À procura de alguma coisa leve para assistir, e para afastar o turbilhão do noticiário tendencioso – na minha época de jornalista isso era classificado como anti-jornalismo porque não informa mas desinforma e deforma – liguei aleatoriamente a televisão.
Avancei alguns canais e um desenho animado me chamou e prendeu a atenção: o título era “O contrário”, cuja narrativa infantil do episódio da série “Thomas e seus amigos”, é uma prosopopeia: envolve pequenas e alegres locomotivas com sentimentos humanos, que tiram um dia de lazer para fazer tudo ao contrário.
“Thomas & Friends” é o nome original da série inglesa, criada pelo pastor anglicano Wilbert Awordy, inspirada na coletânea de 42 livros infantis (The Railway Series), escritos inicialmente pelo pastor, mas sequenciada pelo seu filho, o escritor Christopher Awdry.
Tive vontade de viver o meu dia do contrário, assim na inocência das aventuras de criança. Mas como não sou Benjamin Button, que viveu tudo ao contrário, resolvi escrever essa crônica reflexiva, estimulado na historinha das maravilhosas locomotivas, onde “Thomas e seus amigos” contam suas aventuras sempre com mensagem sobre a amizade e a solidariedade, temperadas pela virtude ético-moral.
A crônica-ensaio filosófica vai refletir sobre o “contrário do certo” e o “contrário do errado”.
Às vezes tenho a impressão – e muito provavelmente vocês também – que a natureza das coisas está ao contrário ou tudo está virando ao contrário: o certo parece ser errado e o errado parece ser certo. Os exemplos são múltiplos. Faltam dedos nas mãos e nos pés, multiplicados por centenas de dedos, para enumerar os casos.
Mas são bem vivos nas memórias de quem guarda nas gavetas da memória consciente os casos contrários ao certo.
Basta recordar discursos políticos que a história registra: um político, num certos dia – pretendendo votos – desclassifica o adversário com os mais inomináveis adjetivos pejorativos, destacando fatos da conduta pregressa e presente, qualificando-os como inidôneos para um homem público. E, na mesma medida, recebe o contra-ataque do oponente.
Na conveniência do dia seguinte, como num passe de mágica, ambos estão juntos de mãos dadas, defendendo o mesmo “ideal” ou propósito – propósito nem sempre revelado às claras, e caminham juntos na mesma trilha que antes acusavam, mutuamente, ser duvidosa quanto aos valores éticos-morais para o exercício de um cargo público.
Não dá para entender bem: qual seria o contrário nesse caso hipotético: o dia do discurso eleitoreiro ou o dia seguinte?
Cada vez mais a impressão que fica é a de que tudo está virando ao contrário: o certo parece ser errado e o errado parece ser certo. Crianças e jovens, ainda sem formação sólida, ficam tontos com a inversão de valores.
Talvez por isso seja corrente na linguagem popular a frase padrão: todos são iguais, pois um dia prometem mundos e fundos e, noutro dia, esquecem as boas e belas promessas e fazem tudo ao contrário. Talvez a frase popular queira dizer o seguinte: o contrário do certo – de tanto ser contrário – já parece comum ou trivial fazer vista grossa ao errado, o qual deduz o desvio ético-moral.
A sabedoria popular sempre deve ser respeitada, mas é preciso ressalvar: verdadeiramente nem todos são iguais, nem todos invertem a ordem ética da natureza das coisas. Existem muitas exceções, aqueles que fazem o correto porque é certo. E abominam o errado porque é , definitivamente, errado fazer errado.
Então, essa questão moral é filosoficamente profunda, porque tem a ver com a natureza humana, isto é, com as escolhas ético-moral de cada indivíduo.
É esse padrão consciente que deve ser o paradigma: a aventura do contrário deveria ser, como regra, o errado fazer o correto, convertendo-se ao certo. E nunca ao contrário, isto é, o certo nunca deve ser tomado, nem como experiência, como permissivo ao errado.
O que é certo ou o que é errado é definido pelos valores de cada pessoa. Contudo, na perspectiva filosófica, o certo designa exercício ético das virtudes humanas; o errado pode ser entendido como um caminho errado, escolhido por descuido, mas também pode ser desvio consciente da conduta ética.
No desenho “Thomas e seus amigos” , a mensagem final do episódio “O contrário” foi a de que fazer tudo ao contrário daquilo que é certo sempre causa problemas, porque contraria a natureza das coisas. Por isso, o correto é fazer o certo!
Qualquer um sabe, ou pode se esmerar em saber, que o dia do contrário em relação ao certo é previsivelmente um dia de problemas, onde tudo pode dar errado, porque este violenta a natureza das coisas e a própria conduta humana.
Vamos imaginar, apenas por hipótese, que o dia do contrário fosse adotado como uma realidade permanente: as ruas sem semáforos; os aviões sem controladores de voos para aterrissagem e decolagem; as cadeias sem grades; os pequenos e grandes crimes vistos como naturais e aceitáveis; as leis como anti-lei.
Ninguém duvida que seria o caos. Ninguém se entenderia e os conflitos (resultantes do contrário do certo) colocariam a sociedade na beira do mais profundo precipício.
Certamente o contrário – como ocorreu no episódio do desenho animado – pode provocar a formação de uma cordilheira intransponível de problemas.
Por outras palavras: perigosamente pode formar consciências de que o certo está errado e o errado é o certo. A longo prazo, isso resultaria na mudança do paradigma ético-moral da raça humana, mas, para pior, plantando a semente da sua autodestruição.
Diante disso, a questão que ficará é a seguinte: como consertar os erros do dia do contrário? Como reverter o dia do contrário e evitar os problemas?
A resposta parece lógica: manter nos trilhos certos os bons valores humanos, pois essa é a lógica das coisas corretas. ______________
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