O que Niccolò di Bernardo dei Machiavelli, ou simplesmente Nicolau Maquiavel na tradução brasileira, tem a ver com o Brasil?
Guarde essa pergunta na gaveta da memória. Voltarei a ela daqui a pouco.
Primeiro quero dizer que essa curiosidade me ocorreu quando li o livro “Il Principe” (O Príncipe) , de Niccolò di Bernardo dei Machiavelli, bem tardiamente, é verdade, pois aconteceu em meados da última década dos anos 1980; portanto, quatro séculos depois que foi escrito.
Antes da leitura, lá pelo início da década de 1980, já tinha ouvido falar da obra e do autor, por ocasião de um curso específico à formação em ciência política na Universidade Federal do Pará.
Além desses dois fatos, também resolvo escrever essa crônica histórica durante a viagem que faço agora à Florença (Itália), em dezembro de 2018, ocasião em que conheço o “Palazzo Medici”, nº 03 da Via Cavour na antiga Via Larga, construído no século XV; a “Casa Museo Machiavelli” onde viveu em exílio, e a “Basilica di Santa Croc” (Basílica de Santa Cruz ), “Palazzo Vecchio”.
A “Basilica di Santa Croc” é tida como a principal igreja franciscana em Florença, porque lá estão restos mortais de Niccolò Machiavelli,Galileo Galilei e Michelângelo.
Então aqui retomo à pergunta inicial desta crônica.
Mas faço uma advertência necessária desde logo para que se evitem interpretações político ideológicas de quaisquer naturezas: a crônica não é uma ode literária à memória do presidente-general brasileiro Emílio Garrastazu Médici. Antes e objetivamente trata-se de crônica literária que, por fatores históricos, a família Médici italiana está diretamente relacionada à obra prima de Maquiavel. E por genealogia, o Médici brasileiro é o ponto de conexão desta crônica.
Diretamente, por linha sanguínea, a história não registra nenhuma descendência de Maquiavel no Brasil. Mas reflexos da sua visão política, sim.
Quando “O Príncipe” foi escrito em 1505 e publicado em 1515 - no âmbito da então República Florentina (Itália), no período do renascimento - o Brasil colônia tinha apenas 5 anos de idade, descoberto que fora em 1500 pelo navegador português Pedro Álvares Cabral.
Portanto, considerando que o livro é um tratado político sobre como chegar ao poder e nele se manter, sobre como gerir a coisa pública - e escrito a partir dos problemas políticos da república Florentino do século XVI - a princípio não se poderia relacionar Maquiavel e nem sua obra prima com o Brasil colônia.
Mas é a partir de Florença que aparece - ainda que bem à distância do ponto de vista das diretas intenções políticas - um ponto de interseção que pode relacionar Maquiavel com a história brasileira.
Há na própria obra de Maquiavel que “O Príncipe” é dedicado ao Duque de Urbino, o “Senhor de Florença, Lourenço II de Médici” (1492–1519), um governante de Florença.”: Em latim, assim Maquiavel fez a dedicatória: “Nicolaus Maclavellusad magnificum laurentium Medicem”, cuja tradução à língua portuguesa é: “NicolÒ Machiavelli aio Magnífico Lorenzo de Medici”.
A referência de que a obra teria sido “encomendada” pelos Médici, a poderosa família dos nobres de Florença do século XVI, levou minhas memórias ao terceiro presidente militar brasileiro,: Emílio Garrastazu Médici, o presidente que começou a construção da rodovia transamazônica - obra inacabada até hoje, passado quase meio século de governos e também desgovernos no Brasil.
Nascido em Bagé, Rio Grande do Sul, Emílio Garrastazu Médici, o general-presidente brasileiro, era da descendência dos Médici de Florença: seu pai, Emílio Médici, foi um imigrante italiano, e sua mãe (Júlia Garrastazu), embora uruguaia, era de origem basca.
Não consta na biografia de Garrastazu Médici que “O Príncipe” tenha sido o seu livro de cabeceira. Mas certamente o leu mais de uma vez.
Isso pode ser deduzido por dois fatores marcantes de seus goveno no período de 30 de outubro de 969 a 15 de março de 1974 - fato que se revelam bem dentro das lições que Maquiavel coloca em “O Príncipe”.
Maquiavel, que entregou “O Príncipe” como “um pequeno presente” a Lourenço II de Médici”, também o aconselha,: para governar bem e ser respeitado pelo povo, o príncipe precisa conhecer o seu povo.
O governo do presidente Médici é avaliado, por economistas como o período do “milagre econômico brasileiro” (inflação baixa, crescimento recorde, e projetos desenvolvimentistas para integração nacional), aliado à propaganda ao civismo, donde surgiu o slogan oficial: “ Brasil, ame-o ou deixe-o”.
Em “O Príncipe” , Maquiavel analisa como devem medir as forças dos “principados” (governos), de como deve ser a fortuna nas coisas humanas (governantes) e de que modo lhe deve resistir (por exemplo, às tentações da corrupção).
Até a presente data, não consta na biografia de Garrastazu Médici que tenha sido um presidente corrupto, mas consta que realizou grandes obras como o projeto de integração nacional, com o início das construções das rodovias Santarém-Cuiabá e da Transamazônica.
Ao que indica, o presidente Médici tomou para si os conselhos dados ao seu antecessor por Maquiavel.