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Crônica judiciária II: E tudo começou assim…

Océlio de Jesús C. Morais
Quero começar essa crônica, na série “crônicas judiciárias”, fazendo uma  reminiscência para tentar mostrar que muitas coisas que acontecem em nossas vidas, como destino espiritual traçado, podem ser modificadas no percurso da estrada conforme as opções individuais ou coletivas, não obstante os bons desígnios de Deus. 
 
Meus desígnios começam com uma identidade com Maria, aquela jovem que se tornaria, por sua humildade e devoção a Deus, a mais significante e  mais importante mulher que a humanidade já conheceu. 
 
Maria, a jovem israelita filha de Joaquim e Ana -  ele descendente do Rei Davi e, esta, descendente do sacerdote Aarão -  nasceu no  dia 8 de setembro do último quartel do século I, antes de Cristo.
 
Lá entre  os dias 20 a  25 de março - conta a tradição  cristã que  teria entre 13 a 16 anos de idade - Deus mandou o anjo Gabriel  anunciar que Ela seria a mãe de seu Filho unigênito,  e que se chamaria Jesus, o  maior, mais poderoso e insuperável Espírito de luz nascido-encarnado homem, dentre todos os homens, em todos os tempos.
 
E assim foi feito. E Deus continuou derramando bençãos à Terra.  Povoou a humanidade com bons espíritos, conferindo-lhes o livre arbítrio, ambiente onde caminham num paralelo o bem e o mal, o bom  e o mau.  
 
Acho que posso me considerar um bom espírito, porque também um dia -   mas,  já no século XX e mais de 2.000 mil anos depois de Cristo -  Deus disse:  vou abrir mais uma janela no universo, na cidade de Monte Alegre (PA), às 06:00 hs, do dia 08 de setembro, e mandar ao mundo mais uma alma (que será boa), e que se chamará Océlio de Jesus.
 
E assim também foi feito.
 
Então, essa foi a primeira bênção que Deus me deu: ter nascido no dia da Natividade de Nossa Senhora, a mãe Santíssima e advogada de todos os mortais. 
 
Haveria melhor presente  como ponto de partida para uma existência feliz?
 
Como resultados das incessantes bênçãos e inúmeras pessoas boníssimas que passaram ou estão na minha vida,  a magistratura - muito mais do que uma profissão técnica, mas minha verdadeira vocação existencial - foi o báculo que Deus me outorgou para  o exercício de bem servir a sociedade.
 
Coincidência ou não, minha relação com as “barras” da Justiça começa cedo, e bem cedo. Entre 01 e 02 anos de idade, foi a Justiça que decidiu meu destino no âmbito de um processo judicial sobre a minha guarda definitiva, conferindo-a  à minha mãe, cessando a pretensão de minha avó paterna - uma disputa que vinha desde o meu nascimento.
 
Mas os meus caminhos à magistratura, no entanto, foram preparados por vias  transversais, tipo aquelas fábulas com desfechos imprevisíveis: Jesus foi ao templo ensinar os doutores da Lei aos 12 anos de idade. Comecei meus estudos formais aos 10 anos.  Aos 12 anos, o ingresso no  grupo vocacional (para meninos de famílias pobres da colônia e da cidade de Monte  Alegre) foi o primeiro degrau da ponte que me levaria ao seminário; depois aos estudos de teologia, com vistas ao sacerdócio, mas, simultâneo ao jornalismo, este, como arte de investigar e bem informar a sociedade; e ao magistério, como arte de aprender ensinando e, finalmente, a investidura judiciária.
 
Posso dizer que essas experiências de vida em instituições diferentes da sociedade - Igreja (parte da infância até início da juventude), Imprensa (na juventude), e Judiciário (na maturidade) - contribuíram para a minha compreensão de como as estruturas de poder da  sociedade funcionam e se entrelaçam com ou sem fins políticos à cidadania, com ou sem fins ideológicos.
 
De meu primeiro dia investido na magistratura, a partir do dia 13 de dezembro de 1996,  quando jurei respeitar e defender a Constituição - jurar a Constituição significa não desrespeitá-la e aplicá-la conforme suas regras, valores e princípios - até os dias atuais, posso dizer serenamente que sempre julguei com a mais pura convicção da liberdade de consciência, técnica e imparcialidade  exigíveis àqueles que são investidos à dificílima e nobre arte de julgar.
 
E a cada vez que julgo um processo, fico me perguntando se minha decisão alcançou o mínimo de um ideal de Justiça - independentemente da qualificação das partes litigantes  ou do valor da causa -  e a resposta de minha consciência é sempre a mesma, confirmando o que um dia havia me dito o saudoso desembargador Christo Alves, quando eu ainda  sonhava em ser Juiz de Direito:"não se preocupe, meu jovem, sempre haverá uma das partes que vai lhe elogiar e a outra que lhe criticar e até difamar, dependendo do resultado da decisão”.
 
E isso é absolutamente verdadeiro: já vivenciei casos em que a mão que um dia elogiou; noutra ocasião, foi a mão que apedrejou; mas, claro, porque  não souber separar a razão da emoção quanto ao resultado que se lhe apresentou acerca da decisão.
 
Nesses meus quase 25 anos de magistratura - e acho que isso acontece com outros juízes também - vamos criando uma espécie de couraça (para suportar críticas e  outras tantas dificuldades) e alimentando uma extrema e utilíssima sensibilidade (para saber separar o joio do trigo na arte de julgar).
 
O exercício da magistratura, longe e bem longe do glamour que se apresenta, é um fardo muito pesado, porque é muito difícil (dificílimo mesmo) proferir uma decisão justa, naquelas situações  quando os fatos que são levados ao magistrado já vêm desvirtuados pelos interesses financeiros e econômicos que os tangenciam. 
 
Não tem sido  incomum identificar a existência  de processo que representa mais uma expressão monetária do que a prevenção ou a reparação de  lesão que,  a toda evidência, pode modificar ou já modificou os rumos da vida de uma das partes litigantes.  
 
Bom, por minhas mãos já passaram muitas vidas - porque cada processo contém histórias (ou estórias) bem contadas ou mal contadas - e ainda passarão muitas outras e, até o dia do fim, continuarei pedindo sabedoria para saber separar o joio do trigo,   e, a cada julgamento, não esquecer de sempre dizer:  gratidão ao boníssimo Deus pelas bênçãos dadas para bem servir a Justiça, sem pretender ser Robin Hood, mas para ser zeloso, objetivando "dar a César o que é de César”, dar ao justo o que é do justo ou garantir o direito a quem tem o direito.
 
Então, e por fim, expresso com singeleza de alma: gratidão a Deus por abrir uma janela espiritual no universo à minha existência no dia da Natividade de Maria-Mãe Santíssima e gratidão  pelos meus erros e meus acertos por toda a vida.
 
 
 
ATENÇÃO: Em  observância à Lei  9.610/98, todas as crônicas, artigos e ensaios desta coluna podem ser utilizados para fins estritamente acadêmicos, desde que citado o autor, na seguinte forma (Océlio de Jesus Carneiro Morais (CARNEIRO M, Océlio de Jesus) e respectiva fonte de publicação. 
Océlio de Morais