucura seria  uma espécie de inversão de perspectiva  sobre a realidade . 

Bem, se para Rotterdam, a “loucura” se afigura como uma  “deusa” que agrada aos deuses e aos homens,  de minha parte,  a considero um  desvio do juízo de valor, seja na perspectiva do observador ou na perspectiva do observado, admitidas as ponderações  relativas à loucura de todos os gêneros ou aos absoluta ou relativamente capazes ou incapazes.  A loucura é, assim,  um modo filosófico de vida, quando entendida como uma das possibilidades da  natureza e conduta humana.

Esse manancial de “loucuras” motivou  Rotterdam a escrever o satírico “Elogio da Loucura", também como uma forma de demonstrar a sua  liberdade intelectual e criatividade literária — livro  que se transformou em sua obra prima. 

Uma leitura afoita da obra provavelmente vai considerá-la maçante e repetitiva e,  talvez, seja tachada como obra  louca de um filósofo louco!  Contudo, Rotterdam não foi louco. Ao contrário, foi um filósofo perspeicaz e sagaz sobre a natureza humana, compreensivo e crítico acerca das condutas humanas. 

Rotterdam, que fez votos  monásticos aos 25 anos como agostiniano, foi crítico daquilo que considerava negativo à fé cristã: poder e riquezas papais, luxúria da nobreza; redes de intrigas e traições dentro da Igreja Católica de seu tempo .

 Numa linha mais política, ele também  escreveu os livros  “O desprezo do mundo” e  “O Lamento da Paz”, (1536), que também depois foi publicado com os títulos de “O Bem da Paz”  e “ Queixa da Paz” 

Em “Elogio da Loucura”, o próprio  autor  avisa que, com a sua sátrira,  está se divertindo “com um elogio da Loucura”, pois – argumentou ele  –  “parece incrível, desde que  mundo é mundo, nunca houve um só homem que, manifestando o reconhecimento, fizesse o elogio da Loucura”.

Por outras palavras, o autor considerou incrédulo que nada, até  então, tivesse sido escrito  sobre as loucuras das pessoas.  “Elogio da Loucura” é, desse modo, um estudo  filosófico (bem diferente dos tradicionais estudos de filosofia) sobre as loucuras do comportamento humano, isto é, sobre os valores  e  costumes éticos ou não daquele modelo de vida. 

Essa é a minha  percepção  dedutível, muito  embora a perspectiva do “Elogio da Loucura”, por meio da sátira, seja a de demonstrar as dualidades humanas, o que, no fundo, é um elogio da vida, considerando-se, filosoficamente, a loucura como uma possibilidade desta. 

Aliás, de filósofo para filósofo, o livro começa com um elogio à vida em forma de pergunta, logo na dedicatória que Rotterdam faz ao também filósofo, o inglês Thomas More, morto em 1535 por decapitação por sentença do Rei Henrique VIII,  porque se recusou a jurar fidelidade ao rei.

– Dizei-me: haverá no mundo coisa mais doce e mais preciosa do que a vida?” (2022, p. 20, versão digital  da  Atena Editora, s.d.), perguntou  Rotterdam –  bem ao estilo  epicurista – ao  autor de “Utopia”  (publicado em 1516, sete anos depois  do “Elogio da Loucura”),  por considerá-lo um “amigo dulcíssimo”  “um novo Demócrito”,  um homem que estava “acima da maioria dos homens”  pela “rara suavidade do costume e pela singular afabilidade”, (2022, p. 8).

Um parêntesis: Demócrito (460 a.C a 470 a.C.) é “pai”   do atomismo (teoria dos átomos indivisíveis e do universo infinito  composto também outros mundos do  infinito universo), enquanto que o epicurismo (Epicuro de Samos foi o idealizador, no século IV a.C, mas depois de Sócrates) defende que  o prazer- virtuoso é o meio apropriado  para se obter e viver liberdade, tranquilidade  da alma e libertação do medo.  Fecho o parêntesis.

Rotterdam personificou  a  “Loucura” como uma espécie de “deusa” ou  “o mesmo que sabedoria”, ou algo decorrente da natureza humana,  sendo  “a única capaz de alegrar os deuses e os mortais.”. 

A loucura,  também na obra,  é um traço de lucidez ou de sabedoria capaz de produzir a autocrítica e a crítica sobre as coisas disfuncionais da sociedade.  “Elogio da Loucura” é uma percepção satírica das loucuras humanas. 

Por tudo isso, o “Elogio da Loucura” também pode pode ser chamado elogio da vida, tanto que Rotterdam encerra a obra  com uma aclamação à vida:  “(..) sedes sãos, aprendi, vivei, bebei , oh!, celebremos iniciados no mistério da Loucura” , (2022, p.  199).

Mas, por cenrto, “iniciados no mistério da Loucura”,  celebremos a vida em sua plenitude sábia, aquela cuja fonte infindável é a simplicidade virtuosa plasmada na verdade que liberta: Jesus, o maior filósofo de todos os tempos na qualidade de homem histórico, aquele que, na minha “loucura” literária, ousei  chamá-lo de “Deus louco”,  no poema publicado no meu livro “Das coisas Humanas” (2020, p. 13),  com o qual tomo a liberdade para encerrar essa breve pensada:

– “Deus é Louco! 

Louco por ter criado o homem à sua imagem e semelhança; 

– Deus é louco!

Porque no perdão faz seu projeto de esperança:

a fraternidade que almeja universal,

para todos os filhos, ascese espiritual.

– Deus é louco!

Porque na terra  precisou descer,

por amor louco aos seus filhos! ” 

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ATENÇÃO: Em  observância à Lei  9.610/98, todas as crônicas, artigos e ensaios desta coluna podem ser utilizados para fins estritamente acadêmicos, desde que citado o autor, na seguinte forma: MORAIS, O.J.C.;  Instagram: oceliojcmoraisescritor

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