O.J.C. MORAIS

OCÉLIO DE JESÚS C. MORAIS

PhD em Direitos Humanos e Democracia pelo IGC da Faculdade de Direito Coimbra; Doutor em Direito Social (PUC/SP) e Mestre em Direito Constitucional (UFPA); Idealizador-fundador e 1º presidente da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social (Cad. 01); Acadêmico perpétuo da Academia Paraense de Letras (Cad. 08), da Academia Paraense de Letras Jurídicas (Cad. 18) e da Academia Paranaense de Jornalismo (Cad. 29) e escritor amazônida. Contato com o escritor pelo Instagram: @oceliojcmorais.escritor

Deus se converteu?

Océlio de Morais

Eu não sei vocês, mas não entra na minha cabeça essa ideia de Deus violento, vingativo e ideológico. Quem conhece pouco ou muito de Teologia, pode presumir que essa ideia parte da forma como Deus foi interpretado e apresentado nos livros que compõem o Antigo Testamento da Bíblia Sagrada.

No Pentateuco, que reúne os chamados livros proféticos – Gênesis, Êxodo, Deuteronômio, Juízes e Reis são exemplos – Deus é identificado como se fosse um Ser binário: ora é piedoso e solidário, dócil e amável; ora é uma divindade vingativa e violenta,  sem dor e nem piedade contra aqueles que não observam suas leis e não O amam.

Vou citar apenas dois exemplos:  as batalhas de Deus contra o Faraó Ramessés e contra  a cidade de Jericó. No  livro de Êxodo, Deus aparece como um Ser vingativo e implacável, porque  o coração pesado e endurecido do Faraó do Êxodo  mantinha o povo hebreu  como escravo. 

Como represália, o Todo-poderoso lança as dez pragas sobre todo o reino  do  Egito antigo, acabando por massacrar o exército egípcio  na travessia (ou tragédia) do Mar Vermelho. O livro de Êxodo passa a ideia de que Deus prepara uma espécie de armadilha ao Faraó, endurecendo o coração do monarca para que ele perseguisse os hebreus no deserto até chegar no Mar Vermelho, o alçapão que engoliu o exército e a destruição final ao Faraó.

É assim que está narrado em Êxodo, 14: 14, 14, 18: “Eu,  endurecerei o coração de Faraó, para que os persiga, e serei glorificado em Faraó e em todo o seu exército, e saberão os egípcios que eu sou o Senhor.” “O Senhor pelejará por vós, e vós vos calareis.” “E os egípcios saberão que eu sou o Senhor, quando for glorificado em Faraó, nos seus carros e nos seus cavaleiros”.

Teria o Faraó enfrentado o Senhor absoluto dos Céus e da Terra,  se Deus não tivesse endurecido o seu coração? É lógico pensar que não. Então, isso quer dizer que o Faraó engoliu a isca e, cheio de si,  foi à grande batalha final do Mar Vermelho, pensando que retornaria  os hebreus como escravos.

E era presumível que isso acontecesse, pois era o exército mais poderoso do mundo antigo contra  ex-escravos sem armas.  Mas Deus pelejou [lutou] pelos hebreus. E assim Deus é o guerreiro estrategista e impositivo de sua vontade soberana: “O Senhor pelejará por vós, (...) E os egípcios saberão que eu sou o Senhor, quando for glorificado em Faraó (...)”.

Mas essa ideia de Deus com sentimentos humanos realmente não entra na minha cabeça. 

Depois da batalha final,  e quando tudo parecia que a aliança de Deus com o povo israelita estava completamente selada, para que pudessem entrar na Terra Prometida (Canaã, “a terra que mana leite e mel” Dn 26:9), eis que os hebreus ficaram 40 anos sofrendo no deserto, porque parte do povo não tinha fé no seu Senhor.  Os 40 anos no deserto são uma espécie de purgatório imposto por Deus aos israelitas. Eis outro típico traço humano atribuído ao Senhor da criação: um Deus punidor, castigador e severo.

Porém, essa ideia de Deus com sentimentos humanos definitivamente não entra na minha cabeça.

Com  Jericó não foi diferente: a cidade inteira foi destruída e o seu povo  (homens, mulheres, crianças, inclusive  animais) foi  morto.  “Os  filhos de Israel tomaram e destruíram a cidade”,  assim consta no livro de Josué,  no capítulo 6. 

E isso ocorreu porque Deus assim prometeu: “Mas o Senhor disse a Josué: Eu lhe entreguei Jericó, seu rei e todos os seus fortes guerreiros”, relata Josué no capítulo 2 do respectivo  livro, descrevendo ainda  nos capítulos 5 e 17, que depois de sete dias de cerco cerrado, Jericó seria destruída:   “cairá o muro da cidade e o povo atacará, cada um do ponto onde estiver (...) e   Jericó e tudo que há dentro dela serão completamente destruídos como oferta ao Senhor.” 

Então, essa ideia de que Deus é vingativo e violento  não entra na minha cabeça, até porque esse perfil é negacionista do Deus benigno que criou o homem à sua imagem e semelhança. 

Um parêntesis: Deus não estava sozinho, mas acompanhado,  quando resolveu criar o homem. Deus-Pai conversava com outra divindade de igual bondade. Veja-se: “E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança.” (Gênesis 26). Observamos o verbo no presente do subjuntivo, na primeira pessoa do plural:  “Que nós façamos”, designa pelo menos mais um criador: Deus e mais outro ou outros Seres de Luz.  Ou terá sido erro de tradução? Fecho o parêntesis.

Se Deus dizimou primogênitos do Egito e destruiu Jericó com a espada de seus anjos guerreiros, então estaria aniquilando a si próprio, à medida que “criou o homem, macho e fêmea, à Sua própria imagem e semelhança”.  Ou  será que Deus teria se arrependido da sua obra prima?

A ideia que passa é a de que Deus é o exterminador do presente e do futuro da humanidade, porque Ele só ama a quem O ama e O venera, e, por outro lado, extermina a cria que não O venera. Bom, mas essa ideia não é razoável, porque contraria a própria essência da criação: o homem à sua imagem e semelhança de Deus.

Ou será que a narrativa de Deus como exterminador – equiparado aos vingativos deuses da mitologia grega e egípcia – advém do fato de Deus ter cortado as relações com Adão e Eva, porque o desobediente casal comeu a maçã proibida da “árvore do conhecimento do bem e do mal”, por conta e risco do livre arbítrio?

Não! Penso que Deus não cortaria as relações com Adão e Eva somente porque os dois exerceram o direito de escolha. Se assim fosse, Deus estaria castigando a si mesmo, porque – ressalta-se novamente – o homem é sua própria imagem e semelhança.

Teólogos, notadamente os exegetas de raiz, explicam que o Antigo Testamento com seus 46 livros (para os cristãos protestantes, são apenas  39), é assim porque resulta das denominadas escrituras hebraicas e, por isso -  visando às finalidades teologais, mas também metodológicos à sua melhor compreensão - o Antigo Testamento precisa ser compreendido a partir do conjunto dos cinco blocos de livros: Lei, História, Poesia ou Livros de Sabedoria, Profecias e os Livros Deuteronômicos.  

O conjunto desses livros têm uma mensagem de fundo: a aliança de Deus com o povo de Israel, a partir da fé e da antiga tradição hebraica.

Mas, de repente – digo assim porque para o Todo-poderoso a eternidade do tempo é o mesmo que uma fração de segundo humano – Deus é apresentado, já no Novo Testamento, como bondoso, caridoso, misericordioso, acolhedor e amável.

Acho que Deus-Pai refletiu e não gostou da fama de vingativo lá do Antigo Testamento e quis virar o capítulo daquela história. Jesus, o Deus-Filho, desce à Terra e se junta aos irmãos humanos para colocar ordem na Casa bagunçada e para recolocar Deus-Pai no seu devido lugar.

Sem aquela ideia de que se não me amas, não te amarei, Jesus redesenhou a imagem e o perfil de Deus-Pai, quando declarou o primeiro e principal mandamento da nova Era e para toda a eternidade humana: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento”. (Mt. 22:34-40).

Sem violência e sem distinguir entre ricos e pobres, Jesus chegou de mansinho, como apaziguador dos “rebanhos” que estavam em discórdia e disse o seguinte ao homem (aquele que foi criado à imagem e semelhança de Deus): “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mt. 23:37-39).

E num sentido complementar, conforme o Evangelho de Mateus (5:39), lá no Sermão da Montanha para a multidão que o seguia, Jesus apaga de uma vez por todas a ideia do Deus vingativo e violento: “Vocês ouviram o que foi dito: ‘Olho por olho e dente por dente’.  disse o Mestre (Mt. 5:38), referindo-se ao Antigo Testamento, para consertar tudo: “Eu, porém, vos digo: não resistais ao homem mau; mas a qualquer que te bater na face direita, ofereça-lhe também a outra”

Amar ao próximo, por outras palavras, posso resumir em dois sentidos: o que eu quero de bom para mim, também devo querer ao próximo; e, assim como não quero ser atropelado pelo cinzel excludente do sistema, também o próximo não deve ser.

Jesus deu o exemplo: estendeu a mão e abriu o coração para ricos e pobres, inclusive àqueles que o queriam morto antes do tempo destinado.

Os dois novos mandamentos  significam  precisamente que Deus quer apenas uma coisa: ser amado, nada mais.  Não por carência, como ocorre entre nós, os mortais, mas porque vai selar a aliança definitiva, entregando o próprio Filho querido à morte humana. Esses dois novos mandamentos  resumem todo o ministério devocional e de fé de Jesus em nome do Pai.

Ai eu fico me perguntando, quando comparo os perfis do Deus vingativo do Antigo Testamento e do Deus amável e piedoso do Novo Testamento: Deus se converteu? Deus se conscientizou que é melhor perdoar, mesmo os inimigos, do que exterminá-los com a fúria dos anjos como ocorreu com a morte dos primogênitos do Egito? Ou o Deus do Antigo e o Deus do Novo Testamento não seriam a mesma divindade?

Para quem tem fé no Deus boníssimo - como é  o caso de 2,18 bilhões de cristãos dos 8 bilhões de humanos atualmente -  o Sapientíssimo não comporta a natureza binária. Deus não é bipolar, não possui  naturezas extremadas e opostas em si. Deus não tem duas faces ou dois modos de ser.

Ele é, como resumiu Jesus, o Deus único e absoluto Senhor da criação, cheio de amor para dar a todos, indistintamente: pobres e ricos, homens e mulheres, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação social ou ideológica.

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ATENÇÃO: Em  observância à Lei  9.610/98, todas as crônicas, artigos e ensaios desta coluna podem ser utilizados para fins estritamente acadêmicos, desde que citado o autor, na seguinte forma (Océlio de Jesus Carneiro Morais (CARNEIRO M, Océlio de Jesus) e respectiva fonte de publicação.

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