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Como bem servir?

Océlio de Morais

Você já  se deu um pouco tempo para pensar e observar que a grande maioria das pessoas que adotam a simplicidade como condição existencial são pessoas que têm uma alegria indescritível em servir e não, rigorosamente, serem servidas.

Este ensaio reflexivo vai abordar a arte de servir como pressuposto inerente à  simplicidade de alma, e, esta, como nobreza necessária à ascese virtuosa. 

Quando  me refiro à arte de servir, a ideia  de fundo não é a expressão artística, que é inerente à  vida cultural,  tampouco a mera habilidade técnica , como a experiência do garçom em arrumar com esmero uma mesa e servir com  profissionalismo os clientes.  

Tudo isso pode compor a arte de bem servir com profissionalidade, mas estou me referindo à nobreza de fazer e  servir com amor sem distinções ou discriminações de status social, raça ou gênero  de modo espontâneo ou quando se é demandado. 

Então,  afirma-se como argumentação que a arte de bem servir pressupõe gestos nobres, os quais  residem ou moram na alma daquele que consegue identificar que a simplicidade de servir , é aquela feita com amor – generosidade que, por óbvio, não exige trocas de favores.

A simplicidade de servir com amor é um grande desafio porque exige um exercício  mental  e prático da aceitação da humildade  como a virtude  necessária para esse embelezamento espiritual, aceitação, deveras desafiante àquele que opta servir  como mercantilização de fatores ou, por outras palavras, como moeda de troca: o famoso, sempre atual e utilíssimo   toma lá dá cá. 

Mas não é impossível  entender a nobreza  que significa servir com simplicidade: Em primeiro lugar, me permitam um exemplo pessoal. Tenho uma ideia que venho procurando trabalhar para melhorar a minha vida sob todos os aspectos: selecionar e encher o meu pensamento com as virtudes que enobrecem a alma.

Essa foi uma lição que li na obra “Da tranquilidade da Alma", onde filósofo Sêneca  aconselha que “ (...) não devemos ignorar  as palavras boas  e os corações repletos  de bons pensamentos”, visto que uma “alma generosa (...) “ precisa  e deve “olhar para as próprias forças  (..) “,  o que vai revelar ““aspira atingir os mais elevados objetivos” (p. 123-124).

Em segundo, e creio ser mais relevante do que o primeiro exemplo, é observar e tomar como exemplo de humildade, simplicidade e generosidade aquilo que fizeram – sem exigir nenhum favor material em troca – grandes corações e almas bondosos que a humanidade teve a felicidade de receber: Francisco de Assis (1181 ou 1182 a 1125.) e irmã Dulce (20/05/1914 a 13/03/1992), por exemplo, dentre outros que souberam conjugar a arte da simplicidade de bem-servir  a generosidade  como expressão  do amor ao próximo. 

Francisco de Assis , depois de renunciar toda a riqueza material que lhe era de direito por herança familiar,  abraçou a simplicidade ao ponto de viver a mais dura pobreza de sua época. E para servir com generosidade as pessoas fundou a Ordem dos Mendicantes, que depois se chamou Ordem dos Frades  Menores e, na contemporaneidade,  Ordem dos Franciscanos, a partir das regras da obediência, pobreza e castidade.  Por sua vida virtuosa, apenas dois anos depois de sua morte, foi canonizado a 16 de julho de 1228, pelo Papa Gregório IX.

Já a irmã Dulce – uma freira brasileira nascida na cidade de Salvador – pregou e viveu a humildade. 

Por seu  dedicado amor  ao  acolhimento solidário e caridoso às pessoas necessitadas, carentes e miseráveis, foi canonizada  em 13 de outubro de 2019 pelo  Francisco , sendo a partir de então a Santa Dulce dos Pobres, a primeira santa nascida no Brasil.

Francisco de assis e Irmã Dulce representam bem,  desde então e ainda hoje, casos virtuosos do bem -servir,  virtudes que as desenvolveram com a compreensão de si mesmos , com a experiência da vida e com o respeito à dignidade dos seres humanos.  Pode-se afirmar que, pelas concretas vidas virtuosas que tiveram, alcançaram a tranquilidade  da alma com a sabedoria de bem servir. 

Lúcio A. Sêneca, “o Moço”,  nas suas reflexões filosóficas  sobre a tranquilidade da alma ofereceu, talvez, um dos caminhos seguros para a compreensão da arte de servir.  

Disse ele: “(...) o bom do  espírito, o espírito há de encontrar” (p. 94) E prosseguiu dando mais luzes à trilha do bem: “Busquemos as coisas boas , não nas aparências , mas sólidas e duradouras, mas belas no seu interior” (p. 94), pois, quando se e compreende  a arte da simplicidade no bem-servir é porque a pessoa descobriu que a “sabedoria” (...) reside no exemplo” de vida.

A arte de servir é, sob essa perspectiva, uma   espécie de sabedoria que se aprende durante a vida, desde que as coisas sejam feitas com  amor. A arte da sabedoria – interpreta Baltasar Gracián – está em “em ser cuidadoso” para  bem “conhecer a vida e a alma das pessoas” (P. 2008, 93). 

Conhecer a vida retroage à ideia  socrática ( 469-399 a.C)  relativa à necessidade  da pessoa –  que, por exemplo,   se esmera no aprendizado da arte da simplicidade de servir –  primeiro deve conhecer a si mesma:. Isto é,   conhecer, dominar e eliminar seus vícios para trabalhar suas virtudes .

Conhecer a vida e respeitar a alma das pessoas é o segundo passo importante, ou seja, aquele passo contínuo e subsistente  para o espírito descobrir o que é bom para o espírito, – no caso, “respeitar a alma das pessoas” aponta para a  não-violação, sob qualquer qualquer natureza, de qualquer aspecto dos atributos que são inerentes e compõem a dignidade humana.

Sêneca pode oferecer lições e indicar os caminhos  que  podem levar à tranquilidade da alma. Francisco de Assis e Irmã Dulce são exemplos virtuosos de  humildade, simplicidade e generosidade em bem-servir. Agora, a obra é de cada um , na perspectiva de conhecer a si mesmo  para o exercício da simplicidade de servir com amor. 

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ATENÇÃO: Em  observância à Lei  9.610/98, todas as crônicas, artigos e ensaios desta coluna podem ser utilizados para fins estritamente acadêmicos, desde que citado o autor, na seguinte forma: MORAIS, O.J.C.;  Instagram: oceliojcmoraisescritor

Océlio de Morais