Diálogo das três liberdades
(Da liberdade como estado de espírito - Parte II)
(Da liberdade como estado de espírito - Parte II)
Depois do diálogo sobre a arte de exercer as virtudes cardeais, as três liberdades humanas voltaram a se encontrar, agora para falar se existiria liberdade na pobreza e na riqueza, e em que nível a liberdade é medida de felicidade.
Durante o diálogo, que também ocorreu no jardim das ideias, foram servidos o pão ázimo e água fresca da cacimba, à moda São Francisco de Assis, doados que foram por arautos da simplicidade e da humildade.
As três liberdades, por viverem reclusas nas íntimas consciências dos indivíduos, têm por hábito consumir apenas aquilo que é essencial às suas necessidades básicas.
Talvez por isso, elas não tenham tantos dilemas de consciência e nem apego às coisas materiais que lhes retirem a serenidade de suas almas.
O diálogo começou com uma pergunta da liberdade de consciência às duas outras irmãs (a liberdade de expressão e a liberdade de informação).
→ “É possível, ou em que medida, a pessoa ser livre quando prioriza sua vida a acumulação de bens materiais ?
A questão colocada pela liberdade de pensamento traz o sempre atual dilema entre a temperança espiritual e a ganância material. Aquela é inerente ao ser livre; esta, relativa ao ser aprisionado.
A liberdade de informação antecipou-se à liberdade de expressão, e disse:
→ Não há nenhum mal em adquirir riquezas com suor honesto, pois ela pode garantir o conforto e o amparo na velhice, tempo em que geralmente as pessoas não têm oportunidades e são desprezadas, sobretudo se forem pobres.
A liberdade de pensamento retomou a palavra para enfatizar que a questão era se a pessoa perderia a liberdade (ou a paz de espírito) quando dedica a vida à acumuação de riquezas materiais.
A liberdade de expressão entrou na conversa:
→ Na sociedade, quem não tem riquezas materiais, quase sempre é ignorado e preterido em vários níveis; portanto, sem condições de subsistência própria, a pessoa não é livre em si. Por outro lado, quem amealhar riquezas, sempre tem as melhores refeições, mais conforto e melhores atendimentos médicos; logo, há um nível maior de liberdade. A riqueza, sob esse aspecto, proporciona maior liberdade à pessoa, à sobrevivência digna, o que é uma espécie de liberdade.
A liberdade de pensamento, então, recorreu à lição de Platão, tentando equilibrar novamente o problema central.
O que dizes é verdade e tem sentido irmã liberdade de expressão, disse a liberdade de pensamento, mas lembremos do que disse Platão em Apologia de Sócrates (Primeira parte, XVI):
→ Por toda parte eu vou persuadindo a todos, jovens e velhos, a não se preocuparem exclusivamente, e nem tão ardentemente, com o corpo e com as riquezas, como devem preocupar-se com a alma, para que ela seja quanto possível melhor, e vou dizendo que a virtude não nasce da riqueza, mas da virtude vem, aos homens, as riquezas e todos os outros bens, tanto públicos como privados”.
Conforme Platão, na Parte XXX do Apologia, Sócrates alerta para a antítese entre a acumulação desnecessária da riqueza (que pode levar à avareza) e o seu uso virtuoso: “Vos atormentei, quando vos parecer que eles cuidam mais de riquezas e de honrarias do que da Verdade” (da virtude).
Mas Platão não condenou a riqueza, apenas advertiu para a acumulação da riqueza ilícita, que é incompatível com a honestidade, essa uma virtude do homem justo, disse a liberdade de informação, para indagar:
→ Haveria liberdade no estado de pobreza quando, principalmente no adoecimento, não existe a qualidade de vida e a pessoa depende dos precários serviços públicos de saúde ? Nesses casos, a riqueza não daria maior sentido de liberdade a pessoa?
A liberdade de expressão destacou que o sentido da liberdade na pobreza e ou na riqueza, no fundo, é uma questão de estado de espírito:
Ora, a riqueza, em si, não é sinônimo de avareza, assim como a pobreza não é sinônimo de humildade. Portanto, a liberdade é um estado de espírito seja na pobreza ou na riqueza, disse a liberdade de expressão.
Essa é uma adequada interpretação ao nosso problema aqui, disse a liberdade de pensamento, afirmando ainda que a opulência pode levar ao desvirtuamento da alma, conforme Platão:
→ Platão quis dizer que as pessoas devem se preocupar mais com a virtude do que com a riqueza, pois tudo na vida decorre daquela, e não necessariamente desta.
Bem o dizes liberdade de expressão, afirmou a liberdade de informação, aduzindo que tanto o rico avarento ou o pobre soberbo podem não passar pelo mesmo buraco da agulha que o camelo tranquilamente passou.
A liberdade de expressão reportava-se ao diálogo de Jesus Cristo com o jovem rico: “E lhes digo: É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino dos céus” (Mt,19:24).
Colocado nestes termos, arrematou a liberdade de pensamento, estamos todas de acordo, e acrescentou:
→ A riqueza não é um mal em si, quando a pessoa não se torna refém das suas tentações e armadilhas; assim como a pobreza é um bem em si, quando a pessoa faz dela uma virtude para conseguir riquezas para bem viver. Nas duas situações, a pessoa demonstra domínio de si, e pode ser considerada livre.
A liberdade de expressão também interpretou que Jesus, conforme relatos do evangelista Lucas, advertiu que a cegueira pela acumulação de poderes e riquezas leva ao perigoso descontrole da própria alma.
Assim disse Jesus:
→ “Porquanto, de que adianta ao ser humano ganhar o mundo inteiro, mas perder-se ou destruir a si mesmo?” .(Lc, 9:25)
A ideia subjacente da mensagem coloca um problema que poucos percebemos: a liberdade espiritual diminui à medida que o homem concentra muitos poderes materiais e deles se torna escravo, talvez porque considere que ter muitos poderes o deixa intocável, talvez porque pense que ser todo poderoso resolve tudo e concede o passaporte à felicidade.
Premissas ou justificativas equivocadas, visto que a concentração de poderes materiais, alimentada pela avareza e pela soberba, subtrai ao homem o domínio de si, o que representa perda da liberdade.
As três liberdades humanas anuíram positivamente e, com o pão ázimo e a água fresca da cacimba, brindaram o consenso, construindo o princípio segundo o qual a liberdade é, assim, um estado de espírito, na riqueza ou na pobreza.
A liberdade é uma espécie de alma que habita indistintamente cada indivíduo; por isso, designa valor supremo da condição humana. Ontem o foi, hoje o é, e amanhã também o será cada vez mais essencial à vida. Assim, a liberdade está na centralidade da pessoa
Então, para encerrar essa crônica reflexiva, é bem oportuno relembrar a lição de Sócrates, que a história registra mais ou menos assim: os reais valores humanos não decorrem do poder que gera a fama, visto que são apenas aparências externas, pois a virtude não nasce das avarezas do poder material, mas da liberdade da alma simples, humilde e bondosa.
Admitido esse princípio na perspectiva filosófica, a liberdade que gera felicidade, na riqueza ou na pobreza, tem por fundamentos a simplicidade e a humildade.
A arrogância e a prepotência, inerentes à avareza da acumulação de poder, mortificam a liberdade espiritual.