Você já se deu um pouco tempo para pensar e observar que a grande maioria das pessoas que adotam a simplicidade como condição existencial são pessoas que têm uma alegria indescritível em servir e não, rigorosamente, serem servidas.
Este ensaio reflexivo vai abordar a arte de servir como pressuposto inerente à simplicidade de alma, e, esta, como nobreza necessária à ascese virtuosa.
Quando me refiro à arte de servir, a ideia de fundo não é a expressão artística, que é inerente à vida cultural, tampouco a mera habilidade técnica , como a experiência do garçom em arrumar com esmero uma mesa e servir com profissionalismo os clientes.
Tudo isso pode compor a arte de bem servir com profissionalidade, mas estou me referindo à nobreza de fazer e servir com amor sem distinções ou discriminações de status social, raça ou gênero de modo espontâneo ou quando se é demandado.
Então, afirma-se como argumentação que a arte de bem servir pressupõe gestos nobres, os quais residem ou moram na alma daquele que consegue identificar que a simplicidade de servir , é aquela feita com amor – generosidade que, por óbvio, não exige trocas de favores.
A simplicidade de servir com amor é um grande desafio porque exige um exercício mental e prático da aceitação da humildade como a virtude necessária para esse embelezamento espiritual, aceitação, deveras desafiante àquele que opta servir como mercantilização de fatores ou, por outras palavras, como moeda de troca: o famoso, sempre atual e utilíssimo toma lá dá cá.
Mas não é impossível entender a nobreza que significa servir com simplicidade: Em primeiro lugar, me permitam um exemplo pessoal. Tenho uma ideia que venho procurando trabalhar para melhorar a minha vida sob todos os aspectos: selecionar e encher o meu pensamento com as virtudes que enobrecem a alma.
Essa foi uma lição que li na obra “Da tranquilidade da Alma", onde filósofo Sêneca aconselha que “ (...) não devemos ignorar as palavras boas e os corações repletos de bons pensamentos”, visto que uma “alma generosa (...) “ precisa e deve “olhar para as próprias forças (..) “, o que vai revelar ““aspira atingir os mais elevados objetivos” (p. 123-124).
Em segundo, e creio ser mais relevante do que o primeiro exemplo, é observar e tomar como exemplo de humildade, simplicidade e generosidade aquilo que fizeram – sem exigir nenhum favor material em troca – grandes corações e almas bondosos que a humanidade teve a felicidade de receber: Francisco de Assis (1181 ou 1182 a 1125.) e irmã Dulce (20/05/1914 a 13/03/1992), por exemplo, dentre outros que souberam conjugar a arte da simplicidade de bem-servir a generosidade como expressão do amor ao próximo.
Francisco de Assis , depois de renunciar toda a riqueza material que lhe era de direito por herança familiar, abraçou a simplicidade ao ponto de viver a mais dura pobreza de sua época. E para servir com generosidade as pessoas fundou a Ordem dos Mendicantes, que depois se chamou Ordem dos Frades Menores e, na contemporaneidade, Ordem dos Franciscanos, a partir das regras da obediência, pobreza e castidade. Por sua vida virtuosa, apenas dois anos depois de sua morte, foi canonizado a 16 de julho de 1228, pelo Papa Gregório IX.
Já a irmã Dulce – uma freira brasileira nascida na cidade de Salvador – pregou e viveu a humildade.
Por seu dedicado amor ao acolhimento solidário e caridoso às pessoas necessitadas, carentes e miseráveis, foi canonizada em 13 de outubro de 2019 pelo Francisco , sendo a partir de então a Santa Dulce dos Pobres, a primeira santa nascida no Brasil.
Francisco de assis e Irmã Dulce representam bem, desde então e ainda hoje, casos virtuosos do bem -servir, virtudes que as desenvolveram com a compreensão de si mesmos , com a experiência da vida e com o respeito à dignidade dos seres humanos. Pode-se afirmar que, pelas concretas vidas virtuosas que tiveram, alcançaram a tranquilidade da alma com a sabedoria de bem servir.
Lúcio A. Sêneca, “o Moço”, nas suas reflexões filosóficas sobre a tranquilidade da alma ofereceu, talvez, um dos caminhos seguros para a compreensão da arte de servir.
Disse ele: “(...) o bom do espírito, o espírito há de encontrar” (p. 94) E prosseguiu dando mais luzes à trilha do bem: “Busquemos as coisas boas , não nas aparências , mas sólidas e duradouras, mas belas no seu interior” (p. 94), pois, quando se e compreende a arte da simplicidade no bem-servir é porque a pessoa descobriu que a “sabedoria” (...) reside no exemplo” de vida.
A arte de servir é, sob essa perspectiva, uma espécie de sabedoria que se aprende durante a vida, desde que as coisas sejam feitas com amor. A arte da sabedoria – interpreta Baltasar Gracián – está em “em ser cuidadoso” para bem “conhecer a vida e a alma das pessoas” (P. 2008, 93).
Conhecer a vida retroage à ideia socrática ( 469-399 a.C) relativa à necessidade da pessoa – que, por exemplo, se esmera no aprendizado da arte da simplicidade de servir – primeiro deve conhecer a si mesma:. Isto é, conhecer, dominar e eliminar seus vícios para trabalhar suas virtudes .
Conhecer a vida e respeitar a alma das pessoas é o segundo passo importante, ou seja, aquele passo contínuo e subsistente para o espírito descobrir o que é bom para o espírito, – no caso, “respeitar a alma das pessoas” aponta para a não-violação, sob qualquer qualquer natureza, de qualquer aspecto dos atributos que são inerentes e compõem a dignidade humana.
Sêneca pode oferecer lições e indicar os caminhos que podem levar à tranquilidade da alma. Francisco de Assis e Irmã Dulce são exemplos virtuosos de humildade, simplicidade e generosidade em bem-servir. Agora, a obra é de cada um , na perspectiva de conhecer a si mesmo para o exercício da simplicidade de servir com amor.
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