Na edição original da obra “21 lessons for the 21st Century” (2008) – a Companhia das Letras publicou a versão brasileira em 2009 – a propósito liberdade e da autoridade no mundo dos algoritmos de Big Data, Yurval Noah Harari escreveu:
– (...) Foi nos séculos mais recentes que fonte da da autoridade passou das entidades celestiais para humanos de carne e osso. Em breve, a autoridade pode mudar novamente – dos humanos para os algoritmos. Assim como a autoridade divina foi legitimada por mitologias religiosas, e a autoridade humana foi justificada pela narrativa liberal, a futura revolução tecnológica poderia estabelecer a autoridade dos algoritmos de Big Data, ao mesmo tempo que solapa a simples ideia da liberdade individual.” (p. 72).
Se dermos um tempo para pensar e para bem observar a velocidade do avanço da Inteligência Artificial neste século, espalhando seus algoritmos em todas as formas de comunicação e de relacionamentos humanos, pode-se concluir que a “profecia” do escritor Yurval Harari – sobre a “a autoridade” dos algoritmos de Big Data capaz até mesmo de “solapar a simples ideia da liberdade individual.” – de fato, já está acontecendo.
Na sociedade líquida do nosso tempo – veja o ensaio “Sociedade Líquida: Deus segundo a opção ideológica”, também publicado nesta coluna – , o ser humano acha que ainda é livre para fazer escolhas.
Mas, a rigor, quando os algoritmos de Big Data (a grande e incontrolável Inteligência Artificial) criam um padrão comportamental global, codificando nossas ideias e decodificando nossos desejos, para que oferecer, a partir destes, uma espécie de DNA digital comum para todos, as pessoas começam a pensar e a agir como planejado por esse padrão digital.
Provavelmente – assim digo como esforço hermenêutico mais fiel possível – é a isso que Yurval Harari se refere: os algoritmos de Big Data solapando a simples ideia da liberdade individual.
Isto é: a pessoa se imagina conceitualmente livre, considerando o princípio de que todos nascemos livres e que todos somos iguais em direitos. Contudo, a ideia plasmada, feita e construída a partir do direito natural, na realidade dos algoritmos de Big Data, passa a existir no imaginário irreal, enquanto que, na prática, os algoritmos vão construindo e impondo outros modos de pensamento e de vida, porém, de forma subliminar, de maneira propositalmente não explícito.
Mas não é só: a reprodução pelo ser humano do modo comportamental ditado impositivamente pelos algoritmos de Big Data projeta uma espécie de sociedade global insegura, criando mais desigualdades sociais e, portanto, gerando o sentimento de irrelevância do ser humano, conforme adverte o professor isralense de história. É assim que se manifesta Harari. Veja-se noutro excerto da mesma obra:
– “(...) assim como os algoritmos de Big Data poderiam extinguir a liberdade, eles poderiam simultaneamente criar a sociedade mais desigual que já existiu.” ((p.101).).
Então, duas perguntas são decorrentes: seriam, os algoritmos de Big Data, estimuladores das ideologias despóticas? Seriam, os algoritmos de Big Data, mecanismos de controle das liberdades humanas?
Uma possível resposta pode ser identificada neste excerto, ainda conforme o pensamento do pesquisador da Universidade Hebraica de Jerusalém e autor do best-seller internacional “Sapiens: Uma Breve História da Humanidade”.
– “ (...) Toda riqueza e todo o poder do mundo poderiam se concentrar nas mãos de uma minúscula elite; enquanto a maior parte do povo sofria, não de exploração, mas de algo muito pior – a irrelevância” (p.101).
“A concentração de poder e de riqueza nas mãos de uma minúscula elite”, facilitada pelo domínio das técnicas dos algoritmos de Big Data, seria fator favorável então implementação da nova ordem mundial – a nova ordem sob todas as suas expressões, por exemplo, econômica, política, cultural, social?
Se observarmos bem como as decisões são tomadas, a partir de padrões políticos-ideológicos bem definidos, será possível considerar que os algoritmos de Big Data são vetores da ideologia da nova ordem mundial.
“A irrelevância” do ser humano, neste contexto – referida por Harari –quer designar que a pessoa humana (condicionada e moldada pelos algoritmos de Big Data) perde cada vez mais a importância que lhe é inerente, eis que também passa a ser considerada como massa , e não como ser humano com personalidade e dignidade específicas.
Neste mundo assustador de algoritmos de Big Data, tenho uma conclusão simples, mas não simplória: o ser humano não tem defesa contra eles e, justamente por isso, vamos perdendo a liberdade natural . E seremos, cada vez mais, seres humanos subestimados, para citar Geof Colvin, autor “Os seres humanos subestimados”.
E embora não possamos desconhecer , por outro lado, que a Inteligência Artificial também pode impulsionar técnicas científicas mais avançadas para o desenvolvimento do conhecimento humano, encerro essa breve pensata com a pergunta formulada por Yurval Harari:
– “(..) Será que algoritmos em rede poderão fornecer as estruturas de uma comunidade humana global, que poderia ser coletivamente dona de todos os dados e supervisionar o futuro do desenvolvimento da vida? (p.111)
E o leitor, o que pensa?
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