A religião e a Constituição Océlio de Moraes 06.09.22 7h30 A trajetória humana revela os diversos atributos e aspectos componentes da condição humana, mas dois deles reputo mais recorrentes: a religião e a Constituição, tema ao qual dedico esse breve discurso. A história do constitucionalismo mundial aponta a Constituição dos Estados Unidos da América (1787), promulgada na Convenção da Filadélfia, como sendo a primeira escrita e, a segunda, a Constituição francesa ou Declaração francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) . A Constituição dos Estados Unidos da América (1787) e a Declaração de Direitos (1791) protegem a proteção da liberdade de expressão e a liberdade religiosa. Antes da tradição das constituições escritas, a ideia de religiosidade, vinculada a um “coração honesto” – aquele que reza, mas também dedica o coração e a mente puros à reverência de Deus — é encontrada na Bíblia cristã (Isaías 29:13:). A religião diz respeito às diversas manifestações religiosas, tidas milenarmente como meios coletivos à expressão da religiosidade. A religiosidade deduz a fé – no caso do cristianismo, a fé no Salvador, Jesus Cristo, o Deus-Filho. Esse sentido está no livro de Tiago 1:27: “A religião pura e imaculada diante de nosso Deus e Pai (...) é isenta da corrupção do mundo.” A religiosidade que emana do “coração puro” pressupõe valores éticos e morais protetores dos valores cristãos, portanto, trata-se de uma religiosidade “ isenta da corrupção do mundo''. Como um dos atributos da liberdade de consciência de expressar a fé em Deus, nas democracias, a religião, bem como outras liberdades de crenças são tidos como direitos invioláveis. É assim não apenas para proporcionar o livre exercício dos cultos religiosos – liberdade que deve ser assegurada pelo Estado; mas, antes, porque – nas palavras de Fábio Konder Comparado – “a religião é assunto de foro íntimo e não interfere no cumprimento dos deveres que todo cidadão tem para com os poderes públicos”, na obra “Ética – Direito, Moral e Religião no mundo moderno”, (p. 316-217). É notadamente esse aspecto – a religião como liberdade de consciência e a religiosidade como foro íntimo do coração puro – que as Constituições democráticas procuram proteger, como o faz a Constituição Federativa do Brasil de 198 ao qualificar a liberdade de consciência e de crença, a liberdade de cultos religiosos e a assistência religiosa como direitos e garantias fundamentais nas expressões individuais e coletivas. Por isso mesmo é natural nos processos judiciais a invocação da Constituição como a lei máxima balizadora para a proteção dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos. Rigorosamente, essa baliza é inarredável para, também, garantir que os governantes e demais agentes políticos do Estado não ultrapassem os limites constitucionais de suas estritas atribuições, e ainda para que a sociedade tenha a garantia de que a Constituição é seu patrimônio maior em termos de Lei. Essa ideia – de que a Constituição é o maior patrimônio normativo e moral de um povo – tem raízes longevas: lá na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (178), por exemplo, elevou-se a Constituição à potência máxima como condição insubstituível e inarredável à proteção das pessoas, do povo e da sociedade, ao consagrar definitivamente para a história constitucional francesa, que “ A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição” (no Art. 16º). Muito provavelmente o constitucionalista alemão Konrad Hesse também se inspirou no preceito francês para desenvolver a teoria da força normativa da Constituição, baseada na distinção da Constituição jurídica (um documento escrito emanado de um poder constituinte) e da Constituição real (a correlação de forças que decorre dos fatores sociais ou a força condicionante da realidade). E cuja legitimidade social daquela está “limitada à sua compatibilidade com a Constituição real”, quando, e somente nessa condição, “A Constituição converte-se na ordem geral objetiva complexa de relações de vida” (p.9-12), nas palavras do jurista alemão, na obra “A Força Normativa da Constituição”, editada no Brasil pela Fabris. Então, o objetivo-príncipe de uma sociedade democrática não é apenas ter uma Constituição, à medida que países não democráticos também as possuem. Mas, o objetivo-princípe de uma sociedade democrática é a eficácia da Constituição jurídica harmonizada à Constituição real, isto é, a Constituição como baliza real às ações dos cidadãos, dos seus agentes políticos de Estado e dos seus governantes. Nas palavras de Hesse: “A Constituição não significa, portanto, apenas a expressão de um ser mas também de um dever-ser; ela significa mais do que o simples reflexo das condições físicas de sua vigência” (p. 15). E acrescento: é imensurável a importância jurídico-social da Constituição para o desenvolvimento livre de uma sociedade e para as garantias das liberdades do povo. A Constituição significa a segurança das relações sócio-jurídicas e a estabilidade democrática. É por esse significado moral (autoridade moral da Constituição, na perspectiva do constitucionalista portiguês Pedro Coutinho) e pelo significado jurídico da Constituição (força normativa da Constituição como a lei mais importante das sociedades democráticas e livres), que, principiologicamente, ela precisa e deve está na base de todos as relações sociais e no âmbito dos processos judiciais, muito embora poucos tenham com clareza essa dimensão. A clara percepção dessa dimensão , nas sociedades livres e democráticas, será a garantia de que todos os cidadãos, independentemente das funções que ocupam, têm o dever de colocar a Constituição – numa numa analogia às principais ferramentas do pedreiro para deixar uma parede lisa e na perfeição que se espera – como o nível, como o esquadro e como prumo das ações que devem ser reciprocamente respeitadas. Quando, então, uma Constituição democrática protege o direito à religião, na prática significa que está a preservar um direito imemorial de um povo: a religiosidade, inerente à liberdade de expressar a fé em Deus (no caso do cristianismo) ou ainda de expressar outras crenças. A normatividade da Constituição – (no caso do nosso tema, a elevação da religião e da religiosidade à categoria de direitos fundamentais individual e coletivo) – quer também proteger aquele sentido bíblico da religião: “A religião pura e imaculada diante de nosso Deus (...), isenta da corrupção do mundo” (Tiago 1:27). Por todos esses aspectos fundamentais é possível concluir assim: a profanação de símbolos religiosos e o menosprezo pela devoção ao Sagrado daqueles professam a fé em Deus, a violação à liberdade de religião ou outra crença e a censura ao culto religioso – além de violar a Constituição, minando a sua força normativa – também ofende gravemente a expressão de fé ou crença do povo . _______________ ATENÇÃO: Em observância à Lei 9.610/98, todas as crônicas, artigos e ensaios desta coluna podem ser utilizados para fins estritamente acadêmicos, desde que citado o autor, na seguinte forma: MORAIS, O.J.C.; Instagram: oceliojcmoraisescritor Assine O Liberal e confira mais conteúdos e colunistas. 🗞 Entre no nosso grupo de notícias no WhatsApp e Telegram 📱 Palavras-chave Océlio de Moraes colunas COMPARTILHE ESSA NOTÍCIA Océlio de Morais . Desculpe pela interrupção. Detectamos que você possui um bloqueador de anúncios ativo! 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