Dos dois lados da rua, pessoas esperam o semáforo de trânsito lhes permitir a travessia simultânea de forma segura. Pessoas mentalizam seus percursos e destinos.
Enquanto isso, um incessante ir e vir de carros também cruzam vias e rodovias da cidade em direção aos seus distintos destinos diários.
Lá na frente da cidade, desde a sua tímida nascente ao pé da montanha, um grande rio sempre corre mansamente no mesmo e num único sentido até se misturar às águas do mar.
E ali, o rio e o mar – água doce e água salgada – se tornam um, ampliando as possibilidades de vida da biodiversidade, assim como o rio o fez no seu solitário caminho ao mar.
O que pensa e mentaliza cada pessoa, a propósito de suas metas e objetivos, é apenas um exemplo das nossas diferenças, dentre tantas e tantas outras que nos caracterizam, distinguem, aproximam ou distanciam umanamente.
Não são, rigorosamente, as diferenças biológicas que substancialmente diferenciam as pessoas, mas, o que as designam verdadeiramente é a cesta de valores (ou de desvalores) que cada um adota aos seus objetivos de vida.
E as diferenças biológicas não podem nos tornar diferentes enquanto pessoas que objetivam a felicidade: isso significa que a felicidade, como objetivo de todos, é o elemento insubstituível que todos devem ter em mente como espécie de alerta para que haja o verdadeiro respeito à dignidade humana.
Note-se: o destino final do rio é o mar, onde ali – assim pode-se comparar – alcança o objetivo principal de sua existência: também ser o próprio mar com suas múltiplas utilidades à vida planetária.
Dir-se-á que, no mar, o rio encontra a sua porção mágica da felicidade, pois a outra porção é inerente ao seu percurso solidário e sinuoso cortando florestas ao meio, mas, sendo ao mesmo tempo, o leito da vida para outras espécies.
O rio segue o curso de sua natureza, enquanto – para o bem ou para o mal – a intervenção humana não a altera.
Assim, também, a vida humana: cada indivíduo percorre caminhos em busca do seu mar, designadamente suas metas e objetivos materiais e espirituais.
O destino final de cada pessoa deve ser a felicidade. Mas, aqui entra uma questão que, apesar de fundamental, nem sempre é observada com a atenção merecida: o respeito à dignidade humana como pressuposto da felicidade.
Reflitamos: poderá alguém dizer que é feliz se a sua dignidade não é respeitada? E, por outro lado: alguém que viola a dignidade do semelhante poderia se considerar uma pessoa feliz, ainda que possua indiscutível poder?
São questões que dizem respeito à situação humana (vítima e violador), que se mostra incompatível com a felicidade, quando a designamos como estado de espírito livre das percepções erradas acerca das virtudes – estado que designa a tranquilidade da alma, porque é livre corrupção das coisas.
Nesta perspectiva, a busca da felicidade também é uma questão de princípio ético-moral, à medida que a corrupção das virtudes não possui limites, fato que promove a batalha pelo domínio do poder também corrompido. A corrupção das coisas, verdadeiramente, não gera benefícios honestos, pelo contrário, provoca ruptura com as virtudes necessárias à evolução espiritual de cada indivíduo.
Ora, a felicidade não é compatível com a natureza humana corrompida pelo exercício do poder igualmente corrompido – poder que se revela por diversas formas (inclusive as subliminares manipulações ideológicas), dominador e violador da dignidade humana.
Nessa ambiência, não haverá verdadeiro respeito à dignidade humana, se as mentes e corações não conhecerem e não viverem a magnificência da simplicidade e da humildade, pois são desses valores que todos os demais valores humanos decorrem.
Quando o rio chega ao mar, ele fica mais poderoso e majestoso do que um dia foi. A sua transformação foi para melhor , pois, embora tenha deixado de ser um rio, por outro lado, ele não perdeu a sua utilidade essencial à vida. Pode-se dizer que chegar ao mar é o tempo da maturidade para todo e qualquer rio.
Cada pessoa pode chegar ao seu mar, que é o tempo da maturidade ou da velhice e lá poderá encontrar – apesar das suas múltiplas diferenças – o objetivo virtuoso tão esperado à sua vida: o sentimento de felicidade espiritual; portanto, sem a nódoa violadora da dignidade humana do semelhante.
Esse desafio – a busca da felicidade pela decidida opção à simplicidade e à humildade – creio ser necessário para valorizar e respeitar com verdadeiro propósito a dignidade humana.
(ATENÇÃO: Em observância à Lei 9.610/98, todas as crônicas, artigos e ensaios desta coluna podem ser utilizados para fins estritamente acadêmicos, desde que citado o autor, na seguinte forma: MORAIS, O.J.C.; Instagram: oceliojcmoraisescritor)