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O.J.C. MORAIS

OCÉLIO DE JESÚS C. MORAIS

PhD em Direitos Humanos e Democracia pelo IGC da Faculdade de Direito Coimbra; Doutor em Direito Social (PUC/SP) e Mestre em Direito Constitucional (UFPA); Idealizador-fundador e 1º presidente da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social (Cad. 01); Acadêmico perpétuo da Academia Paraense de Letras (Cad. 08), da Academia Paraense de Letras Jurídicas (Cad. 18) e da Academia Paranaense de Jornalismo (Cad. 29) e escritor amazônida. Contato com o escritor pelo Instagram: @oceliojcmorais.escritor

Dos pássaros, dos macacos e dos humanos

Das coisas que se harmonizam para o bem de todos

Océlio de Morais

Da janela do meu apartamento, num bairro bem arborizado na cidade de Belém do Pará, todos os dias bem cedinho, cantos de pássaros me anunciam os primeiros raios do sol: são ben-te-vis, sanhaços, rouxinóis, garças, sabiás, pipiras vermelhas.

O concerto remonta às lembranças da minha primeira infância na “colônia Jacaré”, na cidade de Monte Alegre (baixo Amazonas), quando era acordado (ali bem mais cedinho porque era no coração da floresta) com uma verdadeira “oração” da natureza: os gorjeios das graúnas (como se fosse uma bem afinada capela), o cântico dos bem-te-ti (trazendo aquele som agudo soprano), o canto do sanhaço azul e cinzento (donde o violino se inspira), dos tucanos (que não se distinguia bem, pois os sons confundiam com os sons do sapos). Eu me sentia integrado à floresta.

O concerto dos pássaros madrugais sempre encantou as pessoas: escritores e poetas, sobretudo: no século XVI, o inglês William Shakespeare, no clássico “Romeo and Juliet”, usou os cantos da cotovia e do rouxinol no diálogo de despedida entre Romeu e Julieta, no (Ato III, cena V).

Para Romeu, o canto da cotovia representava a despedida ou a morte: “É a voz da cotovia anunciando a aurora! Vês? Há um leve tremor pelo horizonte afora. (...) E apagam-se de todo as lâmpadas do céu".

Para Julieta, o canto era do rouxinol, representando a magia do amor: “Por que partir tão cedo? inda vem longe o dia... Ouves? é o rouxinol. Não é da cotovia (...) Quem canta é o rouxinol na romãzeira em flor. (...) Não canta a cotovia: é a voz do rouxinol!”

Romancista brasileiro, José de Alencar colocou a graúna no famoso romance “Iracema”, editado em 1865: “Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema. Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira. O favo da Jati não era doce como seu sorriso (...)".

Usados às parábolas do amor, da beleza, da tristeza ou da morte, os cantos dos pássaros entram na vida dos humanos como uma “oração” da natureza para nos lembrar, fundamentalmente, que também somos da natureza e que, vibrantes como seus cantos, também podem ser os nossos.

Minha mãe, que agora integra a legião do bem noutro plano espiritual, foi colona, parteira e costureira. Seu saber formal era quase rústico: estudou apenas até a terceira série primária.

Dentre tantas outras lindas lições de seu legado, ela sempre dizia que a natureza era perfeita, porque tudo nela se ajustava naturalmente, além de nos dar tudo de graça. Ela também sempre usava o exemplo da organização dos macacos, quando queria repreender os sete filhos, quando em desavença.

Eu a acompanhava no trabalho na roça. Entre 10 e 11 anos de idade, minha tarefa era espantar os pássaros (a graúna, a rolinha, a Inambú) que iam comer o arroz, o feijão e o milho. No trabalho do roçado, ao entardecer, a gente sempre via diversas espécies de macacos e guaribas ordenadamente pulando de galho e galho. E cada um, ao final, se agasalhava em seu galho, conforme o seu tamanho e a hierarquia dos líderes mais velhos. Aquilo era a ordem natural das coisas.

Por várias vezes, quando um irmão queria dar um “pitaco” nas coisas dos outros, ela chamava a todos e dizia: “meninos, cada macaco no seu galho”. No fundo, ela queria de dizer que, se houvesse o respeito aos espaços de cada qual, os conflitos poderiam ser evitados.

A estrutura dos macacos e a organização sinfônica dos pássaros mostram uma ordem funcional no meio ambiente ecológico, que é a ordem natural das coisas.

A organização dos macacos, com cada um ocupando o seu galho, pode para ilustrar que cada ser humano - destinatário de um desígnio de Deus - precisa identificar e encontrar seu próprio espaço na vida, sem se superpor a ninguém, sem prejudicar ninguém e sem se considerar o melhor ou mais importante que os seus semelhantes. Esse é o desafio à harmonia entre os indivíduos.

As profissões delimitam as competências dos indivíduos, que procuram construir e ocupar seus espaços.

Nem todos conseguem: alguns por falta de oportunidade (exclusão social), outros por falta de interesse (apatia individual), ou porque já receberem uma bela herança familiar ou, ainda, porque fazem de suas vidas um “alto-falante” de protestos sem causa e pouco contribuem com a sociedade.

Então, as relações humanas sempre desafiam a observância da ordem natural das coisas, não obstante muitas ordens sejam deliberadamente invertidas para diversos fins, muitos não confessáveis.

Observemos que a ordem invertida das coisas, na sociedade humana, gera consequências indesejadas, como regra geral. Por exemplo:

1. Os cientistas - se, e quando, deturpam pesquisas para justificar interesses meramente econômicos de empresas que os financiam - perdem a essência da grandiosidade de suas pesquisas, e revelam que estão fora do seu “espaço” social.

2. Magistrados devem ser sábios e prudentes na arte de julgar, mas, por exemplo, se suas decisões veiculam e alimentam proselitismo político ideológico, na prática desvirtuam o sentido teleológico inerente à arte de julgar.

3. Políticos são eleitos para fazer boas leis à Nação. Mas, se desvirtuam o mandato com atos de corrupção, isso significa tramar contra o povo, que lhes confiou o voto da honradez, da dignidade e da probidade públicas. E, assim envolvidos pelo manto da corrupção política, demonstram que abominam a ética política e que não se importam com civismo que a Constituição lhes exigem.

4. A imprensa - quando faz do seu ofício a defesa da verdadeira liberdade de investigar e divulgar os fatos - cumpre o papel social na construção de valores relevantes ao desenvolvimento da personalidade humana.

Mas, quando não cumpre esse papel social, seja por conveniência econômica ou conveniência política, a imprensa quebra o seu juramento érico e acaba massificando informações que desvirtuam a ordem ética natural das coisas na sociedade.

Isto ocorre quando opta divulgar a “Mentira com as roupas da verdade” do que a “Verdade nua e crua”. Assim também em cada profissão, quando os indivíduos desvirtuam o sentido ético natural nas relações sociais.

Bom, todos sabemos que o desvio de conduta é inerente ao indivíduo, porque (e todos também sabemos) a natureza humana é ontologicamente variável. Assim o disse, um dia, Sócrates, o ateniense precursor da da filosofia clássica.

Por isso mesmo, os conflitos são imanentes aos indivíduos: todos temos interesses particulares, muitos em conflitos com os interesses de outros.

Assim, não podemos ter a veleidade de pensar que, por um “sopro” mágico, a consciência humana tenha por limite de ação a necessidade do respeito ao igual direito do semelhante. Todavia, deveria ser assim, ma não o é, infelizmente.

Contudo, quando lemrbro que macacos (e sua estrutura organizacional), pássaros (e seus cantos naturais) e todos os animais têm uma finalidade específica na biodiversidade – isso reforça a importância de entendermos que a diversidade é ordenada e necessária ao equilíbrio do meio ambiente em geral.

Portanto, na sociedade humana não é diferente, adequada à sua realidade específica. Logo, como na natureza, na sociedade humana, do ponto de vista geral, tudo precisa estar ordenado para que a sociedade se desenvolva, porque naturalmente a concepção dos organismos e dos poderes de Estado deve estar delimitada às suas finalidades precípuas. E, do ponto de vista dos indivíduos, o direito a ter os direitos humanos respeitados deve ser a regra balizadora nas relações sociais.

Assim como o concerto dos pássaros mostra que a natureza selvagem serve a natureza humana (e nos traz uma sensação de harmonia na diversidade), no mesmo sentido, nas relações sociais, o direito a ter os direitos humanos respeitados é a chave à prevenção dos conflitos.

E, na vivência desses direitos, cada ser humano pode ocupar seu espaço de modo digno, desde que seja reconhecido realmente como pessoa dotada de dignidade natural; logo, não pode ser ignorada por qualquer tipo ou gênero de violência.

O concerto dos pássaros (pela harmonia que nos envolve) também remete à ideia de que os diversos pensares podem ser potencializados para o bem comum e que as diversas funções públicas precisam sempre centrar no objetivo ético das razões de sua existência, que bem servir a sociedade.

___________________________ Post Scriptum: Nos termos da Lei 9.610, de 1998, permito a utilização do artigo para fins exclusivamente acadêmicos, desde que sejam citados corretamente o autor e a fonte originária de publicação, sob pena de responsabilização legal

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